Creio que seja bem aceito, em geral, quando se define o Sistema de Informações Geográficas (SIG ou GIS em inglês) como simplesmente uma ferramenta para visualizar, analisar, armazenar, gerenciar, entre outros verbos. Todavia, este autor prefere uma definição mais lírica: SIG nos ajuda a gerenciar o que conhecemos do mundo.

Destaca-se que o primeiro SIG já é datado há meio século, na década de 60 no Canadá. De lá para cá muitas aplicações foram desenvolvidas, novos paradigmas emergiram e a tecnologia evoluiu e se popularizou a olhos vistos, onde um vórtice de termos foi cunhado, a citar alguns: neogeógrafo, neocartógrafo, informação geográfica voluntária infraestrutura de dados espaciais e geovisualização.

Todavia, por trás desses termos e de muitos trabalhos, uma pergunta recorrentemente aparece: qual é a ciência envolvida com a informação geográfica? Se pensarmos a ciência por trás da informação geográfica, ou seja, a ciência que possibilita o uso da informação geográfica como temos hoje, podemos elencar, por exemplo, a ciência geodésica, que define a forma da Terra; as ciências estatísticas, que estudam métodos para modelar o erro, amostragem, análises, entre outros tópicos; e a cartografia, com suas técnicas para descrever a superfície da Terra. Ainda temos as ciências que ganharam atenção a partir do século XX, como a ciência cognitiva para compreensão de como percebemos e representamos o espaço geográfico, a da informação para estudar o fenômeno informação, ou mesmo a ciência da computação no desenvolvimento de úteis tecnologias digitais.

Também podemos pensar na ciência “com” informação geográfica, onde não faltam exemplos da visualização, representação e análise geográfica sendo aplicadas em estudos científicos. Todavia, será que reunir um conjunto de ciências em torno da informação geográfica e aplicá-las em estudos científicos — gerando mais ciência — fornece as condições necessárias para a definição de uma nova área?

Essa pergunta não é nova. Um texto publicado em 1992 pelo renomado autor Michael F. Goodchild apresenta pela primeira vez o termo Ciência da Informação Geográfica (Geographic Information Science). Desde então, inúmeros trabalhos se debruçam à discussão do termo — a destacar alguns pelos nomes dos primeiros autores: Goodchild, Mark, Raper e Blaschke. Não há um consenso e a discussão segue evoluindo.

No ponto de vista da comunidade científica internacional, a Ciência da Informação Geo- gráfica já possui identidade. Há periódicos específicos e de impacto como o International Journal of Geographical Information Science, corpos de conhecimento (body of knowledge) como o do projeto Geographic Information: Need to Know, as agendas de pesquisa como a promovida e apoiada pela Associação de Geógrafos Americanos, o Consórcio de Universidades para a Ciência da Informação Geográfica, os cursos de doutorado e mestrado promovidos pela Rede UNIGIS e Universidade de Salzburgo, entre outras iniciativas que há décadas avançam e dão substância a uma comunidade científica centrada na informação geográfica.

Mas qual é a definição para Ciência da Informação Geográfica? Olhando os conceitos mais imediatos que compõem este termo e fazendo uma analogia com a álgebra, podemos escrever “Ciência X (da Informação + Geográfica) = Ciência da Informação + Ciência Geográfica” e buscar uma explicação inicial nesses dois outros termos.

A Ciência da Informação pode ser definida como a ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o seu fluxo e os meios de processar a informação para boa acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, a disseminação, a coleta, a organização, o armazenamento, a recuperação, a interpretação, e o uso da informação. Apesar dessa visão não ser consensual, podemos definir que existem várias ciências da informação e elas podem ser separadas em dois grupos. O primeiro grupo como biblioteconomia, informática, jornalismo e comunicação possui como objeto de estudo mais imediato a transferência da informação. O segundo grupo é composto por áreas como psicologia, filosofia, sociologia e ciências cognitivas, para as quais certos aspectos da transferência da informação constituem um dos seus objetos de estudo importantes.

Assim como a Ciência da Informação pode ser entendida como um conjunto, para este texto a citada Ciência Geográfica é o conjunto de ciências qual parte de seus objetos de estudo pautam processos geográficos físicos e/ou humanos. Apesar de esta definição ser aderente à definição lato sensu de Geografia, não se deve entender o termo como circunscrito à escola atual da Geografia, mas sim envolvendo também áreas como Meteorologia, Geologia, Meio Ambiente, Sociologia, Epidemiologia, Mar-
keting, História, Engenharia Urbana e tantas outras que estudam as dimensões geográficas com suas próprias abordagens e métodos.

Não é fácil pensar em uma ciência qual pelo menos um de seus objetos de estudo não pondera o espaço geográfico, porém é evidente que algumas áreas hoje já se apropriaram da informação geográfica mais do que outras. Uma vez que o dado (geográfico ou não) é uma construção do conhecimento de uma pessoa ou um grupo, sempre possuindo um contexto técnico, étnico, político, econômico, filosófico e espaço-temporal, como então desassociar o geográfico ou, de forma mais ampla, o espacial de qualquer dado?
De fato, hoje o SIG reúne diversas áreas do conhecimento para sua estruturação e na sua aplicação. Quando essa reunião acontece, as ciências participantes se influenciam, criando interfaces conceituais e técnicas como a multidisciplinaridade. Se aceitarmos o termo Ciência da Informação Geográfica, ela é multidisciplinar.

Diversos termos que foram cunhados recentemente para técnicas e ferramentas como Geodireito, Geomarketing, Geovisualização, Infraestrutura de Dados Espaciais, Digital Earth e Geodesign apontam para a característica multifacetada da Ciência da Informação Geográfica, onde várias abordagens de diferentes disciplinas são arranjadas e inter-relacionadas na busca de novas respostas ou novas formas de responder questões. Em outras palavras e permitindo analogia, a Ciência da Informação Geográfica não levanta muros ou define limites para seus domínios, mas em seu ambiente é promovida a interação entre as áreas. Essa característica não é exclusiva da Ciência da Informação Geográfica; áreas que emergiram mais recentemente como Meio Ambiente, Neurociência e Fisioterapia também avançam com a promoção do relacionamento entre disciplinas. A estrutura disciplinar da ciência com um todo é uma colcha de retalhos. As disciplinas constantemente surgem e expandem, diminuem e desaparecerem, se fundem e fraturam, se sobrepõem e separam.

Esse texto não apresenta uma definição acabada para Ciência da Informação Geográfica, mas sim objetiva provocar uma reflexão. Representar o espaço é uma capacidade natural do homem. Desde pinturas rupestres, passando pelos primeiros mapas náuticos, até o Google Earth, o homem busca meios para representar e compartilhar o seu conhecimento sobre o espaço.

Se uma parte do conhecimento humano sobre a superfície da Terra hoje é expresso pela informação geográfica e o SIG manipula essa informação, então não seria correta a definição mais lírica que diz que o SIG nos ajuda a gerenciar o que conhecemos do mundo?

Veja as referências bibliográficas deste artigo na revista MundoGEO 81 disponibilizada no Portal MundoGEO: http://bit.ly/1PnsmOv.
José Augusto Sapienza Ramos
Coordenador Acadêmico do Sistema Labgis da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduado em Ciência da Computação pela UFF e mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ, trabalha há 14 anos com Geotecnologias com pesquisa, ensino e consultoria
sapienza@labgis.uerj.br