Por Valci Francisco Vieira e Adilson de Freitas Zamparetti

Este trabalho teve como objetivo desenvolver um método para realizar o georreferenciamento de vinhedos com precisão igual ou inferior a 50cm, utilizando-se do Global Positioning System – GPS e Sistema de Informação Geográfica – SIG. O método se resume nos seguintes processos: 1. Elaborar um croqui da propriedade, dando nomes aos vinhedos, aos talhões e aos pontos a serem medidos; 2. Planejar a ordem dos pontos a serem medidos; 3. Tomar os pontos dos vértices do vinhedo com receptor GPS; 4. Transferir os pontos coletados para o computador e fazer o pós-processamento; 5. Unir os pontos corrigidos por vinhedo e talhões, objetivando o mapa georreferenciado. Este método está sendo aplicado em vinhedos no Planalto Sul Catarinense, obtendo-se mapas georreferenciados com precisão igual ou inferior a 50 cm que permite calcular a área, e estimar a produção de uva e vinho. Com base nestes parâmetros, serão disponibilizados subsídios necessários ao controle da produção, bem como dos processos para certificação de Marca coletiva e/ou Indicação Geográfica.

Introdução

O georreferenciamento é o processo por meio do qual se obtém as coordenadas das feições da superfície terrestre, como, por exemplo, um poste, o qual pode ser representado em um mapa por um ponto; uma estrada pode ser representada por uma linha e uma propriedade, por um polígono. Estas feições ou objetos são referenciados em um sistema de coordenadas, que podem ser realizados com receptores GPS (Global Positioning System).

De acordo com MONICO (2000), “GPS é um sistema de radionavegação desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América”, que permite a qualquer usuário saber a sua localização espacial.

Neste trabalho foi desenvolvido um método para cadastro georreferenciado dos vinhedos, com precisão submétrica igual ou inferior a 50cm, baseado na Lei 10.267 de 28/08/2001 (Lei de georreferenciamento de imóveis rurais), considerando a padronização da precisão de levantamento georreferenciado de vinhedos, já iniciado no estado do Rio Grande do Sul.

A aplicação deste método permitirá gerar mapas precisos, fornecendo assim subsídios para o atendimento das Leis n° 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativas à propriedade industrial, além de atender especificamente o que tange a indicação geográfica e a Lei nº 7.678, de 8/11/1988, que dispõem sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e derivados da uva e do vinho, bem como dá outras providências.

No Estado de Santa Catarina, no entanto, tem-se conhecimento da realização de um cadastro declaratório, na Região do Vale do Rio do Peixe em 2001, sem a utilização de um cadastro georreferenciado, contendo informações das áreas plantadas, variedades, porta-enxertos, espaçamento, entre outras.

Assim, objetivando agregá-lo ao cadastro descritivo, o georreferenciamento dos vinhedos fornecerá subsídios valiosos para propor e implementar políticas de desenvolvimento, certificação de produtos, indicação geográfica, além de possibilitar a geração de mapas precisos, estimando a produção total de uva e vinho.

O georreferenciamento dos vinhedos – aliado às informações de solos, clima, declividade e exposição solar, por exemplo – permitirá gerar análises espaciais com sistemas de geoprocessamento, dando subsídios ao planejamento dos atuais e futuros vinhedos a serem implantados e constituindo num instrumento auxiliar para o zoneamento da vitivinicultura.

Este método resume-se basicamente nos seguintes processos para georreferenciar os vinhedos de uma propriedade:
1. Fazer um croqui da propriedade, dando nomes aos vinhedos, aos talhões e aos pontos a serem medidos;
2. Planejar a ordem dos pontos a serem medidos;
3. Tomar os pontos dos vértices dos vinhedos com receptor GPS topográfico usando código C/A (Coarse Acquisition – fácil aquisição);
4. Transferir os pontos coletados para o computador e fazer o pós-processamento; (correção dos erros dos pontos tomados com o GPS móvel);
5. Unir os pontos corrigidos por vinhedo e talhões, com a finalidade de obter o mapa georreferenciado;

Objetivo geral:
Desenvolver um método para georreferenciamento de vinhedos.

Objetivos específicos:
– Aplicar o método em áreas-piloto;
– Elaborar um cadastro georreferenciado dos vinhedos;
– Fornecer elementos para planejamento, certificação e indicação geográfica;
– Gerar mapas dos vinhedos.

Material e método

Segundo Embrapa (2005), vinhedo é uma área contínua de plantio de videiras. Dentro de um vinhedo pode haver várias subdivisões denominadas talhões ou setores, as quais podem ser definidos por variedade, porta-enxerto, ano de implantação, etc.

