Por Emanuel Prado Caires Santos e Danilo Heitor Caires Tinoco Bisneto Melo
Com o amplo uso do software de Sistema de Informação Geográfica (SIG) para a tomada de decisão e análise da informação geográfica, uma etapa de extrema importância é o processo de georreferenciamento, o qual implica na qualidade da análise e na qualidade cartográfica.
Com os avanços tecnocientíficos a execução deste processamento tornou-se rotineiras e, muitas vezes, realizada de modo mecânico, induzindo a desatenção no ato de execução. Por isto, considera-se imprudente aceitar seu resultado de modo acrítico.
O QGIS é um software de SIG desenvolvido de maneira colaborativa e de código aberto, ou seja, distribuído livremente, o que o torna uma excelente ferramenta para o processamento e análise da informação geográfica. Sendo um projeto conduzido pela Open Source Geospatial Foundation (OSGeo) e licenciado segundo a Licença Pública Geral GNU.
Este trabalho tem como objetivo explicar o processo de georreferenciamento de um documento cartográfico no QGIS, versão 2.10.1 (OSGEO, 2015), sendo executada de maneira sucinta e descritiva, demonstrando passo a passo sua execução. O processo de georreferenciamento segue o método de retificação, que corresponde a transformação do um sistema de coordenadas de referência para um Sistema de Referência Terrestre (Melo, 2014a).
Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizada a Carta Topográfica SD-23-X-B-IV, referente à Folha Ibitiara, na escala 1:100.000 (IBGE, 1967). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibiliza duas versões digitais desta Carta Topográfica, localizadas na Mapoteca Digital do IBGE, sendo elas:
Um único arquivo, em cores, no formato JPG (ou JPEG, acrônimo de Joint Photographics Experts Group1), colorida e sem passar por nenhum processo de georreferenciamento (IBGE, 1967);
Diversos arquivos, em monocolor, no formato TIFF (acrônimo de Tagged Image File Format), denominados de Fotolitos e passaram por um processo de georreferenciamento, armazenados conforme normas da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE), adotada pelo Conselho Nacional de Cartografia (CONCAR, 2009). Sobre localização dos Fotolitos no sítio eletrônico do IBGE, suas características básicas, a obra de Melo, et al. (2014a) esclarece de modo sucinto o leitor.
Neste trabalho foi utilizado a primeira versão. Durante o processo da informação geográfica num software de SIG são utilizados inúmeros arquivos, de diferentes tipos e formatos, como vetorial (DXF, DGN, SHP), matricial (TIF, JPG, IMG); por isso, aconselha-se criar uma pasta no computador, por exemplo Georreferenciamento QGIS, para o desenvolvimento desta atividade. Nesta pasta serão inseridos os arquivos obtidos do IBGE, os pontos de controle e os arquivos gerados destes processos.
O PROCESSAMENTO
Ao iniciar o software, depara-se com a seguinte interface (Figura 1).
Como o processo de georreferenciamento envolve um arquivo raster, portanto, esta ferramenta é acessada em: Raster>Georreferenciador>Georeferenciar, como ilustrado na Figura 2.
Esta seleção habilita a janela Georreferenciador, com algumas características demonstradas na Figura 03.
Muitas das funções do Georreferenciamento podem ser acessadas pelo Menu Principal ou pela Barra de Ícones Principais. Para saber o nome de cada ícone desta Barra, basta deixar o cursor do mouse no mínimo 5 segundos em cima de um ícone desejado, que aparece uma mensagem com o seu nome. A tabela 01 apresenta o nome e a principal função, a sua localização no Menu Principal e o atalho de cada um dos ícones.
Para abrir um arquivo matricial, selecione ícone Open Raster e, logo, abre-se a janela Abrir Raster (típica janela de localização e seleção de arquivos no windows) para selecionar o arquivo a ser georreferenciado.
