Medidas e soluções para o problema da administração de terras no Brasil e no mundo

Nos últimos tempos os jornais têm abordado o problema relativo a terras no Brasil, o que denota maior ação do Estado. Em um artigo publicado em março no O Estado de São Paulo, o INCRA informa que pretende recadastrar 4,8 milhões de imóveis até fins de 2003. Na sua home page o Instituto esclarece a importância das tecnologias GPS e Sensoriamento Remoto. Os imóveis são identificados pelas coordenadas dos pontos de divisa, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro. O que permite a realização de estudos com resultados mais efetivos, entre eles, a comparação com os títulos das terras Públicas que de longa data vêm sendo referidas ao Sistema Geodésico Brasileiro. As imagens ajudam na visualização e classificação do uso da terra. Um dos primeiros resultados é o cancelamento do CCIRs de 3065 imóveis. Somente 1899 proprietários tentaram provar que são legítimos donos, escreve Hugo Marques da Agência Estado. As primeiras divulgações são da região amazônica; outras regiões estão sendo estudadas e maior número deverá ser verificado.

O esforço do governo brasileiro aparenta vir de encontro aos conceitos de um cadastro contemporâneo, mas muito ainda há por fazer. Possuímos um território vasto, com realidades diversas, e pretendemos um desenvolvimento sustentável, que demanda uma estrutura cadastral condizente, incluindo-se aí referenciais consistentes e especificações adequadas, para bem principiar.

A relação do homem com a terra – tanto urbana quanto rural – sofreram significativas alterações no decorrer do tempo; de uma situação na qual significava principalmente poder e riqueza para o proprietário, passou a ter, significados de um recurso comunitário escasso, bem como o de riqueza e de mercadoria (commodity). Essa evolução de valores foi acompanhada pelo cadastro, vide fig 1. Esta relação apresenta-se dinâmica e provavelmente sofrerá novas alterações. Mas um conceito deve ser permanente: a estreita dependência do homem em relação à terra e seus recursos. Nela está o alimento, a água, o abrigo e a qualidade de vida. É necessário que esses direitos sejam assegurados às gerações futuras. Podemos permitir que o uso dado à terra hoje, deixe como legado a fome, a sede e o desabrigo, à nossa e às demais espécies? Daqui a cem anos, praticamente todos nós não existiremos mais, sobrevirão novas gerações, mas o ambiente deverá estar disponível e preservado para suporte à vida.

A administração de um bem tão essencial preocupa nações em todo o mundo nas últimas décadas. Há crescente entendimento de que sistemas cadastrais possuem um importante papel no suporte ao desenvolvimento econômico, gerenciamento ambiental e estabilidade social. Sob este enfoque, a Comissão Econômica das Nações Unidas vem adotando o termo land administration, ou administração da terra, em lugar do termo cadastro. A definição dada em 1996, particularmente na Europa, resume-se no que segue: "Administração da terra é o processo de determinar, registrar e disseminar informações sobre os direitos sobre a propriedade, valor e uso da terra quando da implementação de políticas de gerenciamento da terra".

Entendendo-se aqui que direitos sobre a propriedade (tenure) é a forma pela qual os direitos, restrições e responsabilidades, que o povo exerce com respeito a terra, são fixados. O cadastro poderia indicar diferentes formas de direitos tais como propriedade, locação e diferentes formas de se garantir direitos sobre a propriedade (UN FIG, 1999).

Conforme Wiliamson,2001, neste contexto considera-se que a administração da terra inclui o levantamento e mapeamento cadastral, o registro, os cadastros: fiscal; legal e multi-finalitário e sistemas de informação baseado em parcelas de terra.

Em outubro de 1999 as Nações Unidas e a Federação Internacional dos Agrimensores (FIG) promoveram, em Bathurst, na Austália o Workshop on Land Tenure and Cadastral Infrastructures for Sustainable Development. Deste evento foi extraída a Declaração de Bathurst sobre a Administração da Terra para um Desenvolvimento Sustentável, o qual alerta para a necessidade de se providenciar a proteção legal efetiva de direitos e acesso à propriedade, para todo homem ou mulher, incluindo povos indígenas e demais grupos vivendo em pobreza ou outros em condições desfavoráveis. Identifica a necessidade de promoção de reformas institucionais para facilitar o desenvolvimento sustentável e investimento em infraestrutura na administração da terra. Segundo o documento, isto traria ao povo completo e igual acesso a oportunidades econômicas correlacionadas com a terra.

Sob o ponto de vista da terra como um elemento do desenvolvimento sustentável, o documento identifica dois pontos principais:
1.A terra, como um recurso frágil e escasso, é um objeto de proteção ambiental.
2.A terra é igualmente um ativo para o desenvolvimento econômico e para o social.

Ressalta que a Declaração justifica e convoca para um compromisso, por parte da comunidade internacional e governos, no sentido de reduzir à metade o número daqueles que não têm acesso a direitos seguros de propriedade sobre a terra no mundo, até o ano de 2010.
Para realizar este compromisso o workshop propôs um conjunto de recomendações e reconhece que a tecnologia da informação é vista como elemento de crescente e importante função no desenvolvimento da infraestrutura necessária à administração da terra, provendo o efetivo acesso do cidadão a ela.

A Declaração de Bathurst adverte que os modelos cadastrais devem estar preparados para seguir um dinamismo decorrente do pensamento humano sobre o uso da terra, mais ainda, devem ser eficientes para administrar uma complexa gama de direitos e deveres, coexistentes e relativos ao solo, os quais são influenciados por fatores como a água, o uso pelas populações indígenas, a poluição e outros, prevendo-se até a existências de direitos que ainda não podem ser localizados nos mapas, como lugares sagrados ainda desconhecidos na atualidade.

O documento esclarece ainda que existem várias formas de registro ou cadastro, mas que a falta de uma infra-estrutura espacial para referenciar o registro dos direitos relativos à terra agrega significativas dificuldades.

UM, FIG Report of workshop on land tenure and cadastral infrastructures for sustainabel development, final edition. Bathurst, Australia. 1999
Wiliamson, I Cadastre in the 21st century (3). Geomatic Information Magazine, n 3 v 15, mar. 2001.
MDRA O Novo Mundo Rural, Projeto de Reformulação da Reforma Agrária em discussão pelo Governo, http://www.desenvolvimentoagrário.gov.br/miniterio/mundo.htm.

Régis Fernandes Bueno: Mestre em Engenharia pela EPUSP, Engenheiro Agrimensor pela FEAP, é professor adjunto na UNIP e diretor da Geovector Engenharia Geomática.E-mail: Rfbueno@attglobal.net.