Os conceitos envolvidos no levantamento geodésico para georreferenciamento de imóveis rurais requerem também a determinação de limites em ambientes com vegetação nativa. Muitas vezes esses são espaços protegidos e unidades de conservação, onde devem ser preservados o ambiente e os seres que dependem do seu equilíbrio.

Nesses locais, a vegetação densa pode impedir ou restringir o uso de imagens e fotografias aéreas, bem como o uso de cartas e mapas traz consigo efeitos do mesmo problema, pois são produtos originados com aqueles métodos indiretos. Pode-se acrescentar ainda que, geralmente, encontram-se disponíveis em escalas pequenas e desatualizados para esses objetivos.

O uso desses produtos implica em uma definição de critérios caso a caso, pois envolvem simplificações na interpretação do traçado, onde se depara com omissão de feições, generalização cartográfica e determinação gráfica de coordenadas, exemplos de procedimentos expeditos impróprios à definição e demarcação de limites ou linhas de referência no georreferenciamento de imóveis rurais. Tais procedimentos poderiam justificar-se em casos extremos, onde não há viabilidade para alternativas.

Persiste, contudo, a necessidade de levantamentos diretos ao longo de corpos d’água e divisas sob florestas porque, além dos motivos acima expostos, podemos nos deparar com situações tais como a necessidade de pesquisa in loco para colher elementos que indiquem o nível máximo das cheias para se determinar o álveo, ou antigas divisas, cuja manutenção foi negligenciada ao longo do tempo ou deliberadamente confundida e obliterada.

Por outro lado, o levantamento direto pressupõe o uso de tecnologias como a poligonação eletrônica e o posicionamento por satélite. A primeira requer seu desenvolvimento associado à abertura de picadas estreitas (aproximadamente um metro) na vegetação, desviando-se das árvores e acompanhando as feições a serem mapeadas. Causam menos impactos que a construção de uma cerca, por exemplo. A segunda, para atingir os mesmos níveis de eficiência da primeira, nesses ambientes, requer maior desenvolvimento tecnológico do que o atualmente disponível, caso contrário a supressão da vegetação terá maior impacto, com a necessidade de abertura de clareiras e abate de árvores com mais de cinco centímetros de diâmetro. Contudo, a poligonação também requer apoio, fornecido pelo posicionamento por satélite e, para minimizar os impactos sobre a vegetação, os procedimentos devem ser adequados, espaçando-se o apoio e escolhendo-se locais onde o dano seja menor.

Os procedimentos necessários a esses levantamentos ferem o disposto no Código Florestal (Lei 4.771 de 15/09/65), contudo a própria lei prevê situações em que é permitida a intervenção nesse ambiente. Nesse sentido está a resolução Conama 369, de 28/03/06, que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP).

Os corpos d’água podem ser divagantes em maior ou menor grau, estenderem-se por quilômetros durante as cheias, permanecerem recobertos por vegetação nativa ou apresentarem outras características, de natureza física ou legal, que resultem em uma linha projetada com traçado complexo, representativa de uma época. Em primeiro plano, tais características podem fazer crer aceitável o afrouxamento nos procedimentos para definir essa linha, mas um observador mais atento decidirá diferentemente.

Excluir o levantamento direto por poligonação nesses locais, ou substituí-lo por outro sem a eficácia necessária, pode causar maior dificuldade ao exercício dos direitos relativos a esses espaços e maior impacto ambiental no decorrer do tempo.

Sem um levantamento geodésico apropriado, compromete-se a especialização objetiva, ou seja, a identificação inequívoca do objeto (o imóvel ou a parcela) naquele espaço de preservação e dos demais limites que a ele se correlacionam, comprometendo também a gestão de seus recursos.

É conveniente ainda evocar que, sob os atuais conceitos de cadastro, com o objetivo de proporcionar segurança aos direitos reais, atuais e futuros, todos os fatos sobre uma determinada parcela (objeto) necessitam ser feitos óbvios através do sistema cadastral. A definição dos limites e a certificação desta devem ser verificadas cuidadosamente, tornando seus resultados públicos por meio do registro, como forma de transmitir às futuras gerações dados seguros sobre os direitos reais, uso e gerenciamento dos recursos, mantendo-os à vista dos proprietários e da sociedade. Nesse sentido, bem como sob os aspectos legais da propriedade, faz-se necessária também a demarcação, ou seja, a materialização dos limites sobre a superfície do solo.

Metodologias impróprias, com excessiva generalização, e o impreciso posicionamento de feições e limites acarretam em dificuldades práticas na consecução desses conceitos, pois conduzem a situações tais como:

Sobreposição excessiva de limites de imóveis ao longo de cursos d’água;

Sobreposição das divisas de imóveis sob vegetação;

Propagação dos erros ocorridos na definição dos limites e de outras feições para as divisas de outros objetos, tais como áreas de preservação, servidões e outorgas;

Dificuldade do proprietário e do órgão fiscalizador em visualizar e manter áreas de reserva e preservação ao longo do tempo, principalmente sob constante pressão antrópica e efeito de borda;

Dificuldade em se comprovar o atendimento à legislação ambiental, uma vez que o que está aprovado e registrado pode diferir do que está realizado; e

Dificuldade em se definir o limite dos rios perante o Código de Águas.

Definir as feições de corpos d’água ou outras entidades, inseridas no contexto de vegetação protegida pelas nossas leis ambientais, em especial após a promulgação do Decreto 6.514 de 22/07/08, requer atenção e cuidado dos organismos envolvidos e dos profissionais. Neste momento de aprimoramento das Normas Técnicas para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, esta questão convoca à elaboração de procedimentos específicos, organização, celeridade e fiscalização, para que não se crie um entrave geral ou a desmoralização dos objetivos.

Régis BuenoRégis Bueno
Engenheiro agrimensor, doutor em engenharia pela Epusp
Diretor da Geovector Engenharia Geomática, atuando na área de posicionamento por satélites desde 1989
regisbueno@uol.com.br