Realizado a seleção do arquivo, cinge em OK. Em seguida, aparece a janela Seletor de Sistema de Referência de Coordenadas, como apresentado na Figura 4.
Neste projeto, o Sistema de Coordenadas de Referência (SRC) utilizado refere-se ao mesmo da Folha Ibitiara, com sistema de projeção UTM, Zona 23 Sul, datum horizontal Córrego Alegre, confeccionada pelo IBGE (1967). A seleção é feita de duas formas: digitando o seu nome em Filtro, ou buscando o SRC em Sistema de referência de Coordenadas do word.
Para auxiliar os usuários e desenvolvedores deste tipo de software, as informações intrínsecas dos diversos Sistemas de Referências Terrestres (SRT) foram sistematizadas em códigos e disponibilizadas pela internet. Este processo conta com a ajuda de instituições que atuam na área da geodésia e cartografia, como a European Petroleum Survey Group (EPSG1), o International Astronomical Union (IAU), Japan Geodetic Datum (JGD). O Córrego Alegre possui o código EPSG 4225.
Ao selecionar o sistema, observe que na parte de baixo aparece informações destes SRT em código novamente, como demonstrado na Figura 5. Neste caso, este código corresponde ao acesso a biblioteca de ações e funções para transformação destes SRT, denominada de Proj4js2.
Agora, cinge em Ok para adicionar a Carta Topográfica na área de visualização. Ao passar com o cursor sobre a Carta, note que as Coordenadas que aparecem no canto inferior da tela correspondem as coordenadas da Carta. O próximo passo reporta seleção da transformação de coordenadas, utilizando Pontos de Controle Terrestre (GCP acrônimo do inglês Ground Control Point). Por se trata de uma Carta Topográfica, onde as informações geográficas já passaram por um processo cartográfico, além de apresentar bom estado de conservação, emprega-se o polinômio de 1º grau (D’ALGE, 2013). Neste caso, a quantidade mínima de PC para executar a interpolação espacial são 3. No entanto, como as coordenadas dos PC estão sujeitas a erros, convém inserir mais um PC, bem distribuídos.
Portanto, os 4 PC serão obtidos das interseções das Coordenadas Geográficas, localizadas nas extremidades da Carta, conforme demonstrado na Figura 6.
Antes de iniciar a locação dos PC, amplie a imagem de forma que consiga visualizar com precisão a interseção das coordenadas. Isto é importante, pois implica na precisão e exatidão dos PC. Para ampliar, reduzir ou mostrar imagem como um todo, pode ser utilizado ícones da ferramenta de visualização, descritos no Quadro 1.
Seleção dos Pontos de Controle
O princípio básico do Ponto de Controle (PC) consiste em atribuir um Sistema de Referência Terrestre (SRT) de um alvo no arquivo a ser georreferenciado (MELO, 2014b). Para adicionar PC no arquivo, cinge no ícone Add Point. Observe que o símbolo do cursor foi alterado para uma cruzeta (+), cuja interseção reporta a ponta do cursor. Para adicionar o PC, basta apertar o botão esquerdo do mouse, e logo, abre-se a janela de Entrada de Coordenadas, como ilustrado na Figura 7.
Nesta janela são inseridas as coordenadas dos PC. Atente para o formato dos valores (X/East, Y/North), as Coordenadas Geográficas sexagesimais (GGºMM’SS”), deve deixar um espaço em branco entre graus, minutos e segundos. Já as Coordenadas Geográficas Decimais (GG.GG) ou Coordenadas Projetadas (mmmm.mmm) não necessitam deste espaço. Importante ressaltar que todos os PC devem possuir o mesmo Sistema de Coordenadas e a mesma unidade de medidas.
No caso das Coordenadas Geográficas, deve informar a sua posição no Globo. Ou seja, em que hemisfério está situado, Norte ou Sul e Leste ou Oeste, empregando a convenção internacional: sinal de mais (+) para indicar o Hemisfério Norte e a Latitude Leste; e sinal de menos (-) para indicar Hemisfério Sul e a Latitude Oeste. Por acordo, o sinal de mais (+) não precisa ser inserido. Como exemplo, a Figura 8 mostra a inserção das Coordenadas.
