Uma comunidade de governos e não somente de pessoas

No início de 2015 é provável que o OpenStreetMap (OSM) alcance a marca de dois milhões de colaboradores registrados. Quem poderia pensar que, com um número tão expressivo, o OpenStreetMap seja uma comunidade de pessoas físicas exclusivamente, mas que empresas e particularmente governos se envolvem e participam ativamente desta comunidade? Por que isso acontece?

A primeira motivação dos governos é aproveitar o resultado, já que, de fato, a comunidade de “formiguinhas” tem produzido, em várias regiões do mundo, dados de uma precisão não alcançada por outros. A segunda motivação é cultural. Governos e administrações são organizações verticais com forte DNA hierárquico. Para uma entidade de governo produzir um mapa, existem dois caminhos naturais: ou se investe milhões de reais para produzir um mapa, ou se vota uma lei que exige que, por exemplo, estados ou municípios forneçam seus mapas. Mas estes dois caminhos são difíceis e longos. O segundo, mesmo com o apoio de uma lei, vai também exigir da entidade de governo muito esforço, muita tecnologia para lidar com todos estes interlocutores que são os municípios e estados. Estas relações “horizontais” parecem com as que existem numa comunidade como o OSM. Neste sentido, a cultura colaborativa e sua tecnologia são muito úteis para governos que, naturalmente, não são muito bem preparados para este tipo de interação. Listo, assim, as principais vantagens oferecidas pelo OpenStreetMap para governos:

• Arquitetura moderna, flexibilidade e custo baixo: O OSM tem uma arquitetura de dados desenhada para que diversos atores possam colaborar com o mínimo de esforço possível. Diferentemente dos bancos de dados tradicionais de GIS, ele utiliza apenas uma camada e diferencia os dados usando etiquetas (tags). Desta maneira, feições geográficas não são duplicadas. Por exemplo, um rio que é também uma fronteira entre estados aparecerá em duas camadas num software de GIS tradicional, enquanto aparecerá uma só vez no OpenStreetMap, com duas etiquetas (Rio e Fronteira).
• Comunicação universal e ampla: No âmbito da lei de acesso à informação, governos devem disponibilizar para a sociedade as bases cartográficas geradas. Porém, para verdadeiramente comunicar essa base cartográfica e estes dados para a sociedade, é necessário que eles sejam colocados no OpenStreetMap em razão da sua audiência universal e mundial. Por exemplo, se uma empresa estrangeira estiver interessada em investir em infraestrutura no Brasil e necessitar de bases cartográficas para suas primeiras simulações, dificilmente ela conhecerá o site do IBGE ou de outro órgão, mas sim o OpenStreetMap, e saberá que pode baixar o dado e utilizá-lo a vontade em suas soluções.

• Interoperabilidade em nível global: Hoje, quando um novo loteamento ou bairro é formado, cada ator (correio, concessionárias de água, gás, eletricidade) acaba criando o seu mapa do local a custos elevados, porque nem sempre é possível obter este dado da prefeitura. O lógico deveria ser que cada ator, ao se deparar com uma área para a qual não tem mapa, verifique a existência do dado no OpenStreetMap. E, se estiver disponível, fazer o download e utilizá-lo nos seus sistemas cartográficos. Se não estiver, ele deveria ser capaz de gerar o dado e carregá-lo no OpenStreetMap, ajudando assim todos os outros atores.

Por esta razão, no evento State of The map 2014, que aconteceu em Buenos Aires em Novembro, foram apresentadas iniciativas relevantes de governos que escolheram o OpenStreetMap para ajudar a alcançar seus objetivos. Na França, em particular, após o OSM obter da DGFIP o banco de dados de endereços da receita federal francesa, esta base se tornou uma referência que motivou dois outros órgãos do governo: ETALAB e IGN a convidar o OpenStreetMap a ajudá-los a coordenar um banco único de endereços do país. Creio que este exemplo vá inspirar muitos outros países.

Thierry Jean 
Francês, no brasil há 23 anos. Administrador de Empresas formado na França e na Inglaterra (NEOMA & Middlesex Business School), atua na indústria de GIS e de navegação GPS há 11 anos. Hoje é Country Manager da Telenav do Brasil e ativo colaborador da Comunidade OpenStreetMap
thierry@openstreetmap.com.br