Imagens Digitais: Desta Vez Vamos?


Imagem Landsat do município de São José dos Campos (esquerda) e mapa de uso do solo (direita), gerado por segmentação e classificação por regiões. Fonte: Convênio Prefeitura Municipal São José dos Campos/Inpe/Univap.

Em 1974, o Brasil começou a receber imagens de satélites e iniciou atividades na área de Sensoriamento Remoto. O início dos projetos nesta área foi acompanhado de grande expectativa. Empolgados com as primeiras imagens, técnicos do setor fizeram previsões não raro bombásticas, apontando para uma verdadeira revolução nos mapeamentos básicos e temáticos. Mapas geológicos, de cobertura vegetal, de safras agrícolas, tudo seria diferente com o advento das imagens de satélite e seu processamento digital. Aerolevantamentos tradicionais estariam prestes a ficar obsoletos. Empresas do setor precisariam mudar para não morrer.
Passados 25 anos, o impacto das imagens de satélite no Brasil foi bem menor que o previsto originalmente, especialmente em áreas como Planejamento e Cadastro Urbano. Apesar de contar, desde 1986, com tecnologia de software para processamento digital de imagens (nacional e importada), parcela significativa de empresas e instituições usuárias de imagens de satélite continua a usar os dados de forma convencional, realizando fotointerpretação de imagens em papel. Muitos levantamentos ainda usam procedimentos como vôo, restituição e trabalho de campo de forma analógica, produzindo mapas em papel. Será que este processo está prestes a mudar? Para compreender possíveis mudanças no horizonte, será preciso analisar alguns dos fatores que contribuíram para a relativa frustração de expectativas no uso de imagens de satélite:
– Limitações de escala das imagens. Na prática, imagens TM (30 m de resolução) são compatíveis com trabalhos em escala 1:100.000. Mesmo imagens SPOT pancromáticas (10 m de resolução) podem ser trabalhadas efetivamente apenas até a 1:30.000.
– Restrições de programas de classificação automática de imagens, principalmente no caso de algoritmos que examinam cada elemento de imagem (pixel) de forma independente dos demais vizinhos e tendem a produzir resultados estatisticamente significativos mas espacialmente incoerentes.
– Visão inicial de especialistas que as imagens de satélite viriam a substituir levantamentos convencionais. Na realidade, imagens devem ser fontes adicionais de informação, completando dados já disponíveis.
– Custo relativamente alto de sistemas de processamento de imagens digitais e restrições de integração com sistemas de informação geográfica.
– Limitações na disponibilidade e na rapidez de processamento de imagens de satélite. Durante anos, houve um único fornecedor (o Inpe, que atendia a demanda com limitações de uma instituição de governo.
Tal quadro pode sofrer grande mudança – cada um destes problemas está sendo resolvido. A nova geração de algoritmos de processamento digital de imagens, que trabalham por regiões da imagem, não por pixels isolados (chamados de segmentação), é capaz de produzir resultados comparáveis a produtos de fotointerpretação, com custo muito menor. A figura mostra exemplo de atualização do mapa de uso do solo da cidade de São José dos Campos (SP), produzida com estas técnicas.
As novas gerações de sistemas de informação geográfica já têm grau crescente de funcionalidades de processamento de imagens e esta integração só tende a aumentar.
Aspecto fundamental é a disponibilidade de sistemas de Cartografia Digital, capazes de realizar, por software, procedimentos de restituição e ortorretificação que até há pouco tempo exigiam equipamentos caros e especializados, só disponíveis em empresas de aerolevantamento. Usuários e empresas mais ousados estão descobrindo o potencial da Fotogrametria Digital. De fato, para grande número de aplicações, é possível usar fotos áreas digitais, sem necessidade de procedimentos cartográficos de precisão. Veja o site www.belohorizonte.com.br para exemplo de uso inovador de levantamentos aerofotográficos digitais.
No caso dos fornecedores de imagens de satélite, o usuário hoje dispõe de escolha entre empresas privadas representantes de satélites como SPOT, IRS, RESOURS-1. O Inpe também está em acelerado processo de modernização, visando garantir um atendimento eficiente para as imagens do satélite CBERS, a ser lançado no início de 1999. Sem dúvida, o vetor de mudança de maior impacto é o lançamento de imagens de satélite de alta resolução (conforme o artigo Uma Nova Geração de Imagens Orbitais, infoGEO n°1). Em 3 anos, a tecnologia poderá mudar radicalmente a forma de trabalho em mapeamentos em escalas até 1:10.000. Imagens de 1 a 5 m de resolução permitirão atualização de cartas e cadastro urbano, mapas de ocupação e uso do solo, e até mapeamentos topográficos com menores custo e prazo.
Pela primeira vez desde o lançamento do Landsat-1 em 1972, avanços em dados e na tecnologia permitirão que trabalhos de Cadastro e Planejamento Urbano possam usar imagens digitais, abrindo campos inteiramente novos de aplicações. Quem se beneficiará com as mudanças? Usuários, cada vez mais bem informados e com crescentes restrições de custo e prazo. Com relação às empresas, casos semelhantes de mudanças tecnológicas mostram que o mais provável é que um novo grupo de empreendedores abrace a evolução técnica e capacite-se a usá-la efetivamente. Neste cenário, nova geração de empresas de Fotogrametria Digital estaria surgindo, com tendência a médio prazo de substituir quase que completamente o setor tradicional de aerolevantamento.
A mudança tecnológica tem 2 características essenciais: é inexorável (não podemos detê-la e esperar que não aconteça) e também permanente (tudo o que é sólido desmancha no ar). Resta a pesquisadores, usuários e empresas, a consciência que desta vez o processamento digital de imagens veio para ficar.

Gilberto Câmara é coordenador do programa de pesquisa em Geoprocessamento da Divisão de Processamento de Imagens do INPE, e foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos sistemas SGI/SITIM e SPRING. (Página eletrônica: – www.dpi.inpe.br/gilberto).