Milhares de anos atrás o homem iniciou a agricultura, gerando então maior dependência de uma mesma porção da superfície terrestre e de seus recursos, para sua sobrevivência. Com o desenvolvimento desse modo de vida, do crescimento das populações e das características próprias de cada sociedade, sobreveio a necessidade de se definir áreas específicas para o uso e daí a necessidade de estabelecer limites.
A estreita dependência da humanidade em relação aos recursos naturais é uma constante, pois, na terra, está o alimento e o abrigo para as gerações atuais e futuras. A terra é um recurso escasso; com o aumento da população mundial, maior se torna a necessidade de gerenciá-lo de forma sustentável, atitude primordial para a sanidade e sobrevivência de todos os seres coabitantes deste planeta. Portanto, é necessário que esses direitos básicos sejam assegurados. Percepção presente no conceito de propriedade da Constituição Brasileira.
Delimitar e manter um espaço são atos necessários à sobrevivência. Esta atitude pode ser observada também nas demais espécies animais. Algumas o fazem através de constante vigília, outras também através de “marcos químicos”, tal como o hábito de urinar com frequência no mesmo local.
Demarcar as terras e assim manterem assinalados e visíveis a outrem seu domínio são práticas antigas, como nos demonstra Fustel de Coulanges. Tinha caráter de sagrado, pois, o paterfamilias, anualmente, percorria os limites de seu campo; fixava sobre a linha demarcanda: pedras ou troncos, aos quais se denominavam termo; “ … pode-se avaliar o que eram estes limites e que ideias estavam a eles ligadas pela maneira com que a piedade dos homens os depositava na terra. Eis aqui – diz Sículo Flaco – o que os nossos antepassados praticavam: principiavam por cavar uma pequena vala, e erguendo o termo sobre a extremidade o coroavam com guirlandas de plantas e flores. Em seguida ofereciam um sacrifício; imolada a vítima, faziam seu sangue escorrer na vala; lançavam na vala carvões em brasa (provavelmente acesos no fogo sagrado), cereais, bolos, frutas, um pouco de vinho e mel. Quando tudo isso tinha se consumido na vala, em cima das cinzas ainda quentes cravava-se a pedra ou o pedaço de madeira’ … . Uma vez disposto um termo segundo os ritos, não havia potência no mundo que pudesse deslocá-lo. Tinha que permanecer no mesmo lugar por toda a eternidade“.
Este conceito de imobilidade, expressão da obrigatoriedade de respeito absoluto à posição do termo (ou do limite), se transferia às gerações romanas como um princípio religioso através da mitologia do deus Termo (Terminus), a quem nem mesmo Júpiter conseguiu demover do monte Capitolino, para lá ver erguido seu templo.
O conceito de respeito aos limites fundiários estabelecidos é universal e repete-se em outras religiões como uma necessidade das civilizações. A sua subsistência nas leis atuais reflete-se no cadastro imobiliário e no registro público; se expressa, em forma mais apropriada, com o georreferenciamento. A coordenada geodésica complementa o termo conferindo-lhe a desejada resistência à imutabilidade. Assim se constitui a base mais segura para correlacionar os direitos sobre o espaço, seja público ou privado.
Régis Bueno
Engenheiro agrimensor, doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP (EPUSP) e diretor da Geovector Engenharia Geomática. Atua na área de posicionamento por satélites e regularização fundiária desde 1989
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