Imagine-se, leitor, na situação de poder pegar uma base com o cadastro de todos os clientes e prospects ativos, georreferenciados, pessoas físicas e jurídicas, de uma determinada municipalidade ou região, e colocar em um grande caldeirão. Acrescente a isso informações históricas de faturamento e perfil de pagamento. Mexa bem. Coloque algumas pitadas de Data Mining, Business Intelligence e GIS. Deixe ferver. Você poderá observar surgir, no fundo, alguns indicadores sócio-econômicos importantes, somente encontrados nos melhores pratos norte-americanos. Sirva junto com uma fatia de “Expansão do Microcrédito”, “Segmentação de Mercado” ou “Combate à Fraude”. Ou simplesmente congele e ofereça ao mercado em doses pequenas ou sob encomenda, compondo uma boa refeição de seleção de pontos comerciais, gestão de ativos ou consultoria para expansão da força de vendas. Pois bem, você acabou de fazer uma bela porção de Precision Marketing.

Precision Marketing

O parágrafo anterior repete o início de um artigo parecido que escrevi para a InfoGEO 25, lá pelos idos de 2002. Naquela época, o diferencial estava apenas na abrangência e capilaridade do cadastro. Hoje, esse potencial se ampliou bastante com o advento do WebGIS e a integração da inteligência geográfica aos processos de negócios.

Assim, a receita acima não está disponível para qualquer mestre-cuca realizar. Apenas os que estão nas empresas de alta cobertura, como as distribuidoras de serviços públicos (principalmente energia elétrica) e, em alguma medida, as empresas de telefonia celular, pelo altíssimo crescimento de sua base instalada nos últimos tempos. Esse pessoal tem nas mãos um conjunto de informações com um grande potencial de aproveitamento mercadológico, que faz brilhar os olhos dos marqueteiros de plantão.

Sob a perspectiva das distribuidoras de energia elétrica, consideremos a atualidade do cadastro e a informação histórica. Tradicionalmente, essas empresas possuem diversos sistemas legados, de gestão comercial, de faturamento, de rede elétrica (muitos baseados em GIS), call center e medição. Por pior que sejam suas atualidades cadastrais, a localização do consumidor, seu endereço e seu faturamento estão corretos. Com isso, é possível sabermos desde quando os clientes residem neste ou naquele endereço e quais são as regiões da cidade em que está ocorrendo maior entrada ou saída de moradores ou empresas.

Hoje, o horizonte se ampliou de uma forma inimaginável para aqueles tempos. Com a mudança de paradigma promovida pela Google com seus produtos Maps e Earth, a explosão de dispositivos móveis localizáveis no espaço e a integração cada vez mais forte entre os sites das redes de relacionamento (Orkut, Facebook), os serviços de agenda eletrônica e os ambientes de mapas virtuais, temos uma riqueza de informações que melindra até o mais cético dos mortais e inspira até a continuação do filme “Teoria da Conspiração”!

Brincadeiras à parte, sem muito esforço podemos identificar os condomínios verticais existentes em uma determinada área, o número de moradores e empresas que ocupam o prédio, e o número de pavimentos de cada um, pela simples contagem dos consumidores de mesmo endereço e posição geográfica e cálculo do número provável de pavimentos. Essa informação seria de grande valia, por exemplo, para as empresas de telefonia celular planejarem a localização de suas antenas e ERBs, evitando áreas de sombra. Se esses condomínios estiverem publicados na rede mundial geográfica, poderemos qualificá-los e até visualizá-los em 3D. Mais uma vez sem muito esforço, conseguimos contabilizar as padarias, as farmácias, as agências bancárias, as vídeo-locadoras, etc.. Grande parte desses serviços já está disponível no Google ou no Microsoft Virtual Earth. A grande maioria das elétricas possui, ainda, o cadastro de tipo de atividade de seus clientes, que segue uma classificação similar ao Cadastro Nacional de Atividade Econômica (CNAE).

Consideremos agora as informações de consumo de energia elétrica (ou de telefonia). A gestão do faturamento da energia consumida vem acompanhada de uma percepção da adimplência e capacidade de pagamento dos clientes. Aliadas a informações de localização, histórico e sazonalidade, podemos inferir renda e classificação sócio-econômica das regiões a partir de faixas de consumo (vejam meus artigos sobre esse assunto nas edições 43 e 50 da InfoGEO).

