As dicas para se adotar a melhor chave geográfica no caso de mudança de Datum no Brasil.

A inscrição imobiliária do tipo setor, quadra e lote (SQL) são comumente usadas em muitos municípios no Brasil e também em outras partes do mundo, tendo como princípio agrupar lotes em quadras e estas em setores.

A proposta de ser utilizada uma chave geográfica como inscrição imobiliária não é uma idéia nova, mas com o advento do GPS (Global Positioning System) e de sua popularização, o uso de componentes geográficas para formar a chave de uma feição ou objeto geográfico não seria difícil de se consolidar.

A proposta deste artigo é mostrar como se pode utilizar uma chave geográfica na denominação e localização de objetos de uma prefeitura em substituição da tradicional setor/quadra/lote, sendo que esta nova chave pode ser utilizada em esferas estaduais ou federais e até no setor privado.

"O SIRGAS deve ser oficializado pelo IBGE apenas no final de 2005".

Existem algumas formas de se compor uma chave geográfica para a identificação de um lote. A mais comum se utiliza de uma setorização definida pelo agrupamento de quadras por suas características, por exemplo: loteamentos, bairros, crescimento urbano, limites definidos por acidentes geográficos ou até a composição de todos estes fatores. Para cada setor, as quadras ganham numeração que vai de 1 a N, o que causa uma repetição da numeração de quadras, mas em setores diferentes. Quanto aos lotes, são normalmente numerados de 1 a N, para cada uma das quadras.

A mudança desta chave requer um custo alto porque todos os documentos e aplicativos desenvolvidos estão fundamentados neste tipo de codificação. A mudança ou criação de um outro tipo de codificação implica na manutenção da chave anterior, como uma chave secundária por muitos anos, tendo em vista, que até nos documentos cartoriais ela é utilizada.

Mesmo antes do ad-vento do GPS, já se pensava em criar números de inscrições para um lote. Faz-se isso através de uma composição de coordenadas plano retangular em conjunto com critérios métricos para a numeração do lote ou ainda utilizando-se o endereço. Isto é comum nos Estados Unidos como parte da codificação de um lote. A implantação de uma chave geográfica requer ainda a definição de um Modelo de Representação da Terra, ou seja, um Sistema de Projeção e Datum.

O uso de GPS e do SIG (Sistema de In-formações Geográficas) facilita o uso de Chaves Geográficas, o que já foi constatado em novembro de 2002, já que o condado de Henrico, na Virgínia, está adotando uma chave geográfica, denominada de GPIN (Geographic Parcel ID Number) mas, até o momento, não foi descrito como foi a implementação desta, mencionando apenas que o usuário indica o lote e a chave é montada automaticamente.

Proposta de Chave Geográfica Híbrida.

Nos anos 70, a Fundação Prefeito Faria Lima (CEPAM), concebeu uma chave Híbrida, parte geográfica e parte métrica e alguns municípios, como de Valinhos-SP, adotam este conceito. O principio é muito simples, partindo do uso de coordenadas planas retangulares, organizadas de forma a criar uma região geográfica (setor) de um quilômetro quadrado e para a quadra, define-se uma origem de coordenada para numeração desta, tendo como critério de escolha a "esquina" mais ao norte e mais a leste. Os lotes são numerados através da testada, em metros, contados a partir do ponto de origem da quadra, como pode ser visto na figura abaixo.


Funcionamento da Chave

Esta forma de chaves possui vantagens e desvantagens. Ela limita uma área de atuação de 100 por 100 km; traz precisão de objetos sem repetição de chave de 10 metros; através das coordenadas, facilita o usuário saber em qual parte da cidade ele está situado, desde que a municipalidade não esteja em uma área em que a centena de milhar das coordenadas não tenha acréscimo ou decréscimo. A testada somatória ainda tem a vantagem nos desmembramentos e remembramentos, mas no caso de uma quadra ser dividida por uma nova rua, haverá a mudança nas chaves das duas quadras remanescentes, podendo ocorrer em certos casos até a mudança de setor, ou ainda, quando da inserção de um novo loteamento "encostado" em quadras existentes. Outro caso poderia ser o de uma viela sem saída que é incorporada em um lote, ou seja, uma área pública que se torna privada, através do processo de desafetação. Sendo assim, como descontar a testada somatória daquela viela?

Chave de lote com endereço.

Poderia ser outra forma de endereçar um lote, contudo esta codificação estaria limitada apenas à área da cidade onde existem logradouros "regularizados", ou seja, onde se tem lançamento de tributos, como também a municipalidade ficaria dependente do CEP (Código de Endereçamento Postal).