A opção Ajustar pelas camadas que estão no fundo refere-se ao ajuste do erro de Deslocamento, Residual e Médio a cada locação de PC.
Outra forma de adquirir PC é realizada com base no Sistema de Coordenadas de arquivos inseridos no QGIS. Para isto, basta clicar no ícone A partir do mapa na tela, e identificar pontos homólogos, ou seja, pontos que são reconhecidos tanto no arquivo a ser georreferenciado como nos arquivos visualizados no QGIS. Nesta situação, pode-se conectar o georreferenciador com o QGIS e vice-versa, possibilitando que o usuário possa visualizar a mesma área.
Preenchido os campos, cinge em Ok. No local onde foi marcado o PC aparece um ponto na cor vermelha e na Tabela GPC aparece as informações sobre este ponto, conforme demonstrado na Figura 9.
A tabela GCP contém as informações das Coordenadas de Entrada (Source X e Source Y), das Coordenadas de Destino (Dest. X, Dest. Y), o erro de deslocamento (dX (pixels), dY (pixels) e o erro Residual (pixels). Há a possibilidade de visualizar ou não o PC, ou seja, de adicionar o PC de controle ao processo de georreferenciamento. Há duas observações importantes:
As Coordenadas de Destino, que correspondem as informações inseridas na janela Entrada de Coordenadas, foram convertidas para graus decimais.
Os valores do erro de deslocamento e o Residual estão em branco. Estas informações serão processadas após a inserção de um número mínimo de PC, conforme o tipo de transformação e após executar a configuração de transformação, descrita adiante.
Para apagar ou mover o PC, utilize os ícones Delete Point e Move GCP Point, respectivamente. Repita este processo nos outros 3 PC, conforme marcados na Figura 6.
Transformação das Coordenadas
Após a obtenção dos PC, na janela Georreferenciador, selecione o ícone Transformation Settings.
Isto habilita a janela de Configuração de Transformação que possui três conjuntos de ajustes, sendo eles (Figura 10):
1. Parâmetros de Transformação: informar o tipo de transformação1 (Linear, Helmert, Polinomial 1, entre outras); o método de Reamostragem (vizinho mais próximo, interpolação linear e convolução cúbica e outros); e o Sistema de Referência Espacial Spacial Reference System – SRS) de destino;
2. Configurações do arquivo de saída: especificar o local e o nome do arquivo de saída. A única extensão do arquivo de saída e o GEOTIFF2 (padrão de metadados de domínio público, que possibilita armazenar informações de um SRT em um arquivo TIFF. Há a opção de comprimir o arquivo, sem perda de qualidade, e ajustar a resolução espacial;
3. Relatório: salvar o arquivo na forma de um mapa e relatório, no formato PDF. O primeiro arquivo demonstra no mapa o deslocamento dos PC; o outro mostra o deslocamento dos pontos, num gráfico e um relatório dos PC, contendo as informações expressas na Tabela GCP.
Existe a opção de inserir o arquivo no QGIS após a sua conclusão. Feito isto, clique em OK.
Na janela Georreferenciador, observe na Tabela GCP, que as informações nos campos de Deslocamento (X, Y) e Residual foram preenchidas, como apresentado na Figura 11.
O erro médio está localizado no canto inferior direto da Tabela GCP, como mostra a Figura 12. No QGIS o valor do erro é expresso em pixel. Neste caso, como o pixel é de 1 por 1 m, portanto, o erro médio é de 2.93885 m. Este valor está em conformidade com os critérios de aceitação estabelecidos no Decreto nº 89.817, publicado no dia 20 de junho de 1984, que firma o Padrão de Exatidão Cartográfica – PEC (BRASIL, 1984), para Carta Topográfica na escala 1:100.000.
