Os imóveis rurais no Brasil, ao longo de sua história, têm sido descritos em suas matrículas de forma totalmente imprecisa, chegando a tal ponto que, de posse da caracterização de um imóvel, o mesmo pode se encontrar efetivamente em qualquer ponto do país.

Isso porque não existia – e em alguns casos não existe – na grande maioria das descrições, qualquer ponto de amarração com acidentes geográficos, rodovias, entre outros utilizados para evitar dúvidas em relação às dimensões e medidas das áreas.

Para entendermos a origem do problema fundiário brasileiro é preciso recordar a época do Descobrimento do Brasil. Na ocasião, o governo de Portugal não teve tempo hábil para planejar de forma minuciosa uma gestão fundiária adequada ao território brasileiro, pois era preciso povoar a nova terra como forma de imposição da soberania portuguesa contra a invasão de outros países. Com o objetivo de promover a colonização e ocupação das terras, foram feitas doações das chamadas Capitanias Hereditárias para as pessoas de confiança da Coroa Portuguesa, a fim de salvaguardar a soberania e a segurança.

Com a implantação das Capitanias Hereditárias no Brasil, originou-se também o primeiro problema fundiário das terras brasileiras, pois as áreas eram muito extensas e suas divisões eram imaginárias. Desta forma, não era possível precisar com exatidão a real dimensão e extensão de cada área.

Surgia neste momento a sobreposição de terras no Brasil. Os Capitães Hereditários podiam transmitir lotes de terras a qualquer pessoa de sua vontade através do sistema de concessões de Sesmarias, como era utilizado em Portugal. Com isso, o processo de colonização se deu através das concessões das Capitanias Hereditárias e das cartas de Sesmarias.

Existiam regras que deviam ser respeitadas pelos donatários, entre elas a obrigatoriedade da realização da demarcação dos limites geográficos da área. Ou seja, o proprietário de imóvel rural deveria contratar um profissional habilitado que realizaria a demarcação, submetendo-se à posterior confirmação pela Coroa Portuguesa.

As Capitanias e o regime das Sesmarias fracassaram no Brasil. Em Portugal as terras eram pequenas e já estavam sendo cultivadas, além disso, o governo detinha total controle das áreas e seus proprietários. No Brasil, as terras ainda eram virgens, não existia mão-de-obra qualificada e, além disso, o território brasileiro possui extensões continentais.

Insegurança jurídica

Constata-se que, desde a origem, o território brasileiro sofreu com a falta de um sistema fundiário adequado. Tal descaso proporcionou aos imóveis rurais um cenário de completa insegurança jurídica.

Este cenário trouxe – e ainda traz – grande temor aos credores hipotecários nacionais e, principalmente, os internacionais, que pressionaram os órgãos políticos para que buscassem solução para dar maior credibilidade às garantias reais oferecidas pelos proprietários brasileiros. A pressão originou-se das grandes empresas e bancos internacionais que realizavam o financiamento das safras dos agricultores brasileiros que, por sua vez, ofereciam as áreas rurais em garantia.

Urge ressaltar que muitos problemas de sobreposição de terras foram surgindo e as empresas e bancos internacionais passaram a dificultar a liberação do dinheiro aos produtores rurais, em virtude da burocracia e da dificuldade de receber as dívidas, principalmente por conflitos judiciais quanto aos limites e confrontações das terras dadas em garantia.

A tentativa encontrada para solucionar a problemática caótica do sistema fundiário brasileiro veio com o advento da Lei Federal 10.267 de 28 de agosto de 2001, que regulamentou o processo de georreferenciamento dos imóveis rurais perante o Sistema Geodésico Brasileiro. A Lei tem como objetivos, entre outros, obter uma descrição precisa dos imóveis rurais e evitar sobreposição de áreas. Com isso, os imóveis rurais no Brasil estão obrigados a realizarem a alteração da descrição de seus limites em suas matrículas.

A Lei do Georreferenciamento disciplinou as normas técnicas para identificação da propriedade rural, utilizando-se das coordenadas dos vértices definidores dos limites do imóvel rural, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional fixada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A precisão da tecnologia espacial, aliada a uma legislação adequada, proporcionará maior segurança jurídica aos negócios envolvendo os imóveis rurais e ainda possibilitará ao governo, no futuro, uma gestão ambiental e fundiária adequada. Ocorre que, para chegar a este esperado resultado, é preciso que as partes envolvidas neste processo estejam comprometidas para a solução definitiva deste caótico problema fundiário brasileiro.

Para obter a alteração da descrição da matrícula, o dono do imóvel rural deverá contratar um engenheiro que realizará os serviços topográficos. Após a coleta, o proprietário deverá encaminhar as informações ao Incra, que irá analisar o pedido. Estando tudo correto, as informações são homologadas no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR).

Na posse do número da certificação, expedido pelo Incra, o proprietário irá apresentar a documentação no Cartório de Registro de Imóveis onde esteja localizada a propriedade, será realizado o encerramento da matrícula anterior e feita uma nova, contendo a descrição do imóvel rural obtida pelo sistema do georreferenciamento.

Na teoria, este processo aparenta ser rápido e simples, mas na prática os proprietários têm se deparado com muita morosidade e burocracia, principalmente quando o processo chega ao Incra. Lamentavelmente, há dificuldades na obtenção de tal homologação, pela protelação injustificada do órgão responsável. Inúmeros mandados de segurança contra o Incra, determinando a realização da homologação do georreferenciamento, estão sendo deferidos.

