Seminário sobre Veículos Aéreos Não Tripulados em São Paulo reuniu mais de 400 pessoas. Evento recebeu especialistas da Anac, USP e empresas do setor para debater o tema. Comunidade de geotecnologia busca clareza na regulamentação

Por Alexandre Scussel e Eduardo Freitas

Tema da matéria de capa da edição 60 da revista InfoGEO, quando ainda eram uma incógnita, os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs) já são uma realidade no setor de mapeamento, e agora o que se debate não são mais as possibilidades de aplicação, mas sim a qualidade dos produtos gerados, a automatização dos processos e a regulamentação do setor.

Tecnologia que ganha cada vez mais usuários a cada dia, os VANTs podem ser usados para diversas aplicações, desde inteligência e defesa, até a produção de mapas. Os modelos disponíveis atualmente – e também os em desenvolvimento – possuem diferentes características e sensores, e a melhor opção para cada uso ainda é desconhecida do público.

Para atender esta demanda do mercado, principalmente em relação às regras que regem o uso desta tecnologia, o MundoGEO – com o apoio de empresas e instituições do setor de geoinformação – realizou no dia 25 de outubro um seminário sobre VANTs para mapeamento. Com ampla participação da comunidade, o evento aconteceu no Bourbon Convention Ibirapuera, em São Paulo (SP).

Bourbon Convention IbirapueraVoltado para a geração de mapas, o encontro reuniu 412 participantes, sendo 120 presenciais e 292 online, com grande interação do público, que conheceu e discutiu temas relacionados à regulamentação e oportunidades neste mercado, além das características e aplicações dos diversos tipos de VANTs com sensores para produção de informações geoespaciais.

Além das apresentações sobre principais aplicações e opções, entre VANTs de grande, médio e pequeno porte, o público pôde assistir uma apresentação feita por profissionais da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que demonstraram como está a regulamentação brasileira. Lívia Camargos Rodrigues de Oliveira e Ailton José de Oliveira Júnior, especialistas em regulação de aviação civil da Anac, abordaram as normas vigentes para a operação de sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (RPA, na sigla em inglês) no Brasil, incluindo quais tipos de operações podem ser autorizadas, o procedimento para tal e os rumos que a autoridade pretende seguir com relação a este assunto, em curto, médio e longo prazo.

No Brasil, existem três documentos oficialmente emitidos que versam especificamente sobre VANTs. A Circular de Informações Aeronáuticas (AIC) N 21/10, de setembro de 2010, foi publicada pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e tem por finalidade apresentar as informações necessárias para o uso de VANTs no espaço aéreo brasileiro. Pode ser acessada em http://servicos.decea.gov.br/arquivos/publicacoes. Já a Decisão 127, de 29 de novembro de 2011, é uma autorização da Anac para operação aérea de RPA do Departamento de Polícia Federal: www2.anac.gov.br/biblioteca/decisoes/2011. Por sua vez, a Instrução Suplementar (IS) 21-002A, de outubro de 2012, orienta a aplicação da seção 21.191 do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) 21 para emissão de Certificado de Autorização de Voo Experimental (Cave) para RPA de uso experimental (pesquisa e desenvolvimento, treinamento de tripulações e pesquisa de mercado). Estes documentos podem ser baixados em www2.anac.gov.br/biblioteca/IS/2012/IS%2021-002A.pdf e www2.anac.gov.br/biblioteca/resolucao/2011/RBAC21EMD01.pdf.

Na abertura do seminário, Onofre Trindade Junior, Pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) mostrou quais os tipos desenvolvidos atualmente, como esta nova tecnologia pode ser aplicada para cada tipo de uso, além de demonstrar os principais sensores que podem ser embarcados. O público conheceu mais sobre como é feito o desenvolvimento de aeronaves, hardware e software com padrão aeronáutico, estações de controle e monitoramento, sistemas de comunicação, além de informações sobre a estrutura de aeronaves, novos conceitos do setor e principais projetos em desenvolvimento.

Segundo Onofre, há 15 anos o sonho era ver um avião voar sozinho, há 10 era que uma aeronave trouxesse imagens de boa resolução e qualidade para solo e, hoje, o que se quer é que o avião entregue informações prontas. Para ele, fazer uma classificação é difícil, pois as categorias de VANTs dependem de qual o ponto de vista. Por exemplo, sob o ponto de vista funcional, os VANTs poderiam ser classificados como alvo, reconhecimento, combate, logística, pesquisa, etc.. Já quanto ao alcance e altitude, podem ser classificados segundo a tabela a seguir.

