As vantagens e desvantagens de se ter um sistema de posicionamento alternativo e complementar ao GPS

O primeiro semestre de 2002 parece reservar algum suspense. Neste período, o futuro do sistema europeu Galileo deverá ser finalmente traçado. A decisão definitiva sobre o sistema era esperada para dezembro de 2001, em encontro de ministros representando governos da comunidade européia. Como se sabe, o financiamento do sistema Galileo, projeto orçado em 3 bilhões de dólares americanos, deveria ser dividido entre os governos e a iniciativa privada européia, meio-a-meio. Esta parceria está sendo chamada de Parceira Público Privada (PPP). Contudo, o relatório final de uma consultoria contratada à firma Price Waterhouse Coopers, da Grã-Bretanha, divulgado em dezembro passado, acabou por adiar a decisão por parte do setor público. Torna-se claro que a contribuição por parte do setor público deve ser maior, podendo chegar a algo próximo de 70%, o que acarreta em rearranjos orçamentários. Contudo, entidades como a Agência Espacial Européia (ESA) e o Centro Europeu de Tecnologia Espacial (ESTEC) vêm agindo como se a questão do financiamento se resolva no próximo encontro do Conselho da Comunidade Européia.

Na verdade, existem alguns outros empecilhos no caminho do sistema Galileo além da questão do financiamento. E alguns deles ganharam força após os ataques terroristas do dia 11 de setembro. Desde o início, o sistema Galileo vem sendo apresentado como uma iniciativa com motivações políticas e comerciais. Os europeus estariam competindo em um mercado totalmente controlado pelo GPS através de um sistema desenvolvido, gerido e mantido na Europa. A reação dos EUA foi imediata com a adoção do plano de modernização do GPS. As eventuais vantagens para posicionamento e navegação que existiriam com o sistema Galileo passaram a não ser enfáticas frente à modernização do GPS. Contudo ainda se ganha em termos de confiabilidade e tempo de acesso à informação provida por dois sistemas.

Após 11 de setembro a questão da segurança ganhou uma nova dinâmica. Sabe-se que setores do Departamento de Defesa dos EUA alegam que o sistema Galileo pode se constituir em uma ameaça sob dois aspectos. O primeiro diz respeito a possível interferência entre a freqüência a ser usada pelos sinais Galileo com a nova estrutura de sinais GPS notadamente com o sinal militar M. Alega-se que isso pode diminuir a capacidade de se garantir acesso a sinais GPS em situações e áreas de crise ao mesmo tempo que eventuais adversários tenham este acesso negado. Outro aspecto diz respeito a gerência de um outro sistema. Em situações de crise, possíveis adversários poderiam se valer do sistema Galileo independente do GPS. Estas preocupações só podem ser resolvidas com boa-vontade e decisão política. Vale ressaltar que enquanto o GPS é um sistema de uso duplo (militar e civil), o sistema Galileo é um sistema que visa tão somente aplicações civis.

O fato é que a coexistência de dois sistemas globais de navegação é algo bastante interessante. Esta possibilidade era antevista para o sistema russo GLONASS. Este sistema teve o seu ápice em meados de 1996, quando a sua constelação atingiu a um número expressivo de satélites. Contudo, problemas orçamentários fizeram com que a constelação não fosse mantida e hoje tem-se um número quase inexpressivo de satélites. Isto pode ser visto na figura abaixo, que mostra o número de satélites GLONASS em funcionamento desde o lançamento do primeiro satélite, em dezembro de 1992, até o final do ano passado. Pairam dúvidas sobre o futuro do GLONASS.


Número de satélites GLONASS operacionais ao longo do tempo

A história do sistema Galileo é mais recente, remontando a 1994. Neste ano, uma comissão européia propôs a criação do chamado GNSS sob controle civil. Em 1995, em esforço liderado pela ESA, foi sugerido um sistema de aumento ao GPS e ao GLONASS (chamado de GNSS-1), para um posterior sistema independente, designado por GNSS-2.

Durante este período, os EUA/Canadá, e também o Japão e Europa Ocidental, vêm emanando esforços no sentido de desenvolverem capacidade para sistemas que aumentem a capacidade do GPS, conhecidos pelo nome genérico de Space-Based Satellite System (SBAS). São eles, respectivamente, o americano WAAS (e o canadense CWAAS), o japonês MSAS e o europeu EGNOS. Estes esforços por si só indicam as vantagens de se ter um sistema de posicionamento alternativo e complementar ao GPS. E é isso que o sistema europeu Galileo se propõe.

Rumamos para uma sociedade onde localização é cada vez mais importante. Por exemplo, as iniciativas em termos de serviços de emergência E911 nos EUA/Canadá e E112 na Europa, são um exemplo. Estes serviços visam propiciar, por exemplo, a localização imediata de celular enquanto ligado. Em situações de emergência esta capacitação é importante. (E para aqueles que não desejam que os outros saibam onde estão, basta desligar o celular.)

Vamos então esperar e ver. Mesmo que o tão necessário suporte financeiro para a realização do sistema Galileo não se efetive, algo de bom aconteceu como conseqüência dele: o processo de modernização do GPS. Aguardemos.

Marcelo Carvalho dos Santos é Ph.D. em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick, Canadá, onde é professor adjunto e membro do Laboratório de Pesquisa Geodésica. msantos@unb.ca