Ao ler essas três notícias amplamente veiculadas pela imprensa, talvez o leitor fique se perguntando se casos como os relatados realmente afetam a segurança do espaço aéreo e de bens e pessoas em solo e de que forma o sistema aeronáutico trata os drones (ou as aeronaves remotamente pilotadas).

Para responder adequadamente a essas questões, começaremos pelo último item levantado, ou seja, a contextualização dessa tecnologia dentro do mundo aeronáutico, ao qual estão inseridos os chamados “drones”, que podem ter diversos tamanhos, desde aeronaves de poucas gramas até algumas toneladas.

E duas perguntas nos ajudam a responder esse importante ponto: Quantas vezes ainda veremos esse tipo de matéria novamente, segundo a qual uma atitude irresponsável coloca em risco a vida de centenas de pessoas dentro em um avião comercial? Quando os integrantes da comunidade que usa ARPs vão entender que são aviadores e, como tal, devem ser treinados e capacitados a atuar em respeito ao sistema da aviação, já mundialmente consolidado?

Partindo dessa premissa básica, nenhuma análise pode passar ao largo do que determina o Código Brasileiro de Aeronáutica, a Lei nº 7.565/86 e, portanto, de observância obrigatória no território nacional, destacando-se que o CBA considera aeronave “todo o aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas”.

Segundo essa conceituação legal, qualquer aeronave, seja remotamente pilotada ou não, precisa, para acessar o espaço aéreo brasileiro, estar munida do respectivo certificado de aeronavegabilidade. É assim por um simples motivo: são aeronaves. O art. 114 do CBA é claro nesse sentido: “Nenhuma aeronave poderá ser autorizada para vôo sem a prévia expedição do correspondente certificado de aeronavegabilidade…”.

Ocorre que grande parte dos “operadores” atuais, embora estejam suficientemente esclarecidos da ilegalidade de suas operações, desconsideram esta exigência legal, colocando em risco a sociedade em geral ao utilizarem equipamentos não aptos a exercerem atividade econômica.

Há um outro aspecto que também é solenemente ignorado: mesmo de posse de uma aeronave com o devido certificado de aeronavegabilidade em dia, o operador, ou seja, aquele que dela se utiliza para fins comerciais, necessita estar devidamente autorizado para a exploração econômica, no caso, o chamado Serviço Aéreo Especializado. Atualmente, existe um setor econômico altamente especializado e regularmente instituído para exercer esta atividade. É o setor das empresas de Serviço Aéreo Especializado, autorização da ANAC (Portaria nº 190) e, para serviço de aerolevantamento, adicionalmente, possuem anuência prévia do Ministério da Defesa (Portaria nº 637).

A operação regular de aeronaves, sejam tripuladas ou remotamente pilotadas, ainda passa pela formação e adoção de pessoal habilitado, os pilotos (art. 160 CBA e RBAC 61, 140 e 141), embora também esse aspecto esteja sendo desconsiderado atualmente.

Portanto, vê-se que o sistema legislativo-regulamentar aeronáutico prevê um tripé básico para a regular operação comercial com os “drones”, o qual, por uma razão óbvia, é o mesmo para as aeronaves tradicionais. Necessita-se da fabricação, operação e operadores regularmente constituídos.

Recentemente, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) publicou a proposta do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial nº 94 (RBAC-E nº 94). Como visto, está-se atualmente construindo uma proposta de regulamentação específica para uso civil de aeronaves remotamente pilotadas, mas que certamente deve considerar o tripé básico e o mesmo nível de segurança existente para as aeronaves tripuladas, respeitadas suas particularidades, é claro.

Esta proposta de regulamentação (sem início de vigência definida) – que neste espaço não se pretende analisar – não impede, ao contrário, ela incentiva os interessados que pretendem explorar o mercado aeronáutico a adequarem seus procedimentos, valendo-se do que já é existente e consolidado sob o ponto de vista regulamentar. Além disso, promove conhecimento aeronáutico necessário para os iniciantes na área de aeronaves remotamente pilotadas (ou drones), o que é determinante para uma operação condizente com nível de segurança exigido pela aviação civil.

O setor está diante de uma grande janela de oportunidade, basta estar inserido nesse sistema de produção tão específico e peculiar, acessando um mercado bilionário nos próximos 10 anos. Mas, para isso, precisa estar preparado. E a preparação passa, necessariamente, pela observância do sistema aeronáutico.

O mercado global já reconhece a capacitação brasileira na certificação de aeronaves, reconhecimento este desde o final da década de 70, iniciado com o nicho de mercado da “commuter aviation”, do qual o Brasil foi um dos criadores. Essa capacitação da ANAC e das empresas do setor levou a indústria aeronáutica brasileira a apresentar nos últimos vinte anos um total de vendas da ordem de US$ 80 bilhões, dos quais US$ 65 bilhões exportados, incluindo aviões à jato de transporte comercial e ARPs.
Somente com normas e procedimentos aderentes e aceitos globalmente, o setor de ARPs poderá se beneficiar deste reconhecimento, abrindo os mesmos mercados que a aviação tripulada já alcançou e que gera valor agregado e emprego de qualidade. Nenhuma solução temporária, provisória e sem amparo nas regras de aviação globalmente aceitas pode ser tratada como saída para a indústria brasileira. O Mercado mundial somente aceita, e assim é desde a Convenção de Chicago, em 1944, produtos e serviços que estejam dentro dos standarts internacionais.

Com certeza, a adoção da cultura do sistema aeronáutico, seus procedimentos para garantir segurança, seu conhecimento e difusão para todos os interessados, é o princípio para que a sociedade possa responder, por ela mesma, as perguntas contidas no início deste texto.

Ramiro Brasil
Sales & Marketing – FT Sistemas S/A. Parque Tecnológico, São José dos Campos – SP
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