Mapeamento comercial a bordo de aeronaves não tripuladas

Não. Definitivamente não! Ultimamente tenho justificado esta resposta diversas vezes. Numa das últimas feiras em que estive, ao comentar essa resposta com um amigo, fui questionado porque os “fotogrametristas” e as empresas de aerolevantamento pouco têm se pronunciado publicamente a respeito dos VANTs. Após este momento decidi que deveria redigir algo sobre o assunto. Antes preciso esclarecer que, embora usual, a pergunta-título deste artigo está propositalmente mal formulada, pois VANT é o veículo e Fotogrametria é a técnica utilizada, portanto, não há como um ameaçar o outro. Talvez chamasse menos atenção, mas, tecnicamente, o melhor título seria: “A Fotogrametria obtida com o uso do VANT é uma ameaça à Fotogrametria Tradicional?” Neste caso, minha resposta ainda seria: não, ou melhor, não ainda!

O mapeamento que se tem feito com VANT nada mais é que a pura fotogrametria – seja ela de médio, pequeno ou, mais frequente ainda, a de “micro” ou muito pequeno formato. O que estamos presenciando nada mais é que a evolução tecnológica associada à miniaturização. A aerofotogrametria continua muito ativa e presente no palco das discussões desde o início do século 19, quando ela surgiu. Nestes quase duzentos anos de existência ela vem constantemente sendo posta à prova e, em todas estas vezes, tem se mostrado a melhor ferramenta de mapeamento já inventada. A fotogrametria teve seu primeiro grande impulso quando foi instalada a bordo de balões e, desde então, vem sendo utilizada em diversas e distintas plataformas: aeronaves, satélites, submarinos, veículos espaciais e terrestres, entre outros. A palestra de abertura da 54ª Semana Fotogramétrica, na Alemanha em setembro de 2013, foi proferida pela Mercedes-Benz. Dois de seus mais sofisticados modelos de automóveis já possuem fotogrametria embarcada, e é uma importante aliada à direção assistida, aumentando muito a segurança ao dirigir. Agora, está chegando a vez de a fotogrametria estar “comercialmente” a bordo de aeronaves não tripuladas.

Drone, ROA, RPA, UAS, UAV, UVS, VARP e outras siglas têm sido usadas como sinônimos de VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado. A sigla RPAS, do inglês Remotely Piloted Aircraft Systems, atualmente tem sido a preferida pela comunidade. No português a sigla permanece, mas sua leitura é Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas. Assim como a aerofotogrametria, os RPAS curiosamente também existem há muito tempo. Sua existência está registrada na história da aviação desde a segunda década do século passado; entretanto, até então, os RPAS tiveram pouca utilização e em nichos muito específicos. Devido ao estágio de evolução e popularização, neste momento eles estão causando uma revolução na indústria aeronáutica. Existem hoje muitos RPAS à disposição; variam em forma, tipo e tamanho. Quanto ao peso, podem variar de alguns gramas até várias toneladas e com diferentes capacidades de carga – conhecida como payload. O custo pode variar de algumas dezenas até milhões de dólares. O rol de aplicações é também muito extenso. No âmbito da fotogrametria ou mapeamento, a grande maioria dos RPAS utilizados possui payload que varia de meio quilo a não mais que quarenta quilos, sejam eles de asas fixas (o mais comum), rotativas, ou de outros tipos.