Lapso temporal

Em média, a homologação do georreferenciamento no Incra ocorre entre três a cinco anos. Deve-se considerar que, em algumas situações, este lapso temporal pode gerar prejuízos ao proprietário do imóvel. Esta constatação é oriunda da experiência profissional deste acadêmico na Serventia Registral de Lucas do Rio Verde (MT).

Além disso, deve-se atentar para um sério risco à segurança jurídica das relações pertinentes ao imóvel, o que pode levar muitos proprietários rurais a situações de irregularidades de propriedade. Um exemplo típico desta situação é a compra e venda sem que haja o georreferenciamento, na qual não ocorre a transferência de titularidade. Assim, a venda existe mediante os documentos particulares. Caso o antigo proprietário sofra ações judiciais, pode o imóvel objeto da venda ser atingido por atos de constrições que não foram originados pelo novo proprietário.

Este breve exemplo visa demonstrar a insegurança jurídica que pode ser originada diante da exaustiva demora pela homologação do georreferenciamento.

A Lei Federal 10.267/01 impede a prática de vários atos jurídicos enquanto não houver o georreferenciamento do imóvel rural, como a transferência de titularidade, seja por compra e venda, doação, arrematação e outras situações, como o desmembramento e parcelamento da área do imóvel.

A demora excessiva do Incra, para analisar os pedidos de georreferenciamento, ofende os princípios constitucionais da razoabilidade, eficiência e moralidade que informa a Administração Pública.

Neste sentido, apresenta-se a jurisprudência que versa sobre o tema:

ADMINISTRATIVO E MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO FORMULADO PERANTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (INCRA). GEORREFERENCIAMENTO DE ÀREA RURAL. LEI 10.267/2001. DEMORA NA SUA ANÁLISE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA O SEU EXAME.

1. A demora excessiva e injustificável na apreciação de requerimento formulado pelo cidadão à Administração Pública atenta contra o princípio da razoabilidade, bem como o dever de eficiência do administrador, que lhe impõe a obrigação de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional.

2. Confirma-se a sentença que fixou prazo de quinze dias para a análise do pedido.

(REOMS 2008.36.00.014553-4/MT). Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro. Publicação: 24/08/2009 e-DJF1 p.359.

Em suma, os princípios constitucionais da razoabilidade, eficiência e moralidade orientam que o Administrador Público deve realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Obviamente que a análise de um processo de georreferenciamento é de alta complexidade e, acima de tudo, o estudo desses documentos devem ser feitos com muita responsabilidade e atenção. Ocorre que o tempo para apreciação desse pedido de homologação deve ser razoável à complexidade que cada caso exige.

O que não se pode admitir é passar anos sem que o pedido seja analisado. A Lei do Georreferenciamento não estipulou prazo para manifestação do Incra perante os pedidos de homologação. A jurisprudência tem aplicado por analogia os prazos de quinze e trinta dias, respectivamente das Leis 9.051/95 e 9.784/99. Acredita-se que o prazo adequado para análise dos pedidos é de trinta dias.

Infelizmente, é de notório conhecimento que o Incra tem inúmeros problemas, destacando-se entre eles a falta de mão-de-obra e equipamentos para atender a demanda. Ocorre que, como destaca com impressionante brilhantismo a professora Raquel Melo Urbano de Carvalho, a falta de recursos não pode ser escusa para a ausência da realização dos trabalhos da Administração Pública.

A espera sem fim é, além de desnecessária, um afronto à sociedade brasileira, gerando um cenário de incertezas que deveria ser combatido e não promovido pelo Estado. Portanto, não adianta ter uma legislação clara e precisa se ela não for aplicada corretamente. O Estado precisa rever suas prioridades e fazer investimentos que reflitam verdadeiramente nas soluções primordiais para a nação: até quando os imóveis rurais serão alvos de corrupção?

Outras considerações

Cabe elucidar que a utilização do sistema do georreferenciamento, nos termos da Lei Federal 10.267/01, somente tem o condão de alterar o sistema de medição do planimétrico para o geodésico.

Urge ressaltar que a Lei do Georreferenciamento não permite a alteração da forma geométrica do imóvel rural. Nos termos da legislação em comento, a aplicação da lei no registro imobilário autoriza tão somente a alteração da descrição do imóvel rural. Na prática, muitos proprietários querem utilizar-se do georreferenciamento para adequar-se juridicamente a uma situação fática.

O aumento ou diminuição de área do imóvel rural somente poderá ser feito mediante escrituras públicas de compra e venda ou doação. O aumento ou diminuição da área do imóvel rural somente é permitido por efeitos naturais como nos casos de aluvião e avulsão. A forma geométrica do imóvel não pode ser alterada, pois, como já acenado, o único efeito é a alteração da descrição do imóvel rural.

A descrição dos imóveis rurais, através do sistema de georreferenciamento, demonstra um importante e valioso avanço para a sociedade brasileira, aumentando a segurança jurídica pretendida pela lei do georreferenciamento.

Além disso, a utilização do sistema de georreferenciamento permitirá uma gestão fundiária eficiente, uma vez que os imóveis serão cadastrados perante o CNIR. Tal cadastro é composto de informações do Incra e da Receita Federal. Portanto, inúmeros são os benefícios proporcionados com a lei do georreferenciamento. A clareza e precisão das descrições irão garantir a tão esperada segurança jurídica.

Rodrigo Nuss
Rodrigo Nuss
Bacharel em Direito
rodrigo@agoratreinamentos.com.br