A guerra na Ucrânia, além das atrocidades de toda guerra, deu um choque de realidade na Europa em relação à dependência no petróleo e gás natural provenientes da Rússia. De fato, a Europa já estava liderando um processo de transição energética para carbono neutro até 2050, ao investir mais em combustíveis renováveis, como a energia solar, eólica, biocombustíveis, além do hidrogênio obtido a partir destas fontes de energia. O setor de aviação começou a discutir rapidamente, antes mesmo desta guerra, como pode colaborar para reduzir as emissões de CO2 de modo a atender as metas do Acordo de Paris. Os combustíveis sintéticos a partir do hidrogênio renovável entraram em pauta, assim como o hidrogênio em sua forma mais pura usada em células a combustível para propulsão elétrica ou em turbinas.

E o setor de drones, será que também seguirá esta onda de descarbonização, de redução do impacto no meio ambiente?

Tivemos recentemente dois anúncios de drones que usam energia solar ou etanol como fontes de energia para a aeronave seguir voos mais longos, mas com uma pegada mais ecológica. A aeronave remotamente pilotada da empresa espanhola UAV Instruments, CIES 2.2 Solar Powered, é capaz de voar por 10 horas ao ter implementado em suas asas fixas módulos solares fotovoltaicos. Com peso máximo de decolagem de 4kg, este drone de asa fixa, parecido com o eBee da Sensefly, tem enlace de comunicação para 100km e velocidade de cruzeiro de 55km/h. Somente com as baterias, a autonomia é de duas horas, mas com a ajuda da energia solar e em condições ótimas de irradiação solar, pode chegar às 10 horas de voo. Não é para todo dia, por depender das condições climáticas, mas a boa autonomia de voo contribui na produtividade em aplicações como mapeamento, vigilância, sensoriamento remoto e agricultura de precisão.

O outro anúncio ocorreu no Brasil. A empresa Liconic anunciou um drone multirotor com sistema híbrido a etanol que integra motor a combustão, bateria e motores elétricos. O diferencial, de acordo com a empresa, é a redução do custo operacional em 40% em relação aos drones com bateria, visto que as baterias possuem ciclos de vida curto (150 a 300 ciclos de carga e descarga), precisam ser descartadas com frequência, recarregadas em missões remotas, além do desafio para que entrem na cadeia de reciclagem. A autonomia de voo também é um diferencial, além da pegada ecológica do etanol, combustível bem conhecido dos brasileiros.

Embora seja um assunto em pauta, drones com conceito mais ecológico ainda não fazem parte da prioridade – ou tomada de decisão – das empresas que utilizam os drones em suas atividades. A prioridade é o desempenho, segurança operacional, interface de planejamento e operação dos voos, rede de serviços de assistência técnica, qualidade da carga útil embarcada, produtividade em campo e custos operacionais, por exemplo. A produtividade pode, em parte, ser resolvida com a maior autonomia de voo, cobrindo uma maior área de mapeamento na agricultura ou de inspeção em grandes ativos. E esta produtividade pode ser refletida na redução do custo operacional, como menos horas em campo.

Por exemplo, nas inspeções de linhas de transmissão, profissionais da área de drones chegam a levar entre 10 e 15 baterias a campo, além de carregadores de bateria para realizar a inspeção das torres em áreas remotas. Embora seja possível inspecionar 6 torres por voo, geralmente inspecionam 4 torres para não correrem riscos com a carga da bateria. No fim do dia, ao invés de inspecionarem 20 torres, poderiam ter inspecionado 30 torres. Neste caso, o drone a etanol ou a hidrogênio poderiam trazer algum ganho de produtividade, além do alinhamento ambiental. E empresas do setor de energia cada vez mais estão procurando se encaixar dentro das diretrizes de descarbonização e carimbar também o selo ESG (Environmental, Social & Governance – ambiental, social e governança, em português).

No setor de logística, empresas como a DHL, Fedex e UPS estão em busca da descarbonização das suas operações, além do reconhecimento ESG. Inicialmente, a descarbonização está ocorrendo em aviões tripulados de pequeno porte, eletrificados com bateria, além do combustível sintético renovável em aviões cargo tradicionais, com grande capacidade de carga. Mas a tendência é que os drones cargo também comecem a servir como meio de transporte logístico para distâncias de 100 a 500 quilômetros, com até 150kg de peso máximo de decolagem, onde drones com esta característica se encaixam na classificação de Classe 2 (maior que 25kg e até 150kg) da ANAC, aqui no Brasil.