Dois RPAS de uso militar, um de 15 gramas (Prox Dynamics) e outro de 15 toneladas (Northrop Grumman)

Desde que surgiram, as câmaras aéreas vêm sendo constantemente aprimoradas. Hoje o estado-da-arte em sensores aerofotogramétricos é representado pelos de grande formato como o ADS, DMC e UltraCam, que contam com inúmeros recursos tecnológicos, mas pesam muito mais de cem quilos e têm necessidade de energia superior a cinquenta amperes, suficiente para alimentar uma residência de 150 metros quadrados. Os RPAS com este payload e esta capacidade de geração de energia têm hoje um custo extremamente elevado, e levará ainda algum tempo para que tenham preços competitivos quando comparados com as aeronaves atualmente utilizadas nas aplicações fotogramétricas de grande porte. Entretanto, não existe nenhuma restrição tecnológica para que os melhores sensores aerofotogramétricos – os de grande formato – sejam operados em plataformas aéreas remotamente pilotadas. Sua pouca ou quase nula utilização é principalmente por fatores econômicos e pelos grandes riscos ainda envolvidos nestas operações.

RPAS Swiss Drones com payload de 35 kg e sensor Leica RCD30 de médio formato/RPAS Simepar / Esteio com payload de 2 kg e sensor de pequeno formato

Assim como o Google, que vem dando sua enorme contribuição, os RPAS também estão popularizando e deixando a fotogrametria ainda mais conhecida e acessível, muito embora não sejam todos que associem, ou mesmo saibam, que por trás de todo RPAS de mapeamento fotográfico está a fotogrametria, ainda que miniaturizada. Já é possível adquirir um pequeno RPAS “fotogramétrico” pela Internet e com entrega domiciliar. Alguns acreditam que, em um futuro não muito distante, essa entrega também será feita por um RPAS. Esses pequenos sistemas possuem muita tecnologia embarcada, tal como GPS, rádio, sistema inercial, câmara digital, controle por smartphone, etc..

Mesmo no caso de sistemas mais específicos, a miniaturização e consequente simplificação dos sensores e periféricos, para que possam estar embarcados em um RPA, fazem o usuário do mapeamento com RPAS ter de conviver com problemas há muito tempo esquecidos pelos fotogrametristas. Entre eles são comuns: grande distorção radial, deformações provocadas pelo relevo, excessivo número de modelos estereoscópicos e pontos de controle, baixa resolução radiométrica, etc. Os RPAS, além de atualmente caros e frágeis, possuem vida útil muito curta quando comparada às aeronaves tripuladas em uso. Eles possuem como limite seguro um baixo número de pousos e decolagens – este número é especificado pelo fabricante e é quase sempre inferior a duzentos. Além dessas restrições aos pequenos RPAS, existe ainda o curto alcance do controle à aeronave, incertezas e possíveis restrições na futura regulamentação, e a grande dificuldade em se fazer seguro contra perdas e danos para a aeronave e os equipamentos embarcados. Raros são os envolvidos com o tema que nunca tiveram conhecimento ou experiência com quedas e acidentes envolvendo os RPAS. Isso tudo explica porque os “tradicionais” fotogrametristas não são todos muitos simpáticos ou receptivos a esta ideia.

Pode-se dizer, com segurança, que o mapeamento realizado com o emprego de sensores de “micro” formato será quase sempre inferior em qualidade e precisão ao realizado por sensores de pequeno formato e, este, inferior ao de médio formato e, ainda, inferior ao realizado com o emprego de sensores de grande formato. Precisão e qualidade dependem do sensor e da técnica empregada e não do fato deste sensor estar embarcado numa tripulada ou não tripulada aeronave. Alguns potenciais usuários do mapeamento com RPAS se mostraram decepcionados com os resultados obtidos. Os principais motivos foram a pouca experiência em fotogrametria dos executantes; e a grande, ou por vezes descabida, expectativa gerada pela própria indústria, mercado e imprensa. Não há como comparar o produto obtido por um sensor digital de grande formato, desenvolvido especificamente para mapeamento aerofotogramétrico e custo superior a um milhão de dólares, com o produto obtido por uma câmara fotográfica digital comum ou genérica que custa somente algumas dezenas de dólares. Resguardando as devidas proporções, é como comparar um Rolls-Royce ao bom e velho Fusca: ambos são carros e possuem quatro rodas, mas, além disso, poucas coisas a mais têm em comum.