Classificação de VANTs segundo altitude e alcance (Fonte: Onofre Trindade Jr.)
Classificação de VANTs segundo altitude e alcance (Fonte: Onofre Trindade Jr.)

 

De acordo com Onofre, o mais importante é o aumento da faixa de configurações e aplicações em relação às aeronaves tripuladas decorrentes da retirada do ser humano de bordo. Somente isto já resulta em: redução do peso máximo de decolagem, de 80 quilos para poucas gramas; economia de espaço, peso e energia pela não necessidade de sistemas e acessórios para preservação da vida humana; e operação em novos ambientes, hostis ao ser humano, como por exemplo em locais com altas doses de radiação. Para Onofre, a classificação mais importante é saber a necessidade do projeto, as características do equipamento e se ele vai cumprir sua missão.

Além dos representantes da USP e Anac, completaram o quadro de palestrantes: Luciano de Oliveira Neris, Diretor de desenvolvimento da AGX; Renato Tovar, Diretor da Avibras; Gabriel Santiago de Melo, Diretor Comercial da Somenge; Wimerson Bazan, Consultor em Aerofotogrametria da Alezi Teodolini; Giovani Amianti, Diretor da XMobots; Luiz Dalbelo, Gerente de Vendas da Santiago & Cintra; Ulf Bogdawa, Diretor da Skydrones; Pedro Donizete Parzzanini, Gerente Comercial da CPE Tecnologia; e Floriano Peixoto, Pesquisador da Unisanta/Albatroz.

Uma das apresentações de destaque foi a de Wimerson, que mostrou detalhes sobre o processamento de um bloco de imagens tomadas por VANT com o software Inpho, da Trimble. No case apresentado, foram aplicadas técnicas fotogramétricas para geração de produtos como, por exemplo, um modelo digital de terreno com alta precisão e acurácia.

Segundo Onofre, as tendências hoje são as Missões Orientadas Sensor Array (Mosa) e Flight Awareness (IFA), recursos que vêm sendo desenvolvidos cujo objetivo é que o avião entregue informações prontas, incluindo a geração automática de mapas temáticos. Algumas missões em desenvolvimento, hoje, são um localizador de disparos, um mapeador temático de pragas e culturas e um de pássaros migratórios, além de um inspetor automático de qualidade de pulverização. Para breve estão previstos um inspetor automático de áreas de preservação ambiental, um mapeador temático para condição de rodovias, entre outras novidades.

Como proceder?

Os especialistas da Anac explicaram como deve ser a liberação para o trabalho com VANTs no Brasil. O primeiro passo é entrar em contato com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), solicitando por escrito uma autorização para exploração do serviço de telecomunicações e de uso de radiofrequências. Este pedido pode ocorrer em paralelo ao requerimento à Anac.

Passos para autorização da Anatel, Anac e Decea (Fonte: Anac)
Passos para autorização da Anatel, Anac e Decea (Fonte: Anac)

Para solicitar uma liberação de operação experimental, deve-se solicitar à Anac um Cave, conforme a IS 21-002A. A operação estará sujeita a limitações operacionais estabelecidas no Cave e no requisito 91.319 do RBHA 91 quanto ao propósito da operação. No caso de uso com fins lucrativos, deve-se solicitar à Agência uma autorização especial de voo e submeter requerimento detalhando as características da operação pretendida e do projeto do RPA, de modo a demonstrar que o nível de segurança do sistema é compatível com os riscos associados à operação. O requerimento será analisado caso a caso pela área técnica da Anac e será apreciado pela Diretoria Colegiada, que deliberará pelo seu deferimento ou não. Por fim, de posse da autorização da Anac, deve-se entrar em contato com o Decea e solicitar a autorização para uso do espaço aéreo.


Mostra de VANTs

O evento contou também com uma exposição de alguns modelos disponíveis no mercado. Além do mapeamento, os VANTs podem ser úteis para resposta a desastres naturais e acidentes, já que possibilitam agilidade não encontrada em aviões e na programação de imageamento por satélites. Eles podem ser usados, ainda, para visualizar em tempo real de movimentação de pessoas em grandes eventos, acompanhar fluxos de veículos, monitorar acontecimentos em áreas de difícil acesso de forma muito rápida, entrar em áreas de risco de favelas para registrar movimentação suspeita, tudo isso online.