Para análises estatísticas e aferições dos PC é fundamental que sejam salvos, pois eles não acompanham o arquivo georreferenciado. Para isto, cinge no ícone Save GCP Points as.
O próximo passo reporta a execução do processo de georreferenciamento, cingindo em Start Georeferencing. Aguarde até que o processo seja concluído, como apresentado na Figura 13.
Com a Folha Ibitiara pode ser adicionada ao Banco de Dados Geográfico no QGIS. Todavia, como suas medidas estão em Graus, o que inviabiliza a extração de medidas métricas. Para este fim, faz-se necessário efetuar o georreferenciamento no Sistema Projetado de Coordenadas (SPC), e para que as medidas sejam as mais precisas e exatas possíveis, recomenda-se obter uma grande quantidade de PC. Por isto, procura-se obter todos os PC identificáveis no SPC existem na Folha, como demonstrado na figura 14.
O procedimento de locação dos PC para o SPC ocorre do mesmo modo apresentado para o Sistema de Coordenadas Geográficas, alterando apenas a informação da Coordenada na janela Seletor de Sistemas de Coordenadas de Referência, escolhendo Córrego Alegre / UTM zone 23S; e na digitação dos valores a serem inseridos na janela Entrada de Coordenadas. Portanto, o modo de locação do PC independe do tipo de Sistema de Coordenadas Cartográficas de saída.
O resultado do Erro médio foi de 0.934711, compatível com o erro máximo aceitável para esta escala, conforme Decreto nº 89.817, de junho de 1984 (Brasil, 1984).
CONCLUSÃO
O georreferenciamento de Carta Topográfica a princípio parece ser uma questão fácil de ser resolvida, de modo rotineiro e mecânico, tendo apenas o trabalho de cingir alguns ícones e de capturar e selecionar Pontos de Controle. Todavia, este trabalho mostra o contrário, que os procedimentos envolvidos no georreferenciamento necessita ter um conhecimento sobre o dado a ser georreferenciado, além do conhecimento prévio sobre arquivo matricial e de Cartografia. Por conseguinte, a baixa qualidade na coleta do PC pode passar despercebida, devido a ineficiência na quantidade e distribuição do mesmo. Por ser uma das etapas iniciais no processamento de dados espaciais é importante que esta etapa seja bem-sucedida, pois um pequeno erro ou imprecisão, compromete os processos.
REFERÊNCIA
BRASIL. Decreto nº 89.817 de 20 de junho de 1984. Estabelece as Instruções Reguladoras das Normas Técnicas da Cartografia Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, D.F., 22 jun. 1984, Seção 1, p 4. Disponível em: Acesso em: 21 out. 2013.
CONSELHO NACIONAL DE CARTOGRAFIA (CONCAR). Perfil de Metadados Geoespaciais do Brasil: conteúdo de Metadados Geoespaciais em conformidade com a norma ISO 19115:2003. 2009. Não paginado. Disponível em: < http://www.sieg.go.gov.br/downloads/Perfil_de_Metadados.pdf > Acesso em: 15 set. 2013.
D’ALGE, Júlio César Lima. Cartografia para Geoprocessamento. In: CÂMARA, Gilberto; DAVIS, Clodoveu; Antônio Miguel Vieira (Org.). Introdução a ciência da geoinformação. São José dos Campos: INPE, 2013. Não paginado. Disponível em: Acessado em: 05 nov. 2013.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Ibitiara. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1967. Carta Topográfica. color. Escala 1:100.000. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2015.
MELO, D. H. C. T. B. et al. Aquisição e leitura da carta topográfica digital do IBGE. Geografia (Londrina). Londrina, v. 23, n. 1, p. 191-204, jan. 2014a.
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Open Source Geospatial Foundation (OSGeo). QGIS, versão 2.10.1. Chicago: OSGeo, 2015. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2015.