Quais as aplicações das imagens produzidas pelo satélite sino-brasileiro

Esta é uma crônica diferente, caro leitor. Escrevo-a no belo hall festivo da Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST), cujas paredes vermelhas são decoradas com ideogramas louvando o programa espacial chinês. Minha primeira visita a Beijing, cidade que mistura história e modernidade de forma única, é ocasião para uma reflexão sobre as imagens de sensoriamento remoto e, em especial, sobre o programa sino-brasileiro CBERS.

Belas fotos para a parede ou fontes atualizadas de informação? As imagens de sensoriamento remoto vêm se tornando ferramentas cada vez mais úteis para todos quantos lidam com o espaço geográfico, a partir do lançamento do satélite LANDSAT em 1974, que tornou operacional sua coleta sistemática. É evidente que o impacto mais imediato das imagens é sensorial, ao despertar nossa curiosidade pelo território que ocupamos. Após séculos de visualização do espaço através das abstrações ritualizadas dos mapas, de repente pudemos perceber que aqueles polígonos coloridos escondem uma textura rica e variegada, que as homogeneidades requeridas pela cartografia não contam toda a história, e que ademais o espaço está em perpétua mudança, transformado pelos homens e pelos elementos. Quem quiser exercitar sua percepção sobre nosso planeta pode começar por uma vista ao excelente site "Visible Earth" da NASA (http://visible.earth.nasa.gov), ou aqui mais perto, admirar os mosaicos do Brasil disponíveis no INPE (http://www.dpi.inpe.br/mosaico) ou na Embrapa Monitoramento por Satélite (http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br).

Além de estender nossas portas da percepção sobre a fragilidade do planeta em que vivemos, as imagens são fontes reais de informação. Quem vê bonitas imagens nem sempre sabe que na realidade tratam-se de dados numéricos, medidas de processos físicos de interação entre a luz solar incidente e o solo (no caso de radar, a energia incidente provém de antenas do próprio satélite). Cada satélite tem características próprias, das quais as mais importantes são: (a) a resolução espacial, que define o tamanho dos elementos do terreno que podem ser detectados; (b) o número e a largura das bandas espectrais, que funcionam como "filtros" numa fotografia convencional, através dos quais conseguimos distinguir entre os diferentes tipos de alvos; (c) a resolução temporal, que indica o número de dias requerido para obter duas imagens de um mesmo ponto; (d) a largura de faixa de imageamento, que indica qual a área coberta por uma imagem. Usualmente, estes parâmetros estão relacionados, pois na prática quanto melhor a resolução espacial, menor a faixa imageada. No caso das bandas espectrais, a regra geral é que um número maior de bandas implica numa melhor capacidade de distinguir as diferentes coberturas do solo. Uma maior resolução temporal implica na capacidade melhor de detectar mudanças e de minimizar o problema causado pelas nuvens, o inimigo número 1 das imagens ópticas. Para que o leitor tenha uma melhor base de comparação entre os diferentes sensores, a tabela 1 a seguir apresenta as características dos principais satélites ópticos cujas imagens estão disponíveis no Brasil.

Num cenário de grande variedade de sensores, é fundamental refletir sobre as razões que levam o Brasil a desenvolver sua própria família de satélites, e porque o faz com a China. O objetivo maior do governo brasileiro é dispor da capacidade de imagear o planeta, de forma independente dos países desenvolvidos, cuja postura recente é de restringir cada vez mais o fluxo de tecnologia de ponta para países como o Brasil. Precisamos garantir que teremos imagens tanto para mapear o desflorestamento da Amazônia quanto para fazer com que os estudantes de escolas públicas de primeiro e segundo grau possam descobrir seu país. E por que a China? Aqueles cuja imagem da China ainda está associada a um regime fechado ao mundo decerto se assustarão com o dinamismo e a vocação globalizante da China de hoje, com tecnologia moderna e uma capacidade de realização impressionante. Para o Brasil, a China é um parceiro cada vez mais estratégico, de quem precisamos a todo custo nos manter próximos.

Deste modo, é fundamental encarar o programa CBERS usando a sabedoria oriental. Como disse Mao Zedong, "uma caminhada de três mil quilômetros começa com o primeiro passo". O satélite CBERS-1, lançado em 1999, é apenas o primeiro resultado de uma estratégia de longo prazo que irá produzir satélites cada vez melhores e de mais ampla utilidade. Se suas características ainda estão aquém das disponíveis no LANDSAT, que se pense no salto para o Brasil que foi conseguir a independência dos EUA no projeto de satélites de sensoriamento remoto. O CBERS-2, além de ser uma versão melhorada do primeiro, garante a continuidade do programa. Nossos planos indicam que teremos um grande salto nos futuros satélites CBERS-3 e CBERS-4, cuja capacidade de imageamento, para aplicações ambientais, agrícolas e florestais no Brasil, deverá ser equivalente ou até exceder aos seus similares.

Ao pensar no programa CBERS, lembremo-nos do "I-Ching" (o livro das mutações), um dos clássicos da cultura chinesa, escrito pelo imperador Fu Hsi (2953-2838 B.C.), que já nos ensinava: "A dificuldade no começo traz supremo sucesso, se conseguimos empenhar-nos com perseverança. No começo de um trabalho difícil, o que vemos são nuvens e trovões. Assim, a tarefa do homem superior é gerar ordem a partir do caos."

Gilberto Câmara é coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento em Geoprocessamento do INPE, sendo um dos responsáveis pelos sistemas SGI e SPRING (www.dpi.inpe.br/gilberto).