Importante ainda ser lembrado que a área rural paga tributos ao INCRA e tributos municipais sobre as atividades rurais, recebendo atendimento da prefeitura, como por exemplo: saúde e educação, então, tem a necessidade de ser "localizado" pelo poder público municipal.

Sistema de Projeção.

A Terra é um sólido que não se parece com nenhum outro, por essa razão é chamado de geóide. Na prática, o geóide assemelha-se a um elipsóide de revolução, girando sobre o seu eixo menor. As características desse elipsóide foram sendo determinadas com o progresso dos conhecimentos e vários modelos foram sendo propostos no decorrer do século XIX e XX. (ver figura 02).


Figura 2.

Os elipsóides vêm evoluindo e a cada novo modelo, os valores estão cada vez mais próximos. As diferenças entre os elipsóides mais utilizados (GRS80 e WGS84) são "quase" desprezíveis. (ver tabela 01).


Tabela 1.

Entre Córrego Alegre, SAD 69 e WGS84, ocorreram muitas mudanças nos eixos do elipsóide, mas entre o SIRGAS (Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas) e o WGS84, que tem o mesmo elipsóide, a mudança é muito tênue, como mostra o quadro, sendo que a diferença encontrada é em virtude das últimas medições (campanha), podendo-se dizer que são equivalentes, então, a adoção tanto de um quanto do outro, não causaria nenhum inconveniente, principalmente na adoção de uma chave geográfica.

O único problema reside numa questão legal, visto que o Brasil adota SAD69 e o SIRGAS deve ser oficializado pelo IBGE apenas no final de 2005 e não se pode adotar o WGS84, mesmo sendo quase equivalente ao SIRGAS, já que não é oficial. Contudo a utilização de uma chave geográfica para uso interno já pode ser utilizada adotando-se o WGS84, e posteriormente quando ocorrer a mudança para o SIRGAS, não existiriam alterações significativas em posicionamento.

SIRGAS

Projeto SIRGAS foi iniciado na Con-ferência Internacional para Definição de um Datum Geocêntrico para a América do Sul, ocorrida de 04 a 07 de outubro de 1993, em Assunção, Paraguai, a convite da Associação Internacional de Geodésia – IAG, do Instituto Pan-americano de Geografia e História – IPGH e da Agência Cartográfica do Departamento de Defesa dos EUA – DMA (atualmente, Agência Nacional de Mapas e Imagens – NIMA).

Os participantes da Conferência de Assunção adotaram as seguintes definições para o sistema de referência e o datum geocêntrico para o continente:

Sistema de referência SIRGAS: IERS (International Earth Rotation Service) Terrestrial Reference Frame (ITRF);

Datum geocêntrico: eixos coordenados baseados no sistema de referência SIR-GAS e parâmetros do elipsóide "Geodetic Reference System (GRS) of 1980".

A adoção do ITRF como sistema de referência comum garante a homogeneização de resultados internamente ao continente e permite uma integração consistente com as redes dos demais continentes, contribuindo cada vez mais para o desenvolvimento de uma geodésia global.

Chave com coordenadas plano retangulares.

Primeiramente se deve escolher um sistema de referência para a proposição de uma chave geográfica que basicamente pode ser de dois tipos: um plano retangular como base de aquisição de coordenadas e outro utilizando diretamente as coordenadas f (Phi) e l (Lambda), ou seja, latitude e longitude respectivamente.

Se baseando na proposta do CEPAM e fazendo alterações, para que cada objeto tenha uma chave única, dividida em região geográfica e código do objeto.


Figura 3.

Vantagens e desvantagens da proposta do CEPAM.

 O fato de não existir um número para quadra, pode causar um impacto inicial, pelo princípio já amplamente difundido de existência de um número para a quadra. Uma solução, apenas para se obter um número de quadra, poderia ser a adoção da combinação da casa das centenas do par de coordenadas da parte mais central da quadra. Não pode ser extraída diretamente da chave individual de cada objeto por que em alguns casos nem sempre seria igual ao da quadra, apenas um número próximo;

 Um PTL poderia ter uma vida útil mais longa do que um baseado em um Sistema de Projeção/Datum que com a alteração de Datum mudam as coordenadas plano retangulares, mas se o sistema de referência for geocêntrico minimiza uma série de outros problemas como, por exemplo, o fato do GPS não fornecer co-ordenadas de PTLs.

