Este mês, a Trends Market Research publicou um relatório intitulado “Mercado de pequenos satélites, por tipo, aplicação e usuário final: análise de oportunidade global e previsão da indústria, 2019 – 2026”. Em seu relatório, a empresa afirma que o mercado de pequenos satélites foi responsável por uma receita de US$ 3,6 bilhões em 2018, e que deverá gerar US$ 15,7 bilhões até 2026. Segundo a Trends Market, o mercado deve experimentar um crescimento de 20,1% de 2019 a 2026.
Quase que na mesma semana, a Seraphim SpaceTech Mercado de Investimentos divulgou seu relatório relativo ao quarto trimestre de 2020, publicando um mapa do ecossistema de tecnologia espacial (disponível em www.seraphimcapital.passle.net). Esse mapa busca demonstrar sua visão sobre os negócios líderes em cada segmento da cadeia de valor da tecnologia espacial. A posição da Seraphim SpaceTech como um dos maiores fundos de capital de risco focado no espaço, a permitiu reunir uma visão panorâmica da inovação no mercado, por meio das mais de 3 mil empresas com as quais a empresa se envolve diretamente, e das mais de 500 que estão rastreando.
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O que chama a atenção, analisando-se os dados dos dois relatórios, é a ausência de uma referência ao mercado brasileiro de empresas do setor espacial. Enquanto a Trends Market aborda nosso país dentro do contexto da América Latina, Oriente Médio e África, grupo conhecido pela sigla, em inglês, LAMEA, os gráficos de análise geográfica do relatório da Seraphim SpaceTech dividem o planeta em quatro grupos de investimento: América do Norte, Europa, Ásia e resto do mundo (RoW). E mesmo que o RoW tenha apresentado um crescimento de 36% ao ano, países como Israel, no Oriente Médio; Nigéria, na África; e Chile, na América Latina, é que deram sustentação a esses investimentos em 2020.
Os principais fatores que impulsionam o mercado de pequenos satélites (SmallSats) são o baixo custo, a leveza e o aumento das aplicações de pequenos satélites em diversos setores. Prevê-se que os desenvolvimentos tecnológicos e o aumento dos investimentos dos governos aumentem, ainda mais, o crescimento desse mercado. E, aí, já é possível detectar um problema nacional. A falta – crônica – de investimentos públicos no setor aeroespacial.
Embora o Brasil possua um excelente histórico de atividades no espaço (a Comissão Nacional de Atividades Espaciais, embrião da Agência Espacial Brasileira, é de 1963), nossa Missão Espacial Completa Brasileira, de 1979; e nosso Programa Nacional de Atividades Espaciais, surgido em 1996 e constantemente atualizado, não conseguiram atingir os objetivos propostos.
Alia-se ao problema da falta de investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, a falta de investimento privado no setor. A Seraphim SpaceTech aponta que os negócios mais expressivos no 4º trimestre de 2020 envolveram países como Reino Unido, Estados Unidos, China, Alemanha, Japão e Israel. E, entre esses, o investimento mais volumoso envolveu a OneWeb, uma empresa britânica de comunicações que está desenvolvendo capacidade de fornecer serviços de internet banda larga, via satélite, em todo o mundo. Os investimentos públicos e privados somaram US$ 850 milhões naquele país no ano passado. Para se ter uma ideia da falta de investimentos nacionais, o orçamento para o setor aeroespacial em 2020 não chegou a US$ 27 milhões, no Brasil (www.portaldatransparencia.gov.br).
A alta demanda de economias emergentes por SmallSats, como Ásia-Pacífico e LAMEA, junto com o aumento do envolvimento de empresas comerciais, startups e institutos educacionais no mercado, deve oferecer inúmeras oportunidades de crescimento no mundo. E o Brasil não pode, e não deve, ficar fora dessa onda.
Este gigante do continente sul-americano conta com inúmeras atividades espaciais de sucesso. A própria existência do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (antigo CTA), surgido na década de 1950, na Força Aérea, com dois institutos, o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e o IPD (Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento), aliados à criação do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), são uma prova disso.
O IPD, em 1969, deu origem à criação da EMBRAER, terceira maior fabricante de aviões do mundo, atrás, apenas, das gigantes Airbus e Boeing. E o INPE, por sua vez, vem construindo satélites, lançados com sucesso, desde a década de 1990, como os Satélites de Coleta de Dados (SCD-1 e SCD-2); a série de seis Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS) (conforme quadro a seguir); e o recém lançado Amazônia-1, totalmente projetado, testado, integrado e operado no Brasil. Com o sucesso do lançamento do Amazônia-1, o País passa a dominar o ciclo completo de desenvolvimento e operação desses equipamentos e abre novos horizontes para empresas do setor aeroespacial, 64 anos após o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik-1, pela União Soviética (esse satélite russo enviou de volta sinais de rádio, que os cientistas usaram para estudar a ionosfera).
