Banco de dados, GPS e sistemas de coordenadas

Um banco de dados espaciais, devidamente georreferenciados, é a coluna vertebral de um sistema de informações geográficas.
As informações contidas nele precisam necessariamente ser consistentes.
Mas como saber?

Ao se manipular um mapa velho, amassado, logo se desconfia de sua atualidade, e possivelmente de sua origem. O mesmo, contudo, não acontece quando se olha uma imagem gerada na tela de um computador. O fascínio que a tecnologia exerce nos leva a aceitar quase instintivamente estas informações como corretas. Contudo, por trás do que é mostrado na tela, existe um banco de dados, que pode ter sido o mesmo usado na confecção do velho mapa.

A construção ou manutenção de um banco de dados pode ser feita a partir da compilação de informações oriundas de outros bancos de dados, como a digitalização de um mapa, por exemplo. Ou através de novos levantamentos, situação em que cada vez mais está se usando o GPS. O GPS se encaixa como uma luva na construção e manutenção de um banco de dados, geralmente associado a um Sistema de Informações Geográficas. O GPS informa a posição tridimensional dos dados espaciais e o tempo de ocorrência do evento de interesse.

Muita atenção deve ser dada a dois problemas relacionados ao emprego do GPS, associados aos bancos de dados. O primeiro diz respeito ao sistema de coordenadas usado; o segundo está ligado às diferentes precisões que o GPS fornece. Neste artigo, enfoca-se a questão dos sistemas de coordenadas.

O Sistema de Posicionamento Global utiliza um sistema de coordenadas geocêntrico: o World Geodetic System 1984 (WGS-84). A palavra geocêntrico significa que a origem do sistema de coordenadas se localiza no centro de massa da Terra. O WGS-84 é, para todos os efeitos de natureza prática, igual ao Sistema de Referência Geocêntrico da América do Sul (SIRGAS). Isto é, as coordenadas SIRGAS são idênticas às coordenadas WGS-84. O acesso ao SIRGAS é possível através da utilização das observações coletadas pela Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos satélites GPS (RBMC). Esta rede, que está operando desde dezembro de 1.996, tem 9 estações distribuídas pelo território brasileiro, em operação contínua. A manutenção da rede é feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que disponibiliza aos interessados as observações coletadas pela RBMC. Todas as estações da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo do GPS (RBMC) pertencem ao SIRGAS.

Contudo, a Cartografia brasileira se utiliza, desde os anos 70, como sistema de coordenadas, do South American Datum 1969 (SAD-69). A principal diferença entre o WGS-84 e o SAD-69 a ser aqui destacada é que, ao contrário do WGS-84, o SAD-69 não é um sistema geocêntrico. Em outras palavras, as origens dos dois sistemas estão deslocadas espacialmente, estando distantes uma da outra em aproximadamente 78 metros.

A conseqüência deste fato é tremenda: as posições fornecidas pelo GPS não falam diretamente com os mapas! Existe, ainda, um agravante a este problema: no Brasil, existiu um outro sistema antes do SAD-69, conhecido como CÓRREGO ALEGRE, que a exemplo do SAD-69, também não é geocêntrico. Ainda existem muitos documentos cartográficos baseados neste sistema.

Mas qual a conseqüência disto com respeito ao uso do GPS? O emprego do GPS no Brasil requer a utilização dos chamados parâmetros de transformação que relacionem o WGS-84 e o SAD-69. Principalmente nas atividades que utilizem cartas ou mapas, ou que objetivem uma visualização da informação espacial, todas elas dependentes de bancos de dados.

A percepção de que existem sistemas de coordenadas distintos deve conduzir a uma atitude prudente de se questionar sempre qual o sistema ao qual as coordenadas estão atreladas. Isto deve ser adotado como regra geral. Em toda listagem de coordenadas, assim como em todas as cartas e mapas, deve ser indicado o sistema de coordenadas usado. E, logicamente, esta regra se aplica aos bancos de dados, que devem possuir um campo que possibilite que o sistema de informações distinga entre os sistemas de coordenadas existentes. Ou, idealmente, que seja construído e mantido respeitando o mesmo sistema de coordenadas (e que todos saibam qual é!). Caso contrário, a finalidade de um sistema de informações geográficas, de permitir o cruzamento de informações visando tomada de decisões, não será atingida.

Para exemplificar a seriedade do problema, considere a figura ao lado. Nela, um mesmo ponto é representado em um trecho de um mapa urbano qualquer, na escala de 1:6.000, construído no SAD-69. O ponto em questão é a RN-18, que, no terreno, se encontra às margens de uma avenida no cruzamento com a linha férrea. Logo, a representação deste ponto deve refletir a sua posição real. Como o banco de dados usado para a construção do mapa (neste caso, a própria base cartográfica) está atrelado ao SAD-69, toda a representação está, de forma consistente, relacionada a este sistema de coordenadas. Logo, a RN-18 está representada corretamente.

Mas o que aconteceria se a questão do sistema de coordenadas não fosse corretamente tratada, isto é, se fossem utilizadas as coordenadas da RN-18 como diretamente fornecidas por um receptor GPS, ou retiradas de uma listagem em Córrego Alegre? Neste caso, a RN-18 seria representada erroneamente. Este fato é mostrado na figura. Nota-se claramente que a RN-18 pode estar localizada em três posições diferentes, cada qual em um sistema de coordenadas. Deste modo, fica claro o que pode acontecer se o banco de dados for inconsistente no tocante ao sistema de coordenadas utilizado!

Marcelo Carvalho dos Santos é doutor em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick (Canadá), professor adjunto do Departamento de Geociências e vice-coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Geodésicas, da UFPR. email: mcsantos@geoc.ufpr.br