Inovação em financiamento de projetos e empreendimentos

Escrevo nesta edição da revista MundoGEO para contar-lhes sobre um projeto que desenvolvi em conjunto com meu colega de Wesley Mendes-Da-Silva da FGV-EAESP, nosso aluno Bruno S. Conte e os pesquisadores Cristina Chaves Gattaz e Luciano Rossoni, o qual envolve a inteligência geográfica em um contexto pouco usual: o crowfunding.

A indústria financeira, em especial as plataformas e mecanismos de investimento, vem sofrendo um momento de reconstrução perante a sociedade. Investimentos tradicionais, de caráter produtivo, passam a conviver cada vez mais com Private Equity e Venture Capital e, mais recentemente, com o crowdfunding, uma das mais relevantes inovações de financiamento que beneficia diferentes tipos de negócio, como agribusiness, projetos sociais, esportivos e de inovação tecnológica e, em especial, a produção cultural.

O crowdfunding significa acessar um ilimitado conjunto de pessoas geograficamente dispersas com a intenção de captar pequenas quantias de dinheiro, com o intuito de financiar um projeto ou um empreendimento. Doação, crédito (com taxa de retorno), recompensa financeira ou até o equity crowdfunding (parcela da empresa financiada) são os modelos atualmente empregados. Crowdfunding é normalmente viabilizado através da internet, pelo emprego da mídia para comunicação social e das redes de colaboração. Plataformas como o Kickstarter, a maior do mundo atualmente, já captou mais de R$ 1,5 bilhão a partir de 5,1 milhões de pessoas, financiando mais de 50 mil projetos criativos. No Brasil, há cerca de 40 plataformas. Catarse é uma das mais proeminentes. Projetos de crowdfunding podem variar expressivamente, segundo seus objetivos e sua magnitude.

E a geografia nessa história toda? A dispersão geográfica é uma das características mais presentes em operações de crowdfunding, em consequência das possibilidades oferecidas pela internet. Um estudo sobre a plataforma holandesa Sellaband, um site para músicos que desejam captar recursos financeiros para o lançamento de álbuns, analisou a distância entre investidor e empreendedor, tendo-se chegado à média de 4.828 quilômetros, maior que a distância os pontos extremos Norte e Sul do Brasil.

Mas será que a distribuição geográfica dos investimentos é diferente conforme o estágio em que se encontram os empreendimentos? Mais ainda, será que existe associação significante entre a distância geográfica entre empreendedor e investidor e o valor dos investimentos em crowdfunding? É aí que a inteligência geográfica se insere.

Especula-se que empreendimentos em estágios iniciais tendem a exigir mais informações e os investidores passam a monitorar o progresso e, ainda, participar das decisões acerca da condução do negócio. Essas atividades ocasionam custos, os quais são sensíveis à distância investidor-empreendedor. Por outro lado, o surgimento de plataformas online de crowdfunding proporcionou um ferramental que possibilita a aproximação entre o investidor e o empreendedor, compartilhando informações com maior transparência no orçamento dos projetos e o devido detalhamento da destinação dos recursos captados, diminuindo, literalmente, a “distância” entre eles.

Para analisar essas questões ligadas à Geografia, uma amostra de 10 projetos de investimentos, específicos no primeiro álbum de músicos, disponíveis na plataforma Catarse foram analisados. Foram disponibilizadas a cidade do investidor e a cidade do empreendedor investido (dados mais detalhados de localização ficarão para futuras análises, mais locais). Dados socioeconômicos dos municípios foram agregados, a partir do Censo Demográfico 2010 do IBGE. No total, 1.835 operações de investimento compuseram essa amostra.

As figuras a seguir ilustram a distribuição geográfica de investimento de um e de todos os projetos.

Os dez projetos da amostra são baseados em seis cidades diferentes: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Itapema (SC) e Niterói (RJ). Apoios foram advindos de 151 municípios brasileiros e de duas cidades estrangeiras não incluídas na análise. A distância média dos apoios foi de pouco mais de 236 quilômetros.

Pudemos notar duas coisas: apesar da suposta diminuição de barreiras que a internet proporciona ao crowdfunding, a maioria dos investimentos (56%) está localizada a até 5 quilômetros do local do empreendedor. E, além disso, os investimentos locais também são, em média, superiores aos mais distantes, sugerindo que quanto menor a distância em relação ao empreendedor, maior a propensão a investir maiores quantias, que indica uma associação negativa com o valor monetário do apoio: quanto mais distante, menor o valor do apoio.

Estes dados sugerem que no Brasil, contrariando evidências encontradas no mercado europeu de crowdfunding, o financiamento que suporta projetos de artistas em início de carreira parece ser predominantemente oriundo de sua rede de contatos mais próximos. A própria plataforma Catarse, em sua página na internet, reafirma que pelo menos 50% dos recursos financeiros que suportam os projetos vem da própria rede de contatos do empreendedor.

Modelos de regressão foram utilizados para prever o valor do investimento a partir da distância “investidor-empreendedor”, dias após iniciado o período de fundraising, e dados do município originador do investimento (PIB per capita, IDH, percentagem de alfabetizados e área). Apesar dos relativamente baixos valores de explicação dos modelos, todas essas variáveis se mostraram significantes, à exceção do PIB per capita, que mostrou praticamente nenhum efeito na previsão, ou seja, a riqueza produzida no município originador parece não guardar influência sobre a disposição dos investidores.

A relação entre a percentagem de alfabetizados e valor investido mostrou-se contra-intuitiva. Quanto maior a parcela de habitantes que se reportam como alfabetizados, menores tendem a ser os aportes de capital. Com relação ao período de fundraising, conforme aumenta o tempo acumulado do projeto hospedado, maior a propensão dos investidores em aportar maiores somas de capital, o que parece indicar aumento gradativo na confiança em investir. E, por fim, a constatação do que a exploração inicial havia mostrado: quanto mais distante encontra-se o investidor, menor sua disposição em investir maiores somas no projeto.

O espaço geográfico afeta as relações econômicas em nossa sociedade, mais do que nossa vaga percepção consegue captar, mesmo em um ambiente de colaboração em rede intermediado pela internet.

Será que essa influência não percebida da distância no investimento em crowdfunding tem o mesmo comportamento para o mercado de Private Equity e Venture Capital? O que se fala é que as oportunidades surgem conforme se avizinham e se aproximam investidores de investidos, e que também os representantes de fundos de investimento preferem investir em empresas localizadas a no máximo “um voo comercial de ida e volta em um mesmo dia”, para poderem acordar e dormir em casa quase sempre. Práticas de mercado com influência geográfica. Mas isso é papo para uma próxima conversa.
Eduardo de Rezende Francisco

PhD em Administração de Empresas pela FGV-EAESP, Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence, Pesquisas de  Mercado e Satisfação de Clientes. É professor de Métodos Quantitativos, Analytics e Big Data na FGV-EAESP e de Sistemas de Informação na ESPM, Consultor  em Geomarketing, Estatística Espacial e Microcrédito e sócio fundador do GisBI e do Meia Bandeirada

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