A melhor alternativa em termos de autonomia, capacidade de carga útil e custo, atualmente, são as aeronaves com motores a combustão a gasolina, tal como ocorre com os drones militares de grande porte com autonomias que superam 10 horas. Ou ainda, os hibridizados com propulsão elétrica e bateria com conceito e-vtol, um conceito de design mais recente de decolagem vertical. Um exemplo é o DRARGO 150 da XMOBOTS, projetado para drone cargo, além do DRACTOR 25A da empresa empresa, projetado para mapeamento e pulverização.

Adotar o etanol como combustível em drones híbridos como o a Liconic, pode ser uma alternativa para este setor de logística ou mesmo de pulverização agrícola, especialmente na aplicação da pulverização biológica que já tem um conceito sustentável, mas demanda por maior autonomia e capacidade de carga. E ainda resta o hidrogênio com a tecnologia de células a combustível para atender requisitos de autonomia de voo e o apelo ambiental.

Para quem não conhece a tecnologia, a célula a combustível é usada no setor aeroespacial desde 1960 para fornecer eletricidade aos astronautas dos foguetes Gemini, Apolo e o Ônibus Espacial americano. A tecnologia converte o hidrogênio em eletricidade a partir de uma reação eletroquímica que também envolve o oxigênio, sem combustão e partes móveis. O resíduo é a água pura. Portanto, um drone com esta tecnologia possui propulsão elétrica e emite água. Algumas empresas desenvolveram drones multirotores e de asa fixa cuja autonomia é de 3 a 5 vezes maior que os drones a bateria. Todavia, o custo da tecnologia neste momento, bem como os desafios para obtenção do hidrogênio com a mesma facilidade que se recarrega uma bateria na tomada ou se compra gasolina ou etanol no posto de combustível, é uma barreira inicial para esta tecnologia. Mas todo mundo já ouviu falar em White Martins, Air Products, Air Liquide, por exemplo, não? Então, não estamos tão longe de conseguir este combustível invisível aos olhos da maioria da população.

Para que o hidrogênio seja considerado amigo da natureza, ele precisa ser obtido a partir de fontes de energias renováveis como a energia solar e eólica, onde o hidrogênio é obtido a partir da eletrólise da água. O biogás ou mesmo o etanol são fontes de hidrogênio. Mas, atualmente, a maior parte do hidrogênio produzido mundialmente é obtido a partir do gás natural, aquele que o presidente russo, Vladimir Putin, tem usado como arma geopolítica. O hidrogênio russo também é usado para produzir a amônia, insumo para a produção de fertilizantes e que o Brasil importa em mais de 70%. Por esta razão, agora, o mundo quer reduzir a sua dependência energética de combustíveis fósseis e começará a migrar para o hidrogênio renovável, onde o Brasil tem um grande potencial e começou a receber investimentos. Não é para agora, mas a infraestrutura de produção e distribuição de hidrogênio no Brasil está começando e num futuro breve os drones a hidrogênio serão mais uma opção para os drones em diversas aplicações, além de serem fundamentais como plataformas de desenvolvimento tecnológico para a futura aviação tripulada a hidrogênio.

*Emílio Hoffmann – Engenheiro eletricista pela UFPR, autor do livro A Era do Hidrogênio, das Energias Renováveis e Células a Combustível, e pós-graduando em RPAs (Drones) e VANTs em Aplicações Civis e Comerciais – PUCPR. É co-fundador e diretor de operações na América Latina da H3 Dynamics, empresa com sede matriz em Cingapura e que desenvolve soluções disruptivas que convergem diversas áreas da tecnologia, tais como: células a combustível a hidrogênio ultraleves para drones de longa autonomia, plataformas robóticas para automação de missões remotas de drones, e plataformas de inteligência artificial para processamento dos dados coletados por drones. Também é diretor de desenvolvimento de negócios da H3ZOOM.AI (inteligência artificial) e da HES Energy Systems (células a combustível H2) na América Latina, ambas subsidiárias da H3 Dynamics. É fundador da Brasil H2, empresa fundada em 2003 e dedicada às tecnologias de células a combustível para diversas aplicações
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