 No caso de utilizar um Sistema de Projeção/Datum, possibilita ao usuário, de posse de um GPS de navegação, encontrar a feição rapidamente através da chave.
Para a criação de uma chave utilizando uma malha plano retangular, implica na adoção de um Sistema de Projeção, podendo ser: UTM (Universal Transversa de Mercator), TM (Transversa de Merca-tor) ou PTL (Plano Topográfico Local). Definindo-se um Sistema de Projeção, é necessária a escolha do Datum, e neste caso, a adoção de um sistema que seja Geocêntrico tem a vantagem de ser re-solvido o problema da verticalidade, que em muitos casos, a municipalidades ado-tam um PTL para facilitar os serviços de topografia e cadastro técnico municipal.

Basicamente têm-se três Data para se-rem escolhidos:

SAD69 (South American and Austra-lian Datum 1969), que não é geocêntrico;

SIRGAS (Sistema de Referência Geocên-trico para as Américas) que estará substituindo o SAD69;

WGS84, utilizado diretamente pelo GPS, sendo equivalente ao SIRGAS, com uma diferença muito pequena como visto no quadro comparativo. Destes, a escolha mais adequada seria o SIRGAS.

Dos Sistemas de Projeção temos UTM e TM. Sem entrar em detalhes de cartografia, seria melhor o UTM porque a maioria dos usuários, de uma forma geral, já está mais familiarizada. Já o PTL, independente da mudança de Datum, ele não se altera, mas existe o inconveniente de não poder ser lido diretamente por um GPS. É necessário que se faça a transformação da co-ordenada obtida pelo GPS para o PTL e a maior parte dos usuários não estão habituados com este tipo de Sistema de Projeção.

Um exemplo da proposta de uso de chave geográfica utilizando em coordenadas plano retangulares pode ser visualizado na figura 3.

Chave com coordenadas geográficas (Lon/Lat).

Pode-se usar também uma chave geográfica utilizando-se as coordenadas geográficas, latitude e longitude. A vantagem é ficar livre do sistema de projeção, sendo o único referencial o Datum/Elipsóide e utilizando-se WGS84 ou SIRGAS.

A primeira providência seria a transformação das coordenadas graus sexagesimais, com 2 casas decimais para o segundo em graus decimais, utilizando-se apenas 5 casas decimais (por arrendodamento), que seria o suficiente para uma variação de 1 metro de uma posição para outra. (ver box abaixo).

A variação em graus decimais se comporta da seguinte forma:

0,01 – 720 metros aproximadamente

0,001 – 108 metros aproximadamente

0,0001 – 10,8 metros aproximadamente

0,00001 – 1,08 metros aproximadamente

A variação de um centésimo de milésimo equivale a aproximadamente 1 metro e que em graus sexagesimais e a variação de uma unidade desta grandeza causaria uma variação aproximadamente de 0,03 segundos (três décimos de segundo), podendo assim, utilizar-se graus sexagesimais com leitura até o centésimo de segundo apenas.

Para exemplificar, tratemos o seguinte par de coordenadas: 23° 50´ 10,28" = 23,83619° e 45° 35´ 50,32" = 45,59731°

A chave poderia ser composta da seguinte forma: 23458359619731, onde 2345, seria uma região de 1 grau por 1 grau (equivalente a aproximadamente 110 por 110 km), 8359, seria um tipo de setor de aproximadamente 720 por 720 metros e 619731 seria o código do objeto.

O interessante é que se pode usar esta chave em uma amplitude global e se pode dividir a terra em 4 quadrantes, sendo que o Brasil figura com a maior parte no quadrante 3 (oeste -sul) e pequena parte no 1 (oeste-norte). Assim, bastaria acrescentar 3 ou 1 na frente da chave.

Conclusões

Pode-se adotar uma chave geográfica, utilizando um sistema de projeção plano retangular ou não, que a variação de co-ordenadas, caso seja trocado o Datum, não apresentará mudança significativa que inviabilize o uso da chave caso se adote primariamente o WGS84 como referência, para posterior troca pelo SIRGAS. Um outro fator, que ajuda neste sentido, é que os aplicativos SIGs disponíveis no mercado fazem a trans-formação Datum/Sistema de Projeção "on the fly" (em tempo real).

O princípio de chave geográfica pode ser aplicado a todos os objetos, lembrando que a capacidade de posicionar objetos nesta proposta, sem repetição de chave, é de 1 metro, como também, a mudança de elipsóide não implicaria em mudanças significativas, mesmo porque, muitos objetos são maiores que 1 metro ou próximo disto, como no caso de postes e árvores.

Ricardo de Miranda Kleiner
PRODAM – Processamento de Dados do Município de São Paulo
Divisão de Geoprocessamento
rkleiner@prodam.sp.gov.br