Com o fim da Disponibilidade Seletiva, abre-se uma nova era para o Sistema de Posicionamento Global

A comunidade de usuários do Sistema de Posicionamento Global teve uma agradável surpresa ao ser informada, através de anúncio oficial por parte da presidência dos Estados Unidos da América, no dia 1 de maio passado, que o desligamento da Disponibilidade Seletiva ocorreria a zero hora (horário de Washington) do dia seguinte. Dentro do plano de modernização do GPS, o desligamento da Disponibilidade Seletiva (SA- Selective Availability, em inglês), que já vinha sendo estudado desde 1996, ocorreria até no máximo 2006. Porém, desde o começo de 1999, existia uma avaliação mensal sobre a sua importância, feita pelo Departamento de Defesa. A decisão de desligá-la indica que ela deixou de ser uma prioridade militar. O Departamento de Defesa vem testando (aparentemente com sucesso) a capacidade de restringir o acesso aos sinais em áreas limitadas geograficamente (no caso de algum conflito). Também importante é o fato de que é cada vez maior o número de rádios faróis ao redor do mundo, o que começa a tornar a existência da Disponibilidade Seletiva algo irrelevante.

A antecipação do desligamento da SA pode ser entendida também como uma indicação de que o plano de modernização do GPS é mesmo para valer. Ao mesmo tempo, ela pode ser vista como uma reação a iniciativas que podem ameaçar a hegemonia do GPS como sistema primário para posicionamento e navegação, como a do sistema europeu Galileo. O plano de modernização do GPS compreende, além do desligamento da Disponibilidade Seletiva, uma outra medida de impacto para os usuários civis: a inclusão de um novo sinal.

Mas, quais as conseqüências do desligamento da Disponibilidade Seletiva? Para responder essa pergunta, vamos relembrar rapidamente o que a Disponibilidade Seletiva, ou SA, representa. Ela corresponde a uma degradação proposital dos sinais destinados aos chamados usuários civis, aqueles que utilizam receptores de uma única freqüência e se posicionam com o código C/A, em uma solução de navegação (posicionamento isolado). Esse tipo de posicionamento é normalmente chamado de Serviço de Posicionamento Padrão (SPS). Oficialmente, esse serviço oferece precisão horizontal de 100 metros (com um nível de confiança de 95%) e precisão horizontal de 156 metros (também com um nível de confiança de 95%) sob o efeito da Disponibilidade Seletiva. A justificativa para a degradação dos sinais, por parte do Departamento de Defesa americano, era de garantir que os chamados "usuários autorizados", com acesso ao chamado SPP – Serviço de Posicionamento Preciso (usando o código P) pudessem se posicionar com maior precisão que os usuários civis. Contudo, a prática vinha mostrando ser possível se posicionar com uma precisão da ordem dos 30 metros, mesmo com a SA ligada, com um nível de precisão próximo dos 67%, porém ainda acima do SPP.

Com o fim da Disponibilidade Seletiva, abre-se uma nova era. O efeito que ela tinha sobre os receptores de uso civil, e o quanto o seu fim beneficia a comunidade de usuários, podem ser apreciados através da figura abaixo. Nela, apresenta-se a diferença, com respeito ao valor médio, das componentes horizontal e vertical, em uma solução de navegação, que envolve somente observações de pseudodistâncias baseadas no código C/A. Os dados utilizados são oriundos da estação Fortaleza, localizada no município de Eusébio, Ceará, e que pertence à rede mundial do IGS, fazendo parte também da RBMC.

Nesta figura, pode-se ver dois comportamentos distintos das duas componentes, antes e depois das 4 horas UTC, momento no qual a Disponibilidade Seletiva foi desligada. No primeiro, que vai das 0 horas UTC até às 4 horas UTC, ainda sob a influência da Disponibilidade Seletiva, vê-se uma maior variação das duas componentes. Elas apresentam grande variabilidade e atingem valores máximos um pouco maiores do que 100 metros e 50 metros, respectivamente. Os valores, a um nível de 95%, são de 26,3 e 87,4 metros para as componentes horizontal e vertical, respectivamente. No segundo, após as 4 horas UTC, com a Disponibilidade Seletiva desligada, pode-se ver uma menor variabilidade, com valores máximos para as componentes horizontal e vertical, respectivamente, abaixo dos 20 e 40 metros. Agora, os valores, a um nível de 95%, baixaram para 8,7 e 26,0 metros, respectivamente. No segundo, após as 4 horas UTC, com a Disponibilidade Seletiva desligada, pode-se ver uma menor variabilidade, com valores máximos para as componentes horizontal e vertical, respectivamente, abaixo dos 20 e 40 metros. Agora, os valores, a um nível de 95%, baixaram para 8,7 e 26,0 metros, respectivamente.

Deve-se destacar que os resultados apresentados acima são valores que certamente irão variar, por exemplo, de acordo com a configuração geométrica da constelação, o número de satélites em vista (restrições locais ou geográficas), e são apresentados com o único propósito de ilustrar o que o desligamento da degradação do sinal do GPS acarreta.
Uma pergunta que pode ser feita diz respeito ao DGPS. Vale a pena ainda investir nesse tipo de solução? No nosso entender a resposta é que ainda vale, pois a melhoria no posicionamento isolado, como visto acima, deverá acarretar em uma melhoria no posicionamento baseado no DGPS, pois as correções diferenciais serão melhor determinadas. Os aspectos relativos ao intervalo entre a transmissão das correções diferenciais têm também a ganhar.

Outro fator positivo diz respeito à resolução da ambigüidade, pois com uma pseudodistância mais precisa, o tempo necessário para uma solução on-the-fly torna-se menor. A fase da portadora continua sendo a observável mais precisa. Para finalizar, deve-se ter em mente que o fim da Disponibilidade Seletiva é apenas uma etapa no processo de modernização do GPS. Outras etapas ainda são necessárias para que o GPS mantenha o seu status corrente.

Marcelo Carvalho dos Santos
é Ph.D. em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick, Canadá, onde é professor adjunto e membro do Laboratório de Pesquisa Geodésica.
E-mail: msantos@unb.ca