O cadastro imobiliário tem objetivos jurídicos, fiscais e administrativos, constituindo-se em uma peça chave no gerenciamento do território dos países desenvolvidos, tanto no passado como no futuro. Nas palavras do professor alemão Hans-Peter Bar, “os dados do cadastro informam sobre a cultura e a história, e refletem a vida social política e jurídica de um país”.

Amazônia

Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Japão e França são exemplos de países que promoveram, em determinado período de sua história, uma regularização fundiária, conseguindo a inclusão de todas as parcelas públicas e privadas de seu território em um sistema formal de propriedades. Com isso, consolidaram um sistema de cadastro de propriedades imóveis interligado ao registro dos direitos sobre as mesmas. Assim, proporcionaram a necessária segurança e publicidade dos direitos do possuidor em relação ao seu bem, propriamente identificado.

A realização desses sistemas formais de propriedades foi viabilizada através da compatibilidade entre as crenças e acordos informais de grupos sociais, cujos integrantes detinham a posse ou a propriedade da terra, com as leis estabelecidas pelos Estados. Tal conquista teve um desdobramento fundamental para o desenvolvimento desses países, na medida em que contribuiu para a paz social e proporcionou meios formais aos proprietários para obterem o capital necessário aos seus negócios, tendo como garantia a propriedade. Realizar essa tarefa não foi fácil, pois exigiu vontade e habilidade política, leis, recursos, organização e muito tempo, mas foi alcançada e comprovou-se crucial para o desenvolvimento dessas nações.

Ainda em relação à questão cadastral, deve-se destacar a coexistência das componentes tecnológica, jurídica e sociopolítica. O observador mais atento verificará os movimentos destas componentes em nosso País nos últimos oito anos.

Lei 10.267/2001

Nosso cadastro começou somente em 2001, com o georreferenciamento de imóveis rurais e o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR). Foram os primeiros passos, bem recebidos pelo meio tecnológico e jurídico, conhecedores da questão fundiária e seus impactos negativos na sociedade. A lei 10.267, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), iluminou o que pesquisadores e profissionais da área de agrimensura e cartografia demonstraram por décadas: os títulos de propriedade de imóveis, por todo o país, na sua maioria, encerram descrições falhas, comprometendo a segurança jurídica que esses documentos deveriam proporcionar para o momento atual.

Tal fato é reforçado pela consciência de instituições do meio jurídico. Verifica-se correta, portanto, a atitude dos propositores, consultores e parlamentares que contribuíram para o primeiro passo dessa jornada.

Em continuidade, o governo federal vem implementando programas de regularização fundiária, tanto rural quanto urbana, embora para esta ainda se careça de um sistema como já concebido para o rural.

O georreferenciamento proporciona a especialidade objetiva, tecnicamente apropriada e segura, aos imóveis inseridos no sistema de registro. O mesmo é também estendido à posse, pela regularização e aquisição da propriedade. Ele não constitui uma novidade, pois foi adotado no cadastro dos países desenvolvidos.

Aspectos importantes, tais como a abertura do mercado externo para biocombustíveis, têm correlação com o cadastro, na medida em que este poderá contribuir significativamente para comprovar que esta mercadoria não se origina da expansão da fronteira agrícola sobre as florestas.

MP 458

Recentemente se evidenciou que as soluções para o desenvolvimento da região amazônica dependem da regularização fundiária. Desta percepção originaram-se atividades governamentais específicas, na tentativa de acelerar este processo, como por exemplo a Medida Provisória 458. Em relação à componente tecnológica, observam-se pressões no sentido de flexibilizar os procedimentos adotados pelas normas do Incra, no intuito de acelerar o processo de regularização.

Evidentemente, aos procedimentos vigentes cabem melhorias e especificidades para a Amazônia Legal. Entretanto, certos parâmetros, tal como a precisão posicional dos vértices definidores de divisa, não devem ser tomados como o entrave da questão e relaxados no intuito de conferir velocidade, pois estar-se-ia trilhando direção equivocada. A Amazônia não é território que justifique tratamentos expeditos, muito pelo contrário.

Deveríamos buscar um estado de sinergia entre as forças políticas no entorno da questão fundiária, no aprimoramento profissional e na capacitação dos órgãos governamentais, no sentido de consolidar e manter uma instituição necessária e eficiente.

Régis BuenoRégis Bueno
Engenheiro agrimensor
Doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP (EPUSP)
Diretor da Geovector Engenharia Geomática
Atua na área de posicionamento por satélites e regularização fundiária desde 1989
regisbueno@uol.com.br