Arc/Info e o futuro do GIS

O colunista Gilberto Câmara analisa as tendências da ESRI e dos softwares de GIS para os próximos anos, detectadas na entrevista dada por David Maguire, diretor de planejamento de produtos da empresa, para a última infoGEO

Interface do GIS de acordo com a ESRI.

De uma coisa podemos ter certeza: especulações sobre o futuro são tão necessárias quanto fadadas a erros garrafais. No entanto, é impossível não resistir à tentação de analisar a intrigante entrevista de David Maguire (um dos "gurus" do Geoprocessamento e atualmente diretor de novas tecnologias da ESRI), publicada no último número da InfoGeo.

As opiniões de Maguire, combinadas com o anúncio do ARC/INFO-8, sinalizam um conjunto substancial de mudanças num dos GIS mais populares do mercado. Antes de analisar a entrevista de Maguire, é conveniente passar em revista o cenário atual da tecnologia de GIS, com algumas tendências gerais:

Bancos de dados relacionais estendidos (ou orientados-a-objetos) para armazenar tanto a descrição quanto a geometria dos objetos geográficos (em representações vetoriais), e para suportar ambientes multi-usuário. Exemplos: SDO/Oracle, VISION, GeoMedia e Smallworld.

Modelos de dados orientados-a-objetos para organizar a informação geográfica, através da criação de subtipos e de seus atributos, presentes em produtos como Smallworld e SPRING.

Ferramentas sofisticadas de análise geográfica, como geoestatística, como nas novas versões do IDRISI, ILWIS e SPRING.

O que nos diz Maguire ? Essencialmente, que o ARC/INFO-8 é um outro sistema, concebido de forma totalmente diferente que o ARC/INFO tradicional e que incorpora todas as tendências acima. Porque esta mudança? O objetivo básico foi renovar um produto que tem forte base instalada, mas que já não escondia mais as marcas do tempo. Quando o ARC/INFO foi originalmente concebido, no início da década de 80, tecnologias como Internet, Orientação-a-objetos, Bancos de Dados Objeto-Relacionais, Sistemas Distribuídos e Geoestatística ainda não existiam ou pertenciam aos domínios de pesquisa científica. Nada mais natural que desenhar um novo produto para este novo cenário tecnológico.

Essencialmente, o que há de novo no ARC/INFO-8? A adoção de um modelo de dados orientado-a-objetos para organizar a geoinformação e o uso de bancos de dados relacionais para arquiva-la. O conceito central do ARC/INFO-8 é geodatabase, um banco de dados relacional que contém objetos geográficos e compõe uma estrutura hierárquica.

Num geodatabase, operamos com dados geográficos de forma muito semelhante ao que fazemos com dados administrativos convencionais. Cada tipo de dado geográfico corresponde a uma tabela diferente do banco de dados, e cada entidade será armazenada como uma linha desta tabela (incluindo suas coordenadas).

Através de regras de relacionamento entre diferentes entidades, podemos representar elementos mais complexos como mapas e redes. Neste modelo, as aplicações mais simples arquivam os dados vetoriais num banco de dados Access, da mesma forma que faz o GeoMedia (da Intergraph). Inclui-se ainda suporte para aplicações multiusuários, através de uso do produto ArcSDE.

Do ponto de vista de estrutura de dados, esta mudança representa ainda o abandono da estrutura de armazenamento explícito da topologia vetorial em arcos, nós e polígonos, que caracterizou o ARC/INFO e que está na origem do nome do produto.

O que ficou faltando? A nosso ver, um melhor tratamento de dados como modelos numéricos de terreno e imagens, que continuam não organizados explicitamente num geodatabase, sendo tratados como arquivos de dados externos.

Outra lacuna conceitual é a falta de uma linguagem de consulta e manipulação de alto nível, à semelhança de ambientes como AVENUE (ARC/VIEW) ou LEGAL (SPRING). Para personalizar suas aplicações, o usuário de ARC/INFO-8 terá de utilizar VisualBasic, o que limita seu uso a ambientes WindowsNT.

Outro problema na nova concepção é a aparente falta de integração lógica com demais produtos da companhia. A ESRI possui mais de 20 produtos diferentes, alguns com muita superposição (como o ARC/INFO-8, Arc/View, MapObjects e AtlasGIS), e a empresa não está explicitando um caminho de unificação ou de operação conjunta, deixando o julgamento a cargo do usuário.

Qual o possível impacto na comunidade? Para usar em sua plenitude o novo sistema, os atuais usuários do ARC/INFO tem de apreender um grande conjunto de novos conceitos, e de realizar operações de conversão de dados. Haverá um custo na migração de coverages para geodatabases, e alguns podem ser tentados a adotar um sistema concorrente. A quantidade de novos conceitos pode também assustar grupos iniciantes e fazer com que eles optem por sistemas mais "simples".

David Maguire, diretor de planejamento de produtos da ESRI, entrevistado pela infoGEO em novembro de 1.999.

Em resumo, trata-se de uma aposta corajosa da ESRI, que ousou romper com o próprio legado e buscou reinventar-se, para tentar manter sua posição de liderança no mercado. Apesar dos riscos, do ponto de vista dos que trabalham com Ciência da Informação Espacial, o novo ARC/INFO deve ser saudado como um importante avanço. Este colunista não pode resistir à tentação de comentar que, após anos pregando as vantagens da orientação-por-objetos, é agradável vermos um dos líderes do mercado adotar este paradigma e sinalizar para que a comunidade de usuários atualize e aprimore seus conceitos de geoinformação.

Gilberto Câmara (www.dpi.inpe.br/gilberto) é coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento em Geoprocessamento do INPE, e é um dos responsáveis pelo desenvolvimento do sistema SPRING.