Parceria entre a Prodabel e a Polícia Militar de Minas Gerais resulta no georreferenciamento das ocorrências policiais

Usando a geografia como denominador comum, as aplicações de GIS oferecem um patamar de diálogo entre as diversas classes profissionais envolvidas no desenvolvimento da aplicação. Quando todos percebem que essa diversidade de conceitos e opiniões, mediada pela tecnologia, é benéfica para o conjunto, o projeto progride rapidamente. Os recentes fatos que mobilizaram a opinião pública, devidamente incentivada pela mídia, ao combate à violência, demonstraram como é precária a comunicação e a cooperação entre nossos órgãos públicos ligados ao fenômeno. Por todo o país, surgiram exemplos de falta de diálogo entre polícias militar e civil, entre judiciário e ministério público, entre governo e sociedade. Conhecendo outros casos em que tal falta de diálogo pôde ser combatida com o uso de ferramentas GIS e dados geográficos, as notícias constantemente presentes na imprensa me levaram a trazer, para este artigo, um exemplo de solução viável, aplicável a qualquer cidade brasileira, considerando um mínimo de boa-vontade política e priorização de recursos públicos.

Esse exemplo veio aqui do quintal de casa. Dois anos atrás, foi estabelecido um canal de cooperação entre a Prefeitura de Belo Horizonte, através da Prodabel, e a Polícia Militar de Minas Gerais, para uma iniciativa de georreferenciamento de ocorrências policiais. A idéia de se tentar detectar padrões espaciais de distribuição dos eventos criminais já havia sido explorada alguns anos antes, quando a PBH produziu uma série de indicadores sócio-econômicos para o cálculo do Índice de Qualidade de Vida Urbana em 84 diferentes regiões da cidade. Desta vez, a iniciativa ganhou força por um motivo prosaico, bem

o técnico. Usando as informações disponíveis do mapeamento básico de Belo Horizonte, juntamente com o nosso sistema de endereçamento individual, em que cada endereço postal é georreferenciado, foi possível localizar no território do município todas as ocorrências do ano e de alguns anos anteriores que estavam devidamente informatizadas em um sistema convencional da PMMG.

O resultado foi um banco de dados muito rico, cheio de possibilidades. Além da localização de cada ocorrência, estavam disponíveis dados como a data (e portanto dia da semana), hora e tipo de evento, e muitos outros. Com base apenas nesses três primeiros fatores, foi possível conceber diversos tipos de análises. Como se distribuem espacialmente e ao longo das horas do dia os assaltos a mão armada? Como se distribuem ao longo da semana os roubos a bancos, e quais as regiões preferidas pelos assaltantes? Em que regiões da cidade estão concentrados os roubos de veículos? Mais ainda, quando se percebeu que seria possível utilizar outros dados georreferenciados disponíveis, em especial dados de infra-estrutura urbana e dados sócio-econômicos, a quantidade de perguntas não parou de crescer.

Nesse momento, constatou-se que nem a PMMG nem a Prodabel dispunham do arcabouço teórico e metodológico para analisar esses dados e chegar a conclusões adequadas, e a interdisciplinaridade tornou-se um requisito ainda mais importante. A PMMG buscou, então, um convênio com a UFMG, através do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública ( CRISP ), comandado pelos professores Cláudio Beato, sociólogo, e Renato Assunção, especializado em geoestatística e estatística espacial. Atualmente, os resultados da análise desses dados influenciam fortemente a maneira segundo a qual a PMMG distribui seu efetivo, tanto espacialmente quanto temporalmente, além de indicar ações táticas para a prevenção da criminalidade.

Há quem argumente que o resultado desse trabalho é um pouco óbvio, do ponto de vista da polícia: afinal, mesmo sem visualizar as ocorrências em um mapa a PM deve ter uma boa idéia das áreas de concentração e dos tipos de ocorrência mais comuns, e a distribuição usual do efetivo deve corresponder a essas informações. Ocorre que ainda falta envolver um elemento importantíssimo no combate à criminalidade: a própria comunidade. Organizada nos Conselhos de Segurança Pública (CONSEP), a sociedade tem hoje a oportunidade de participar das decisões da PMMG quanto às táticas e quanto à operação policial em cada região da cidade. Mapas temáticos e gráficos, produzidos a partir das análises espaciais e dos dados georreferenciados, dão aos conselheiros instrumentos para perceber o comportamento dos criminosos na sua vizinhança. Neste caso, o SIG está sendo usado não como uma ferramenta de banco de dados e de análise espacial, mas como um poderoso instrumento de comunicação. A interdisciplinaridade novamente aparece, mas neste caso a área de especialidade dos conselheiros é exatamente o conhecimento das condições da região em que moram.

É claro que não se está falando de uma solução definitiva para o problema da criminalidade, mas em algo que deveria ser o grande diferencial entre a ação das entidades públicas e a ação dos criminosos: o uso da inteligência, em seu sentido mais amplo, combinando informação e esforços de áreas tradicionalmente estanques, e fazendo com que dois mais dois resulte em cinqüenta.

Em tempo: essa área de aplicação é apenas mais uma em que os benefícios do uso de tecnologia GIS superam os ainda elevados custos de implantação e de formação de bancos de dados. Somando a diversas outras possibilidades de uso, candidatos a usuários de GIS têm na área de segurança pública mais um argumento em favor do investimento. Esse investimento pode até demorar para ser viabilizado, mas a cooperação entre os órgãos públicos precisa começar imediatamente, e cooperação não custa nada.

Clodoveu Davis é engenheiro civil, doutor em Ciência da Computação e Assessor de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte. E-mail: cdavis@uol.com.br