Esse tipo de aparelho possui um grande campo de aplicação, podendo ser empregado na detecção de manchas de óleo no oceano, rastreamento e identificação das praias em risco, monitoramento de deslizamentos de terra, mapeamento e estudo de florestas e regiões de interesse ecológico, levantamentos de áreas rurais de aspectos agropecuários, medição da composição do ar e de níveis de poluição, inspeção de grandes estruturas, levantamento de ocupação urbana e prospecção topográfica, mineral e arqueológica.

Exposição de VANTs, realizada em paralelo ao seminário, demonstrou alguns modelos disponíveis no mercado
Exposição de VANTs, realizada em paralelo ao seminário, demonstrou alguns modelos disponíveis no mercado

Do limão uma limonada…

A palestra da Anac no seminário demonstrou que o trabalho no setor de VANTs requer muita responsabilidade, devido ao risco de acidentes. Por outro lado, mostrou que a Agência está atenta aos anseios da comunidade e que está trabalhando para regulamentar este setor, que está em plena expansão no Brasil e no mundo.

Após o dia de intensos debates, pôde-se concluir que os VANTs não somente substituem, mas ampliam a faixa de aplicações e configurações das aeronaves tripuladas. Além disso, sensores cada vez mais sofisticados devem fazer dos VANTs o principal meio de transporte para sensoriamento e, em um futuro próximo, serão o tipo predominante de aeronaves. Mecanismos como o IFA devem levar a segurança de voo a níveis inimagináveis de qualidade.

Em breve, a regulamentação do setor tende a ser mais clara. Segundo a Anac, os próximos passos são:

Curto prazo – divulgação de um roadmap brasileiro de RPAs e criação de um fórum presencial

Médio prazo – desenvolvimento de um regulamento para permitir operações de RPAs com fins lucrativos

Longo prazo – estabelecimento de requisitos para Certificação de tipo, organização de produção e operacional e habilitação de piloto de RPAs

Paulo Carvalho, que participou do seminário, sugeriu lançar um evento somente sobre regulamentação de VANTs. Outro participante, que não se identificou na pesquisa de opinião, sugeriu convidar também a Anatel e o Decea, já que são organizações envolvidas com a regulação do setor.

Missão cumprida

“O evento atingiu os objetivos de esclarecer melhor à comunidade questões importantes sobre a tecnologia envolvida nas operações com VANTs, como o aparelho em si, os sensores e os softwares”, declarou Emerson Zanon Graneman, diretor e publisher do MundoGEO. “Os destaques foram os esclarecimentos quanto a classificação dos aparelhos, a importância do treinamento dos pilotos remotos e as aplicações dos dados coletados pelos VANTs, que vão muito além do mapeamento. Além disso, ficou clara a pressão que o mercado do setor está exercendo, junto às entidades reguladoras das atividades aéreas, para que tanto os aparelhos nacionais e importados, bem como suas operações para fins lucrativos, sejam completamente regulamentadas o mais breve possível”, concluiu.

O segundo seminário sobre VANTs acontecerá em junho de 2013, no Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo, dentro da programação do MundoGEO#Connect LatinAmerica 2013 – Conferência e Feira de Geomática e Soluções Geoespaciais.

De acordo com Lucio Figueiredo Matias, Diretor de Operações da Novaterra, este tipo de evento serve para que as agências reguladoras possam dar uma resposta mais rápida para a sociedade. “A MundoGEO marcou um ‘pontaço’, pois mostrou a capacidade de juntar mais de 400 pessoas ao redor deste assunto, na maioria das vezes tratado entre fabricantes e prestadores de serviços em número bem mais reduzido de pessoas”. Como este é um assunto relativamente novo no Brasil e no mundo, reunir a comunidade para o debate foi essencial. “Este tema é novo e está sendo muito bem abordado. Não me lembro de outro evento deste tipo onde a Anac sentou ao lado de fornecedores e interessados pela tecnologia”, comemorou.

Dentre os desafios apresentados pela Anac no seminário para o setor de VANTs, pode-se destacar a divulgação efetiva da legislação vigente, as dificuldades na fiscalização, a falta de uma cultura aeronáutica nas empresas de mapeamento, a ausência de requisitos para certificação, o atendimento às necessidades e interesses das empresas e, principalmente, a garantia da segurança de voo.

O objetivo final de todos os envolvidos no setor de VANTs é a integração total das aeronaves remotamente pilotadas ao espaço aéreo brasileiro, com segurança e em harmonia com as demais aeronaves tripuladas, gerando riquezas para toda a nação.