Uma viagem pela história do GIS nas distribuidoras de energia elétrica e a evolução do conceito de Gestão do Tempo

Um assunto que se torna cada vez mais importante para os sistemas de informação geográfica é a gestão do tempo. Temporalidade é um aspecto inerente à geoinformação e sua importância nas relações humanas, sócio-econômicas e naturais é indiscutível. Muitos fenômenos geográficos merecem abordagens espaço-temporais, tais como estudos de expansão urbana, poluição ambiental, erosão gradual dos solos, análises e projeções de mercado e a formação de tempestades e furacões. A nomenclatura que se convencionou utilizar para essas abordagens é GIS temporal, ou Time-based GIS.

Esse artigo procura caracterizar uma visão do GIS temporal adaptado ao universo das Utilities. As empresas de Energia Elétrica, Água, Gás e Telecomunicações, que se caracterizam por possuí-rem redes dinâmicas, se utilizam do geoprocessamento para a gestão de ativos e necessitam de interfaces dos sistemas técnicos e de engenharia com os demais sistemas da empresa – atendimento aos clientes, marketing, operação, suprimentos e finanças. Para essas empresas, conceitos como o da sincronização temporal nem sempre são bem definidos e causam sérios problemas.

Um pouco de história nos ajudará a relembrar a evolução do GIS nessa indústria. Nos anos 80, os sistemas CAD (Computer Aided Design) substituíram os mapas, esquemáticos e layouts originalmente em papel. Em seguida, os GIS tradicionais surgiram como uma extensão das plataformas de CAD. E, nos anos 90, o GIS se tornou popular, introduzindo o conceito de modelo contínuo e topologia de rede, ainda armazenando as informações em sistemas de arquivos ou bancos de dados em formatos proprietários.

Até essa época, os projetos se caracterizavam por estarem em grandes Divisões de Geoprocessamento nos Departamentos de Engenharia. Isso compreendeu o estágio mítico das soluções GIS. Com custos operacionais muito altos e implementações muito longas (cerca de 2 anos), outras áreas da empresa consideravam secundários os requerimentos de dados da Divisão de GIS e não viam os benefícios da manutenção de um modelo georreferenciado de rede elétrica. Cerca de 90% dos sistemas implantados não estavam em uso depois de dois anos, por inúmeras razões, mas principalmente porque o modelo de rede elétrica havia se tornado obsoleto. Os que sobreviviam tinham como único resultado, para o restante da companhia, alguns mapas periódicos em papel com variáveis comerciais desenhadas sobre a rede elétrica.

O GIS procurou, então, traçar caminhos para tornar-se mais "corporativo". Esse novo cenário apresentava, porém, novos desafios e requerimentos. O GIS deveria estar integrado a outros sistemas da empresa, permitindo diferentes visões da mesma rede para diferentes usuários. Para tal, somente um modelo de rede que mapeasse e contemplasse até o nível do consumidor final, ao invés de chegar somente até o transformador, atenderia a nova demanda.

Além disso, a Sincronização Temporal a partir de entradas de dados concorrentes de diferentes departamentos era impossível: a Operação de Rede geralmente trabalha muito próxima ao tempo real em operações de manobra e despacho, Novas Ligações de consumidores são confirmadas e detalhadas no sistema um dia após a efetiva ligação, usuários da Engenharia podem facilmente trabalhar semanas sobre uma base off-line até os projetos serem concluídos.

E, principalmente, muitos departamentos necessitam voltar no tempo para analisar certas situações: impactos de uma campanha de marketing com os consumidores, análises de investimento, indicadores de performance na qualidade de serviço (técnicos e comerciais), relatórios para os Órgãos Reguladores, etc. Em suma, amadurecer o conceito e a cultura da eficiência na empresa.

E chegamos aos dias atuais. Soluções GIS tradicionais não conseguem endereçar as questões de sincronização e retorno ao passado e não tratam adequadamente análises de tendências baseadas na evolução da rede ao longo do tempo. Para resolver esse impasse, o GIS deve caminhar para um modelo contínuo 4D time-space (um sistema de coordenadas [x,y,z,t] completo e ativo) ao invés dos tradicionais GIS 3D space. Trata-se de utilizar, no núcleo da solução, pelo menos quatro coordenadas para representar os objetos espaciais (doravante promovidos a espaço-temporais).

Algumas ferramentas recentes no mercado, como a solução da 4DataLink, procuram tratar a variável temporal com a mesma essência e importância que as dimensões espaciais são tratadas. Elas modelam a dimensão temporal como um intervalo [ t início , t fim ] contínuo no tempo. Isso permite que o usuário selecione o dia e a hora em que analisa a rede e tenha acesso ao estado operacional, topologia e outros dados associados àquele momento.


O GIS temporal implementado pela 4DataLink

Essa evolução permite, entre outros benefícios, a integração do geren-ciamento espacial do GIS com as capacidades de integração de soluções de DSS (Decision Suport Systems) ou EIS (Enterprise Information Systems), evitando o surgimento de ilhas de informação. Em termos gerais, não é possível integrar dados de diferentes sistemas corporativos usando um modelo que não reflita o status da rede do instante de tempo que o dado é incorporado, especialmente em redes nas quais centenas de mudanças acontecem a cada dia, como é o caso das concessionárias de distribuição de energia elétrica.

Esqueçamos agora das Utilities e consideremos o GIS mais abrangente – polígonos, pontos, imagens, superfícies. A História que culminou em seu atual estágio de amadurecimento parece ter negligenciado a variável temporal. As ferramentas disponíveis consideram as entidades como se o mundo existisse só no presente – é a cultura do espaço em detrimento ao tempo.

Recentes pesquisas em diversas áreas, da Arqueologia à Ecologia, têm buscado metodologias para análise espaço-temporal através do geoproces-samento, mas seu caráter muitas vezes generalista demais têm dificultado uma apropriação devida e utilidade efetiva dos modelos criados. A essência que rege essa modelagem é o conceito das fronteiras temporais, que se formam quando ocorrem mudanças, ou trocas, no tempo. Essas trocas podem alterar a geometria, a topologia e os atributos dos objetos espaço-temporais. Essa sofisticação conceitual dificulta a implementação através da simples adaptação de ferramentas de GIS genéricas para esse novo contexto.

E, com isso, a gestão do tempo permanece em segundo plano no GIS – à exceção do universo das Utilities, que prescindiu de uma abordagem genérica para evoluir e atender o que o mercado e a integração corporativa pediam. Será que, enfim, estamos caminhando para um novo paradigma para Sistemas de Informação Geográfica? Só o tempo dirá – se for bem administrado.

Referências Bibliográficas

Halls, P. & Miller, P. Of todes and worms: An Experiment in bringing Time to ArcInfo, University of York, ESRI European Users Conference, Reino Unido, 1996.
Langran, G. Time in Geographic Information Systems, Londres, Reino Unido, 1992.
Spiritoso, A. 4DataLink and traditional GIS solutions – A white paper, Buenos Aires, Argentina, 2001.

Eduardo de Rezende Francisco é bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence e Análise de Mercado na AES Eletropaulo e é sócio-fundador da GITA Brasil. erfrancisco@hotmail.com e eduardo.francisco@eletropaulo.com.br