Para georreferenciar um ou mais vinhedos de uma propriedade, sugere-se primeiramente desenhar um croqui contendo o nome do vinhedo, talhão, porta-enxerto e data de implantação. Por exemplo: (vinhedo 1, Cabernet Franc, 1103 Paulsen, janeiro 2005). De posse deste croqui, pode-se planejar a ordem da tomada dos pontos. Este croqui pode ser desenhado em uma folha A4, estabelecendo o código: por exemplo, 1 (um) para a primeira propriedade levantada, o número 1 para o primeiro vinhedo da propriedade, e o número 1 para o primeiro talhão, formando assim o código do talhão em 111. Se a mesma propriedade possuir vários vinhedos e talhões, a nomenclatura passa a ser 1 para a mesma propriedade, 2 para o segundo vinhedo, 1 para o primeiro talhão, 2 para o segundo talhão, 3 para o terceiro talhão e assim sucessivamente, formando os seguintes códigos de talhões: 121, 122 e 123 respectivamente.

Antes de iniciar o levantamento do vinhedo, com o receptor GPS, cria-se um projeto que recebe um nome e cuja nomenclatura dos pontos é dada por ordem numérica para cada vértice medido do vinhedo, voltando ao número 1 novamente ao levantar-se um novo vinhedo em uma outra propriedade. Para cada tomada de pontos, deve-se utilizar o método estático, com 1 minuto de rastreio para cada ponto em função da utilização do código C/A. Durante a tomada dos pontos, deve-se verificar o valor do Position Dilution of Precision – PDOP –, o qual  varia entre 1 e 10, sendo que, quanto menor o valor, maior a precisão da coordenada. Segundo Fontana (2002), um valor 4 significa uma boa qualidade.

Figura 1
Figura 1. Posicionamento correto da antena GPS para tomada de um ponto no vértice do vinhedo

Ao tomar-se os pontos em cada vértice do vinhedo, é necessário colocar a antena do GPS (Fig. 1) o mais próximo possível e na posição vertical (90 graus), permanecendo no local por 1 minuto. Este tempo será suficiente para posteriormente fazer-se o pós-processamento, obtendo-se precisão inferior a 50cm. Quando o vinhedo possuir limites irregulares, (Fig. 2).

Figura 2
Figura 2 . Exemplo de um vinhedo irregular

Existe a necessidade de se tomar mais pontos, representando assim a forma correta do vinhedo. À medida que for rastreado a seqüência dos pontos, deve-se anotar no croqui as informações: nome da variedade, porta-enxertos, ano da implantação, espaçamento, etc.

Na tomada de pontos, o aparelho foi configurado no South American Datum 1969 (Datun Sad 69), pois as cartas topográficas que servirão de apoio estão neste sistema. Desta forma, evita-se uma transformação caso se tome os dados em outro sistema.

Pós-processamento dos dados

Como cada aparelho depende de configurações e manipulações diferenciadas, não iremos entrar em detalhes das operações realizadas no GPS Leica GS20, utilizado neste trabalho. Com os dados do levantamento do GPS móvel, procede-se a sua correção, utilizando-se de dados rastreados de uma base fixa homologada pelo IBGE que esteja a uma distância máxima de 200km da tomada dos pontos.

Primeiramente, deve-se criar os diretórios no microcomputador para receber os dados do GPS móvel e da base. A seguinte estrutura é sugerida: um diretório para recebimento dos dados da BASE, um para recebimento dos dados do GPS móvel, outro para armazenamento dos dados pós-processado e um subdiretório por propriedade. Tendo esta estrutura pronta, passa-se a transferir os dados para o computador, conectando o cabo específico do GPS móvel ao microcomputador, armazenando-os no diretório GPS topográfico por data de coleta dos pontos.

Para baixar os dados da base fixa do IBGE da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo – RBMC –  no formato RINEX (Receiver Independent Exchange), formato padrão de transferência, acessar via Internet o site do IBGE (http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geodesia/rbmc/rbmcpesq.shtm?c=9) e selecionar a base mais próxima dos levantamentos realizados, aproximadamente a 200km de distância, baixar o arquivo da data de interesse em formato ZIP scla e salvar no diretório BASE, descompactando-o e obtendo-se os arquivos RINEX observável (scla…08о) e navegável (scla…08n). É importante salientar que o tempo está em hora universal (UTC – Greenwich), portanto 3 horas adiante. Com o software de pós-processamento aberto, cria-se o projeto e dá-se  um nome para o mesmo, configurando-o de modo que o sistema de coordenadas possa ter seus dados corrigidos. Neste trabalho, está sendo usado o SAD 69 Zona UTM 22 sul.

Com os arquivos da BASE e do GPS móvel abertos, solicita-se ao sistema que pós-processe os dados, gerando um novo arquivo corrigido com extensão “shapefile” que poderá ser aberto num sistema de informação geográfica  ou outro software que suporte este formato.

Gerando o mapa georreferenciado dos vinhedos dos pontos processados

Efetuado a correção dos pontos, é preciso ligá-los para formar os polígonos dos vinhedos. Para isso, é necessário utilizar um software que permita a importação do arquivo “shapefile” e a edição do mesmo. Neste caso, optou-se pelo ETGeo Wizards por ser livre e de fácil operação.

