Talvez o principal impacto do IKONOS venha a ser despertar a comunidade de Geoinformação sobre o poder das imagens de alta resolução, produzidas ou não por satélite.

Neste número da infoGEO, os leitores podem apreciar uma completa reportagem sobre o advento dos sensores orbitais de alta resolução, como o IKONOS. O enorme impacto visual, técnico e gerencial causado por estas imagens é provavelmente a maior revolução recente da Geoinformação, depois do advento do GPS. Neste artigo, estaremos discutindo em maior detalhe algumas alternativas ao uso de satélites para produção de imagens de alta resolução.

Vale lembrar algumas das aplicações possíveis para imagens de alta resolução (geradas ou não por satélites). O primeiro deles é o simples uso da imagem como elemento de fundo nos levantamentos cadastrais para prefeituras e propriedades rurais de pequeno porte. Apesar de parecer tecnicamente trivial para os especialistas em processamento digital de imagens, apenas a disponibilidade de imagens como "pano de fundo" já reduz substancialmente a necessidade de contratação de serviços de restituição aerofotogramétricos tradicionais. Neste caso, ao invés de receber algo como 50 (ou até mais) níveis de "overlays" vetorizados contendo informações sobre bueiros e árvores, pode-se contratar a restituição apenas dos componentes indispensáveis para a montagem da base de dados municipal.

Outro uso possível para as imagens de alta resolução é sua capacidade (em teoria, pelo menos) para geração automatizada de modelos numéricos de terreno, a partir de pares estéreo. No caso de satélites como o IKONOS, existem várias dificuldades práticas a vencer, pois os problemas de cobertura de nuvens muitas vezes impedem a produção de pares estéreo com recobrimento e ângulos de visada necessários. No entanto, deve-se lembrar que muitas cidades brasileiras já dispõem de modelos numéricos de terreno, obtidos por vôos aerofotogramétricos recentes, não havendo uma necessidade tão premente de atualização.

Uma terceira questão diz respeito às questões de resolução espacial: qual o potencial efetivo de imagens com resolução espacial da ordem de 1 metro? Elas podem ser utilizadas para um mapeamento básico completo dos lotes e quadras de uma cidade? Neste ponto os especialistas se dividem, mas a maioria dos técnicos do setor (consultados pelo colunista) afirma que as características do satélite não são compatíveis com as necessidades de um mapeamento básico inicial, que exigem resolução da ordem de 0,25 m. Deste modo, o IKONOS seria um poderosa ferramenta para atualização, uma vez que a base cadastral já tenha sido produzida anteriormente com melhor resolução.

Neste ponto, cabe a pergunta: Existem alternativas? Uma destas possibilidades, que examinamos neste artigo, envolve combinar o uso de aerolevantamento com uma grande ênfase no processamento digital das imagens e a eliminação parcial ou total dos processos de restituição aerofotogramétricos tradicionais.
Tomemos o caso de uma prefeitura de médio porte que já dispõe de um cadastro municipal de lotes na forma tradicional (alfanumérica) e deseja atualiza-lo. Este processo funcionaria, em termos gerais, da seguinte forma:

1-Faz-se um levantamento aerofotogramétrico com câmeras métricas para assegurar melhor precisão, tipicamente com resolução da ordem de 0,25m e erro de posicionamento menor que 1.0m.

2-Através de procedimento de ortoretificação semi-automatizado em computador (muito mais barato que o convencional), são produzidas orto-imagens e gerado um mosaico digital da cidade.

3-A partir do mosaico, serão restituídos apenas os elementos indispensáveis para o cadastro municipal, como as faces de quadra e os eixos de logradouros.

4-O cadastro alfanumérico da prefeitura é então espacializado por testada de lote ou centro do lote.

5-No GIS, são identificados visualmente as unidades com discrepância sensível em relação aos dados do cadastro. A partir desta identificação, será feito um recadastramento seletivo, em que apenas unidades com discrepância são visitadas.

O resultado deste procedimento é uma base de dados Georreferenciada confiável, que poderá ser atualizada posteriormente com uso de imagens IKONOS ou com levantamento aerofotogramétrico com resolução compatível com o satélite. Neste caso, consultas feitas pelo colunista indicam uma relativa equivalência entre o custo do aerolevantamento e o custo das imagens, para a mesma resolução espacial.

Em resumo, talvez o principal impacto do IKONOS não venha a ser que nos tornemos todos usuários de suas imagens, mas despertar a consciência coletiva da comunidade de Geoinformação sobre o poder das imagens de alta resolução, produzidas ou não por satélite. Neste contexto, o real diferencial é a união judiciosa das tecnologias de processamento digital de imagens e GIS para produzir soluções eficientes e adequadas.

Gilberto Câmara
é coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento em Geoprocessamento do INPE, sendo um dos responsáveis pelos sistemas SGI e SPRING (www.dpi.inpe.br/gilberto).