Artigo por Eduardo de Rezende Francisco* e Rubens de Almeida**

Até pouco mais de duas décadas, pessoas e empresas tinham uma preocupação anual: aparecer e manter atualizados os seus dados nas próximas edições das enormes brochuras das listas telefônicas “de assinantes” e “de endereços”.

Isso para garantir que fossem encontradas por qualquer interessado em entrar em contato, seja um cliente de produtos e serviços ou um parente que necessitasse dar uma notícia familiar.

Para quem não as conheceu, as “listas” eram edições mais volumosas que uma bíblia (algumas com mais de 3 mil páginas), em formatos aproximados aos de revista (21 x 28 cm) e versões anuais distribuídas de casa em casa gratuitamente pelas companhias telefônicas.

Com todos os telefones existentes em cada cidade ou região e sistemas de busca por índices, temas ou sequência alfabética que permitiam que todos obtivessem o endereço e o telefone de qualquer residência ou negócio.

Retomamos a ideia original dessas edições, hoje quase ancestrais e desconexas com a realidade digital, para tratar de dois temas: o da privacidade das pessoas e das empresas em um mundo de negócios virtualizados; e o uso que se faz desses dados individualizados, em uma sociedade que se realiza como coletividade exatamente porque seus membros são desejosos de relacionamentos pessoais e comerciais.

Acesso indiscriminado

Hoje transformado em um suposto valor universal de preservação da individualidade e do direito à discrição pessoal, a questão da privacidade passou a ser mais discutida (e defendida) em função dos sistemas que armazenam nossos dados e os colocam para consumo indiscriminado e instantâneo de qualquer um na Internet.

Pior, o recente escândalo da Cambridge Analytics com os dados do Facebook mostra que esse uso dos dados pode ser dirigido a interesses de quem incorpora inteligência analítica e os coloca em função de objetivos nem sempre coincidentes com a democracia.

Mas, o quê, afinal, mudou dos tempos das listas telefônicas pra cá em relação à possibilidade de encontrar uma pessoa? A velocidade de acesso a dados pessoais, sem dúvida. E a facilidade de fazer isso em grandes quantidades.

Folhear a lista em busca de um nome exigia tempo, atenção e paciência. A tecnologia disponibiliza mecanismos muito mais rápidos e repetitivos para efetuar buscas e acessos diretos às pessoas, e, por isso, a impressão de que o mundo da virtualização das informações teria escancarado a privacidade das pessoas e das empresas, colocando-as em situação de risco, por contatos indesejáveis em seus telefones e endereços.

Esse novo volume de dados, combinado com outras informações estatísticas e comportamentais por meio das redes sociais, abre possibilidades de análises e combinações imensuráveis, capazes, como já vimos, de influenciar uma das mais tradicionais democracias eleitorais do mundo, como a americana e decisões públicas que definem o futuro das nações, como o caso do resultado do Brexit e até eleições gerais, como as que aconteceram recentemente em nosso país.

O que mais incomoda ao cidadão comum, porém, é a potencialização de acessos indesejáveis. Quem tem um aparelho celular ou telefone fixo e recebe quase uma dezena de ligações automáticas de robôs ou equipes de telemarketing por semana, sabe exatamente de qual sensação estamos falando.

Parece que a tecnologia nos tornou vulneráveis ao assédio indiscriminado e, portanto, todos concordamos, é hora de reivindicar o direito a uma privacidade, que, afinal, nunca foi exatamente uma preocupação de ninguém.

Pelo contrário, as pessoas sempre desejaram e buscaram mecanismos para estar disponíveis e serem encontradas, até porque é dessa forma que se realiza a vida social.

A menos, é claro, de figuras públicas que sempre solicitaram que seus nomes não fossem publicados nas listas telefônicas, para evitar o assédio de fãs ou, para usar um termo mais moderno, “stalkers”.

Telemarketing irresponsável versus telemarketing i-responsável

No caso específico das ações de telemarketing, o que mudou, na verdade, foi a atitude de quem (empresas principalmente) deseja encontrar outras pessoas ou organizações que potencialmente possam ter interesse em adquirir alguma coisa que está sendo ofertada no mercado.