Escolhido este sistema, deve-se adicionar o arquivo “shapefile” gerado pelo software de pós-processamento e criar os seguintes campos para a classificação dos pontos: Código da Propriedade (CD_PROPR), Código do Vinhedo (CD_VINH), Nome do Talhão (NM_TALHA) e, por último, o Código do Talhão (CD_TALHA).

Depois de criados os campos na tabela de atributos do arquivo shapefile, passa-se a classificar os pontos através de seleção dos códigos do identificador dos vértices medidos nos vinhedos (exemplo: p1, p2…), da seguinte forma: estabelece-se o código 1 para a primeira propriedade levantada, o número 1 para o primeiro vinhedo da propriedade e o número 1 para o primeiro talhão, formando assim o código do talhão em 111. Se na mesma propriedade houver vários vinhedos e talhões, a nomenclatura passa a ser 1 para a mesma propriedade, 2 para o segundo vinhedo, 1 para o primeiro talhão, 2 para o segundo talhão, 3 para o terceiro talhão e assim sucessivamente, formando os seguintes códigos de talhões: 121, 122 e 123.

Feita esta classificação, utiliza-se o software livre ETGeo Wizards para geração de pontos para polígonos, informando o nome do arquivo (shapefile) de entrada e um nome de saída. Em seguida informa-se a classificação efetuada dos pontos, como: o Código do Talhão (CD_TALHA) e também a ordem dos pontos coletados em campo. Para que haja pouca ou nenhuma edição no momento da confecção do mapa do vinhedo, os pontos coletados em campo devem obedecer a uma seqüência, evitando que o sistema ETGeo Wizards ligue os pontos incorretamente.

Superada mais esta etapa, o sistema gera as áreas com todos os polígonos do vinhedo, conforme croqui de campo. Com os polígonos construídos, são adicionadas à tabela de atributos outras informações consideradas relevantes, como nome das variedades, data do georreferenciamento, nome da propriedade, nome do porta-enxerto, data da implantação, altitude do vinhedo, etc.

Materiais

Como instrumento de tomada dos pontos, elaboração e análise dos dados, a pesquisa utilizou-se de geotecnologias de: GPS topográfico Leica GS20 com 12 canais, que efetua medidas com o código C/A e na portadora L1. Sistema GISData-PRO para pós-processamento dos pontos; Sistema de informações geográficas ArcGis 9.2 para edição, elaboração de leiaute e o ETGeo Wizards para geração dos polígonos.

Resultados e discussão

O método foi testado nos vinhedos de altitude da região de São Joaquim, no Estado de Santa Catarina, obtendo-se precisão inferior a 50cm, em centenas de pontos pós-processados, pelos quais foram gerados mapas dos vinhedos,  fornecendo a área plantada com variedades de videira, sua localização espacial, entre outras informações (fig. 3).

Figura 3
Figura 3 – Vinhedo georreferenciado

Os mapas georreferenciados serão úteis para estimar a produção de uva e vinho produzido, além de fornecerem informações para o seguro agrícola, financiamentos, rastreabilidade e subsídio para produtores e associações para os registros de indicação geográfica, com controles nos processos de certificação.

Este cadastro pode ser atualizado anualmente visitando a propriedade ou até mesmo, utilizando imagens de satélite de alta resolução ou aerofotos, ambas ortorretificadas. Pode, ainda, ser disponibilizado para produtores e associações, órgãos fiscalizadores em ambiente “WEB”, através de um sistema de informações georreferenciadas, subsidiando também estudos de análises espaciais em sistemas de geoprocessamento.

Valci Francisco Vieira
Geógrafo ; M. Sc. Pesquisador da Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S.A.- Epagri
valci@epagri.sc.gov.br

Adilson de Freitas Zamparetti
Eng. CIvil ; M. Sc. Pesquisador da Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S.A.- Epagri
adilsonz@epagri.sc.gov.br

Referências bibliográficas

BRASIL. LEI Nº 7678, DE 8 DE NOVEMBRO DE 1988, Dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e derivados da uva e do vinho, e dá outras providências. Disponível em: http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=189. Acesso em 14/09/2008.
BRASIL. LEI N° 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em:  Acesso em 30/10/2008
BRASIL. LEI Nº 10.267, DE 28 DE AGOSTO DE 2001, Dispõe sobre o georreferenciamento dos imóveis rurais.
Disponível em:  http://www.phsete.com.br/novo/index.phpoption=com_docman&task=cat_view&gid=15&Itemid=14
FIALHO, B. F; MELLO, L. M. R. de; GUZZO, C. L. Metodologia de Georreferenciamento do Cadastro Vitícola. Bento Gonçalves: EMBRAPA-UVA E VINHO, 2005. 26p. Dezembro 2005. (EMBRAPA UVA E VINHO. Documentos, 50)
FONTANA, S. GPS A Navegação do Futuro. 2002. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto 303p.
MONICO, J. F. G. Posicionamento pelo NAVSTAR-GPS: descrição, fundamento e aplicações. 2000. São Paulo, Editora UNESP 288p.