É inegável o potencial de uso dessa informação dentro da própria distribuidora. Mas e que tal poder transformar essas informações em um negócio de consultoria e oferecê-lo ao mercado? Se publicados pelas empresas de serviços públicos, é praticamente um censo demográfico, atualizável todo mês, sem custo adicional, ampliado em conteúdo pelas informações de relacionamento advindas da plataforma pública WebGIS – extremamente útil como suporte para a formulação de estratégias e apoio à decisão.

Muitas empresas pagariam caro para ter algo parecido. Nenhuma, entretanto, tem condições como as distribuidoras de energia de ter um conjunto de informações de clientes ativos e georreferenciados, além de dezenas de indicadores próprios que, associados a bases externas, constituem um repositório rico para a identificação de perfis e a geração de modelos preditivos aplicáveis aos mais diversos negócios.

Assim, seja para adquirir clientes de perfis pré-definidos, para implantar programas de fidelização, ampliar a oferta de microcrédito ou para promover o desenvolvimento de vendas, as empresas de distribuição de energia elétrica e, em especial, aquelas que atuam sobre as regiões mais importantes do país, dispõem de uma plataforma de negócios altamente atraente para terceiros. Empresas de eletrodomésticos, o setor de alimentos, o setor bancário e as empresas de telecomunicações são os melhores exemplos.

Qual é a melhor região da cidade para se colocar uma livraria ou uma concessionária de carros? Qual o perfil empresarial da vizinhança das agências do meu banco? Qual é o consumidor ideal de baixa renda que compraria um computador ou financiaria seu novo negócio, onde ele está e como abordá-lo? Dentro de um conjunto de alternativas de novos pontos de venda do meu produto, em qual terei maior potencial de vendas e menor potencial de inadimplência? Com um “Precision Marketing”, as respostas a essas perguntas são mais fiéis à realidade, e o poder de targeting das campanhas é muito maior.

As mídias broadcast, tais como TV, rádio, jornais, agências e provedores de conteúdo nas quais uma única oferta é feita para todos os clientes, e as abordagens segmentadas dos mercados das mailing lists e database marketing, são amplamente substituídas por um conceito para a venda de produtos que permite a mudança do paradigma constituído, que agrega o feedback do consumidor, seus hábitos publicados em redes sociais e sites de relacionamento e que aprende com a avaliação dos resultados das campanhas. O uso iterativo desse conceito (necessidade versus sensibilidade do cliente à oferta) permite o profundo conhecimento de comportamentos, preferências e valor ao longo da vida (LTV) dos clientes.

E isso é só o começo. Com o advento da telemedição, de tecnologias como o Power Line Communication ou PLC (ver InfoGEO 33) e, principalmente, do novo conceito de Smart Grid (falaremos disso em uma outra oportunidade), temos a percepção de variações diárias de consumo, e perfis de “curvas de carga” podem ser associados e identificados a ramos de atividade, para que essa informação sirva para identificar perfis de clientes e oportunidades de relacionamento.

Em suma, o Precision Marketing aumenta o valor da empresa que faz uso dele como cliente, extraindo o máximo de valor dos relacionamentos com seus clientes, permitindo o desenho de programas de marketing mais relevantes e gerando ações mais precisas e consistentes.

Citando as palavras do amigo Francisco Aranha, em “Marketing e Quiromancia High Tech”, na InfoGEO 9, de setembro de 1999: “há muito mais consumidores vivos do que esqueletos de pterodátilos. Mesmo assim paleontólogos inferem velocidade, peso e até dieta de dinossauros”. Transcorridos quase dez anos do artigo referido, e no contexto do Precision Marketing, é como se os paleontólogos se vissem de repente podendo viver na época dos dinossauros, com os recursos e conhecimentos tecnológicos de hoje: tiranossauros georreferenciados, publicando seus perfis no Orkut, trocando SMS e participando de comunidades virtuais e redes sociais e recebendo as ofertas certas para suas necessidades. ¦

Eduardo de Rezende FranciscoEduardo de Rezende Francisco
Mestre e doutorando em administração de empresas pela FGV-Eaesp
Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP
Atua em GIS, business intelligence, pesquisas de mercado e estratégias de marketing na AES Eletropaulo
Consultor em geomarketing, geoestatística e microcrédito
Presidente da GITA Brasil (www.gita.org.br)
eduardo.francisco@aes.com