Graças à tecnologia, basta obter uma listagem de telefones para que um mecanismo automático faça as ligações e os coloque em contato direto com proprietários de linhas telefônicas e de celulares, com mensagens que todos nós, convenhamos, estamos cansados de ouvir e rechaçar.

O que está errado, portanto, não é a falta de privacidade ou a publicidade de números telefônicos de contato e endereço, mas o excesso de utilização desses canais de acesso pessoal para mensagens não solicitadas e na maior parte das vezes indesejáveis.

Aliás, com um nível de eficácia comercial baixíssima, se comparado com outros tipos de abordagens menos invasivas. Ainda mais porque os aparelhos que permitem esse acesso, ao invés de estarem debaixo da escada, encontram-se hoje nos bolsos ou nas bolsas de todo mundo.

O fato é que passou da hora das empresas de telemarketing encararem que estão errando na mão e mudarem de estratégia de abordagem, adotando muito mais inteligência em suas ações. Ao invés de volume, é preciso perseguir a qualificação dos destinatários de suas mensagens.

Assim, ao invés de milhões de telefonemas repetitivos, algumas centenas bem direcionados seriam suficientes para conquistar a mesma taxa de sucesso, se os sistemas utilizassem filtros de bigdata extraídos de seu próprio histórico de vendas ou mesmo de dados estatísticos públicos e absolutamente disponíveis para qualquer um que não queira importunar seus prospects e obter melhores resultados.

A questão é como fazer isso, já que muitos operadores de mensagens ainda consideram que a contratação intensiva de mão de obra com headset é muito mais barata do que investir em inteligência mercadológica e qualificação dos próprios funcionários.

Muitos clientes que contratam esses serviços de mensagens também continuam acreditando que volume é a coisa mais importante para se chegar a um resultado, desvalorizando os indivíduos e os profissionais que sabem estar importunando todos os destinatários, várias vezes, sem qualquer lógica ou efetividade.

E o primeiro mau-exemplo parte das próprias operadoras de celular que diuturnamente nos incomodam com suas abordagens, muitas vezes desconhecendo (?) que já somos clientes e que só faria sentido aquele contato se fosse uma promoção especial para premiar a fidelidade, por exemplo.

Quando o telefonema é de um concorrente, sobressalta a impressão de que podem estar compartilhando informações e que o consumidor, afinal, que se dane.

Estamos, sem dúvida, em uma era em que a discussão da privacidade de dados já está passando. Inauguramos a pós-privacidade, em um contexto em que o novo valor para as organizações está, sim, no uso inteligente e criterioso que possam realizar a partir da combinação das informações internas e externas.

Para minimizar os aspectos negativos dessa atividade de “entrar em contato com o consumidor”, há alternativas muito mais inteligentes e sutis como o cuidado de buscar e apurar os perfis de cada consumidor, aspectos de suas localizações geográficas ao longo de suas vidas, preferências evidenciadas em suas postagens nas redes sociais e muitos outros exemplos.

Não se trata mais de impedir que essas informações circulem, pois essa barreira já foi superada pela tecnologia.

Por que as empresas em geral – algumas até “modernosas” – preferem distribuir enormes listas burras que incluem atuais clientes para abordagens que ignoram já haver uma relação comercial é um mistério mercadológico a ser desvendado.

É preciso dizer (ou lembrar) as empresas que a imagem das marcas sai comprometida dessas ações, pois a atitude de entrar em contato desconhecendo o fato do destinatário da ligação já ser cliente denota o pouco cuidado que têm com seus cadastros e, portanto, com as pessoas que já atendem.

São essas abordagens que mais estimulam o consumidor a tratar o seu atual fornecedor de serviços como outro qualquer, enfraquecendo o relacionamento, levando-o à permanente tentação de experimentar algo novo, que o importune menos. Com toda razão.

*Eduardo de Rezende Francisco é professor de Métodos Quantitativos, Geoinformação e Big Data da FGV-EAESP e fundador do grupo de estudos GisBI

**Rubens de Almeida é engenheiro e jornalista, dedicado a temas urbanos e mapas digitais, e fundador do grupo de estudos GisBI

Imagem: Pixabay

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