Mas isso tudo é passado. Isso tudo é chamado, atualmente, de Old Space. E o Brasil, com sua grande capacidade de pesquisa e seu imenso parque tecnológico-industrial instalado, tem que – desde já – atuar no New Space
O Old Space tem sido caracterizado por atores importantes, como agências espaciais e grandes indústrias do setor, com enormes contratos governamentais, direcionando orçamentos e investimentos para programas de satélite governamentais e de segurança nacional, satélites de comunicações, sondas de longo alcance para coleta de métricas da alta atmosfera, lançamentos de ônibus espaciais e construção de estações espaciais internacionais.
A partir dos anos 2000, no entanto, novos participantes entraram na economia espacial vindos do setor privado dos Estados Unidos, que buscavam desestabilizar a estagnada indústria espacial. Essas novas empresas abordaram o espaço de uma forma totalmente diferente e ampliaram a perspectiva que governos e investidores poderiam ter do espaço. É o início do New Space.
O New Space, dessa forma, caracteriza-se por atividades inovadoras, como satélites de Internet, satélites privados de sensoriamento remoto de última geração, cubo-satélites, nano-satélites, foguetes reutilizáveis, estações espaciais comerciais e fabricação no espaço, e mineração de asteroides, sem falar na exploração de novos planetas.
Sim, já chegamos ao New Space. O lançamento, este mês, do NanoSatC-BR2, construído por alunos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em parceria com o INPE, mostra que o Brasil está se preparando para essa nova era espacial. E o que falta, então, para recuperarmos nosso protagonismo internacional em matéria do espaço?
Investimento. E não apenas do setor público mas, principalmente, do setor privado.
Empresas de fundos de investimento, como a Seraphim Capital, monitoram o mercado internacional e direcionam investidores para projetos que tenham chances de oferecer um retorno que justifique a parceria. E o Brasil possui um grande potencial.
O já citado relatório da Seraphim SpaceTech aponta para uma tendência de crescimento de investimentos direcionados à infraestrutura espacial, como foguetes de lançamento; satélites de sensoriamento remoto; e satélites de comunicações (tráfegos de dados), como pode ser observado no gráfico a seguir.
Não por acaso, nosso Centro Aeroespacial de Alcântara está se preparando para aumentar sua capacidade de lançamento de satélites. Nosso projeto de um novo foguete espacial (Veículo Lançador de Microssatélites/ VLM) está em fase de desenvolvimento na Força Aérea. E essa mesma FAB possui um Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), no qual planeja fomentar a construção, em solo nacional, de satélites de sensoriamento remoto ópticos e de radar, além de satélites de comunicações a baixa-altura, para ser bem resumido. O objetivo é fazer com que a construção desses artefatos tenha participação da indústria nacional (investimento privado); de empresas internacionais, como Airbus, Maxar, ImageSat, dentre outras; passando pela contribuição da nossa academia, através de transferência de tecnologia, seja por meio de cursos oferecidos em conjunto ou por meio de intercâmbio de profissionais com as empresas envolvidas no processo. É a “tríplice hélice” girando.
As condições para que o Brasil tenha destaque no New Space estão prontas. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos foi assinado ano passado, facilitando a inserção brasileira no promissor mercado de lançamentos de satélites, a partir de Alcântara, sem as pesadas restrições existentes anteriormente. A FAB deve concluir seu projeto do VLM em breve. O INPE já domina todo o ciclo de produção de satélites. Nossa academia já tem condições de se debruçar sobre nano-satélites. Que surjam, então, as startups brasileiras do espaço! E para complementar os (parcos) orçamentos do governo na esfera aeroespacial, que venham os investidores!
*Ivan Carlos Soares de Oliveira , CEO e consultor sênior na BTI Technology & Intelligence (www.bti-intelligence.com). Doutor em Ciências Militares, área de concentração Sensoriamento Remoto, pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME); Mestre em Geologia, área de concentração Análise Ambiental, pela Universidade de Brasília (UnB); especialista em Geoprocessamento, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); especialista em Inteligência, pela Escola de Inteligência Militar do Exército (EsIMEx); e especialista em Fotoinformação, pela Escola de Instrução Especializada do Exército (EsIE). Atualmente é professor convidado da EsIMEx, e professor e coordenador do curso de Inteligência de Imagens para a Segurança, na LOGOS Inteligência e Planejamento Estratégico.
O artigo não expressa, necessariamente, a opinião da MundoGEO
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