A UVS International tem publicado anualmente o RPAS Global Perspective. Na atual edição, a 2013/14, a publicação apresenta um quadro com cerca de 1500 modelos de RPAS em produção ou em desenvolvimento. Os Estados Unidos detêm a liderança com o expressivo número de 374 unidades, seguidos pela Rússia com 106 e depois Israel com 96 distintos modelos. O Brasil figura em vigésimo primeiro lugar neste rank de 54 países, com 16 exemplares. No quesito segurança e regulamentação, tudo que os líderes fizerem deverá ser, por princípio, seguido ou considerado pelos demais países. O Federal Aviation Administration (FAA) tem-se mostrado muito cauteloso e prudente na regulamentação desta atividade no espaço aéreo americano. A convivência entre aeronaves pilotadas e remotamente pilotadas no espaço aéreo está a caminho de ser regulamentada. Para o FAA a aviação é uma indústria global e, por isso, nenhuma nação deveria agir de forma totalmente independente. Também afirma que, no futuro, certamente aeronaves tripuladas e não tripuladas irão compartilhar o “mesmo” espaço aéreo. O Brasil também vem trabalhando seriamente nesta regulamentação. Acredito que somente quando os RPAS forem igualmente ou mais seguros que as aeronaves tripuladas, ou quando não ameaçarem a segurança de pessoas ou outras aeronaves, é que a convivência entre ambos será totalmente harmônica e pacífica.

Inúmeras são as aplicações para os RPAS, sejam elas militares ou civis, de segurança, policiamento, monitoramento, vigilância, transporte, observação, patrulha, agricultura, controle e combate a incêndios, busca e resgate, mapeamento, entre muitas outras. O uso comercial dos RPAS para mapeamento de alta precisão representa uma minúscula fatia deste universo de atividades e, com certeza, não é a mais nobre das suas aplicações. Considero nobres aquelas aplicações onde o uso dos RPAS, em substituição às aeronaves tripuladas, possa trazer menos riscos aos tripulantes, e cujo resultado técnico, financeiro e operacional seja igual ou até mesmo melhor. Acompanhamento de obras, aplicação de defensivos agrícolas, combate a incêndios, controles visuais repetitivos, inspeções de grandes estruturas e voos de reconhecimento são alguns exemplos do que considero hoje nobres aplicações. A fotogrametria realizada pelos atuais RPAS, quando estiver totalmente regulamentada, terá sim seu lugar no mercado e também alguma superposição com os pequenos levantamentos aerofotogramétricos, topográficos e até os satelitais; entretanto, não pode nem deve ser encarada como ameaça à fotogrametria tradicional ou de grande porte, e sim complementar, porém, como tudo, em constante evolução.

Distorção Radial em imagem obtida pela Esteio com RPAS e câmara de pequeno formato em linha de transmissão da Cemig

A lei de Amara diz que “tendemos a superestimar o efeito de uma nova tecnologia em curto prazo e a subestimar o seu efeito em longo prazo”. No mundo dos RPAS esta lei parece ser bem apropriada. É gigantesca a perspectiva de mercado para os RPAS. O desenvolvimento e a evolução de sensores fotogramétricos específicos para este tipo de aeronave trará importantes benefícios também à fotogrametria de maior porte. É extremamente difícil prever quando ou se, de fato, os RPAS irão substituir as aeronaves pilotadas nas operações fotogramétricas de médio e grande porte; entretanto, essa é a tendência. Resta aos entusiastas e fotogrametristas, simpatizantes ou não, acompanharem e aguardarem o desenrolar desta deslumbrante e maravilhosa revolução.

Valther Xavier Aguiar

Engenheiro cartógrafo, diretor técnico da empresa Esteio Engenharia e Aerolevantamentos S.A. e vice-presidente da ANEA – Associação Nacional das Empresas de Aerolevantamento

valther@esteio.com.br