Todos nós fazemos parte de uma comunidade que, através de suas realizações, acaba influindo em sua época e participando do destino das gerações seguintes.

A esta altura, o leitor deve estar se perguntando aonde quer chegar este articulista. Pois bem: a intenção é alertar que atualmente, no Brasil, fazemos parte de uma comunidade de administradores e técnicos que vai passar a uma próxima geração um mapeamento sistemático em péssimas condições de aproveitabilidade.

Embora tenha sido elaborada com grande esforço intelectual, físico e financeiro, a grande maioria de nossas bases sistemáticas de dados gráficos não reflete nem de longe a realidade de hoje. E sobre elas está procurando ancorar-se um mundo enorme de informações…

Por esse prisma, é impossível não nos preocuparmos com as realizações que marcarão nossa época. Vamos passar à frente um mapeamento com mais de vinte anos de desatualização em plena era da explosão do uso dos Sistemas de Informações Geográficas. Muitas vezes me pergunto se não é um grande contra-senso divulgarmos ou debatermos em eventos técnico-científicos as mais requintadas e sofisticadas geotecnologias quando relegamos o básico ao esquecimento.

Além do aspecto técnico, há também o aspecto econômico da questão, na maioria das vezes apresentado não muito explicitamente. Perder por deterioração o mapeamento já feito é a opção mais cara. Convenientemente conservado, este acervo irá gerar os benefícios conhecidos de todos nós. De outro lado, a economia feita em não atualizá-lo acarreta custos ao usuário. Quando uma organização precisa complementar um mapa para somente depois poder realizar seu trabalho (como tem ocorrido nos estudos de gasodutos, oleodutos, ferrovias, rodovias, barragens, etc…) está se gastando mais do que se economizou não atualizando a cartografia – em parte como decorrência do usuário ter que executar serviços que não são de sua alçada e tão pouco de sua especialidade. Sem esquecer o reflexo negativo no cronograma do empreendimento.

Isso gera mais um componente do famoso Custo Brasil.

Quando se fala em geoprocessamento, logo vem à tona a validade da informação, a conversão de dados do meio gráfico para o digital e a respectiva estruturação topológica. Nesse sentido, sabe-se da existência de Sistemas Cartográficos Digitais, que encontram-se em montagem e implementação em órgãos nacionais de mapeamento sistemático. Não há dúvida nenhuma que o mapeamento brasileiro necessita ser urgentemente convertido, o que aliás já deveria estar acontecendo como rotina (porém não antes da atualização). A aquisição de mapas digitais que retratam o território de duas décadas atrás resulta em desagradáveis desdobramentos, uma vez que as organizações que estão se equipando – e portanto investindo pesado – para gerenciar informações geoposicionadas, necessitam de bases espaciais confiáveis como pano de fundo para seus atributos específicos.

Recentemente, na elaboração de um GIS para o Plano Diretor do Porto de Sepetiba, no que se refere ao Programa de Desenvolvimento da Retaguarda Portuária, ocorreu um grande trabalho preliminar de atualizações. Isto exerceu considerável impacto no orçamento do GIS, tendo acarretado mudanças de escopo e de cronograma. Não se tratava de pequenas e normais atualizações, mas sim de uma defasagem de muitos anos.

Quando se menciona atualização, não se está referindo apenas ao conteúdo da carta, mas também aos seus parâmetros geodésicos, principalmente ao Datum. Isso nos remete a outra discussão, que diz respeito à prática, em algumas ocasiões, da contratação para conversão de dados de empresas que não têm a menor afinidade com as questões geodésicas, cartográficas e topológicas. Nesse aspecto, a sistemática da contratação meramente pelo menor preço, sem avaliação da real capacitação, leva a resultados desastrosos, que nos encaminham posteriormente a enormes retrabalhos e decorrentes prejuízos. Essa é a economia paga pelo usuário.

Não se deveria jamais fazer conversão de dados sem que o resultado fosse um mapa digital atualizado, topologicamente estruturado e transladado para o sistema de referência oficialmente em uso.

A terceirização é uma providência inevitável; a meu ver, o Estado não deveria tentar realizar esta enorme tarefa pelos próprios meios. Parece coerente selecionar empresas que proponham metodologias corretas e preço justo; conhecer preços corretos para essas tarefas é simples; há vários estudos sobre isso, já encaminhados como colaboração.

Sabemos dos problemas da Legislação Brasileira de licitações, mas desqualificar os despreparados e os preços aviltados retrata sensatez e conhecimento.

Quanto à atualização cartográfica, que deveria anteceder à conversão, não queremos assumir o papel do crítico radical, que fala o óbvio mas não sugere nada. Pois bem, o mapeamento sistemático brasileiro pode ser atualizado, sem muita demora, por processamento digital de imagens orbitais, considerando-se imagens de satélites de obtenção rápida no Brasil. Representantes estão aí, nos oferecendo produtos a todo instante. Tem-se ouvido, às vezes, pessoas falando sobre testes de precisão do resultado. Os testes devem ser feitos, mas o importante é dar às cartas a condição de elementos informativos. Devemos ter em mente que escalas 1:100.000 e 1:50.000 são muito úteis para etapas exploratórias, de reconhecimento e de planejamento, mas quase não têm utilidade para projetos. Mapas nessas escalas, desatualizados, mesmo os mais precisos, são um desastre para o planejamento. Assim, devemos nos preocupar primordialmente com seu conteúdo – claro que sem menosprezar a precisão, mas aceitando o limite a que uma imagem de satélite pode atingir. É isso, ou então voar todo o Brasil novamente.

Como tenho sido usuário do mapeamento sistemático em meus muitos anos de profissão, não vejo como não convidar a geração de responsáveis pelo mapeamento nacional a refletir a respeito do grau de aproveitabilidade das cartas que iremos passar à frente, para que os novos possam dizer, com que bons mapas trabalhamos!


Mapa 1/50.000 existente (cobertura aérea executada em 1.964, com apoio de campo feito em 1.967)


Mancha urbana real (1.998)

Paulo Tavares é Engenheiro Civil/Geodésia formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e diretor técnico da Geomática – Tecnologias da Informação Ltda. email:geomatica@alternex.com.br