Brasil e Colômbia realizaram, em 10 e 11 de outubro, na cidade colombiana de Letícia, na fronteira com o Brasil, uma reunião binacional onde os dois países apresentaram o projeto de cartografia cultural que vêm desenvolvendo desde 2009, para identificar e mapear locais considerados sagrados pelos indígenas da região e contribuir para a sua salvaguarda.

Do lado brasileiro, estiveram presentes representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/MinC), do ISA e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), instituições empenhadas na construção e execução do projeto. Do lado colombiano, participaram representantes Ministério da Cultura da Colômbia, Parques Nacionales Naturales (órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente), Patrimônio Natural, Fundación Gaia Amazonas, Fundación Tropenbos e Acaipil (Asociación de Autoridades Tradicionales Indígenas del río Pirá Paraná).

Brasil e Colômbia debatem sobre cartografia cultural
Em Leticia, debate sobre mapeamento e preservação de lugares sagrados. Fonte: Instituto Socioambiental

O primeiro dia de reunião foi dedicado à apresentação e discussão dos projetos nacionais de Cartografia Cultural que estão em curso nos dois países. O objetivo foi compartilhar as experiências de cada lado da fronteira, identificando os avanços já obtidos e as dificuldades encontradas. Entre os temas tratados, foi dado destaque à questão da valorização e proteção dos sítios sagrados e dos sistemas de conhecimento a eles associados, que se baseiam em uma noção de território, que em muitos aspectos difere do modo como é entendido pelo Estado e a sociedade envolvente.

Para os povos indígenas, esse imenso território transfronteiriço constitui-se na verdade em um espaço contínuo, culturalmente compartilhado por grupos que vivem em ambos os lados da fronteira e cujas histórias estão gravadas na paisagem, como em geral a história dos brancos encontra-se gravada nos livros. Cachoeiras, pedrais, morros, serras, estirões, muitos destes lugares que para os não indígenas são simplesmente belas paisagens ou locais ricos em recursos a serem explorados, constituem para os indígenas lugares de alto valor cultural e espiritual, na medida em que guardam ainda a memória e os poderes criativos dos tempos de origem do mundo e da humanidade.

Proteção e preservação de lugares sagrados

Estes locais, fontes de poderes que os xamãs manejam em suas práticas de cura e proteção, e que por uma necessária tradução intercultural vêm sendo chamados de lugares sagrados, encontram-se associados à uma série de regras de comportamento que é preciso observar e respeitar, caso se deseje manter a boa saúde das pessoas e o equilíbrio nas relações dos humanos com os outros seres que povoam o mundo. Nesse sentido, respeitar e preservar estes lugares é, na visão indígena, condição necessária para a manutenção da vida, da cultura e da própria natureza.

Tendo como pano de fundo esta questão mais ampla, as preocupações e dilemas que surgiram no decorrer dos dois dias de reuniões apontaram para duas questões centrais.

Em primeiro lugar, como fazer para criar mecanismos que garantam a proteção e a preservação desse inestimável patrimônio cultural e natural dos povos indígenas do noroeste amazônico frente às políticas nacionais de desenvolvimento e aos interesses econômicos que recaem sobre o território? Projetos de hidrelétricas, exploração de minério, obras de infraestrutura, são alguns dos exemplos de políticas que concorrem com as iniciativas de proteção ao patrimônio cultural e natural no noroeste amazônico, como também em outras regiões da Amazônia.

Em segundo lugar, como construir uma política de salvaguarda que opere a partir da própria lógica nativa de território, rompendo fronteiras nacionais e reconhecendo usos, ocupações e concepções dinâmicas do espaço? Pois os chamados lugares sagrados não são pontos estáticos e isolados na paisagem, mas são nós numa extensa rede social e cosmológica que integra os grupos, o território, o passado e o presente.

A partir destas questões orientadoras, o último dia de reunião foi dedicado ao estabelecimento de acordos entre as instituições participantes de ambos os países e à definição de um plano de ações conjuntas que visam à construção coletiva e participativa do projeto.

Consulta aos povos indígenas

Um dos pontos ressaltados foi a necessidade de se consultar e envolver o maior número possível de comunidades e grupos indígenas na construção do projeto binacional, aproveitando as experiências de cartografia cultural, mapeamento e salvaguarda de sítios sagrados e de sistemas de conhecimentos tradicionais já desenvolvidas por algumas comunidades e grupos da região – em geral com o apoio de organizações não governamentais, como o ISA no Brasil e Gaia e Etnollano na Colômbia, e de órgãos governamentais ligados aos ministérios da Cultura e do Meio Ambiente.

Outro ponto de comum acordo foi a necessidade de dar uma maior visibilidade ao projeto, a partir da elaboração de peças de comunicação e informativos que traduzam o seu conteúdo para um público mais amplo e para a sociedade em geral.

Fonte: Instituto Socioambiental – ISA


Aproveite a nova promoção e assine a revista MundoGEO! Assinando agora você ganha mais 1 ano e renova só em 2014!