O Cadastro Técnico Municipal é um sistema de informações espaciais e alfanuméricas, capaz de identificar e inventariar todas as parcelas e imóveis de um município, orientando e apoiando a formulação e aplicação de políticas públicas municipais.

A principal componente do Cadastro Técnico Municipal é a base cartográfica, onde estão espacializados todos os dados cadastrais referentes a cada parcela do território, representando a realidade de ocupação do solo de maneira mais fiel possível.

Tradicionalmente, esta base cartográfica é confeccionada com dados oriundos de levantamentos topográficos ou aerofotogramétricos. Com o avanço da tecnologia espacial, alguns satélites imageadores vêm produzindo imagens com alta resolução espacial, proporcionando a geração de produtos cartográficos com maior rapidez e viabilidade financeira. Por isso estas são citadas como excelentes opções para a geração e atualização do Cadastro Técnico Municipal.

Dentre os sensores já produzidos, os que mais se destacam para a geração de produtos cadastrais são os sensores dos satélites Ikonos II e QuickBird. As tabelas 1 e 2 expõem as principais características de imagens dos sensores Ikonos II e Quickbird, respectivamente.

Tabela 1. Características das imagens do sensor Ikonos II

Tabela 2. Características das imagens do sensor QuickBird

Outra característica bastante relevante desses sensores é a alta resolução radiométrica, ou seja, as imagens desses sensores possuem 2048 níveis de cinza, o que equivale a 11 bits de resolução radiométrica. Isto permite aumentar consideravelmente o poder de distinção entre alvos.

Figura1. Exemplo de imagem Quickbird                      Figura 2. Exemplo de imagem Ikonos II

Atualmente, algumas empresas e profissionais do setor de cadastro vêm aplicando as imagens dos sensores Ikonos II e QuickBird no cadastro urbano e fundiário, regularização de propriedades e demarcação de pequenas glebas, gerando produtos cartográficos na escala máxima de 1:2.500 e oferecendo precisão cartográfica correspondente.

Sendo assim, percebe-se que o potencial dessas imagens vem sendo superestimado quando elas são aplicadas na elaboração de bases cartográficas para o cadastro técnico municipal. Este problema é proveniente de confusões conceituais entre o erro gráfico e a resolução nominal desses sistemas sensores.

Portanto, torna-se necessária a geração de avaliações e análises, capazes de esclarecer e especificar os verdadeiros potenciais de utilização dessas imagens na produção de dados cadastrais.

Conseqüentemente, o objetivo deste trabalho é avaliar o potencial das imagens dos sensores Ikonos II e QuickBird para a produção de bases cartográficas cadastrais, bem como ilustrar os embasamentos para o cálculo da escala máxima que se pode alcançar quando utilizamos imagens de alta resolução espacial.

Erro gráfico e escala

O erro gráfico está relacionado com a exatidão planimétrica do produto cartográfico, sendo intimamente relacionada com a sua escala. Ele é o menor comprimento gráfico que se pode obter em uma representação cartográfica e corresponde a cerca de 0.2mm. Logo, também é o erro máximo admissível que se pode cometer ao efetuar uma medição sob a representação gráfica.

Como a escala é uma relação de proporção entre uma representação gráfica e a superfície terrestre representada, a exatidão desta representação é função da relação entre o erro gráfico e a escala do documento cartográfico:


(1)

com,

(2)

Sendo,
Eg= erro tolerável em metros;
E= escala do documento cartográfico;
Fe= fator de escala do documento cartográfico.

A tabela 3 expõe a precisão de representações gráficas em função das escalas usualmente adotadas, e os menores objetos representáveis em cada uma delas, segundo a equação 1.

Tabela 3. As precisões e os menores objetos representáveis

Assim, para a escala de 1:2.500, a menor feição linear possível de ser representada é de 0,5 m, o que representa a metade do valor da resolução espacial da imagem Ikonos II e aproximadamente 82% da imagem QuikBird.

Resolução espacial de sensores orbitais imageadores

A resolução espacial é a característica de uma imagem que define a sua capacidade de distinguir pontos adjacentes. Mais especificamente, ela permite mensurar a menor distância entre estes pontos. Assim, os objetos espaçados, porém mais próximos do que o limite de resolução, aparecerão como se fossem um único objeto (SABINS,1987). Formas alternativas de conceituação de resolução espacial são discutidas em FORSHAW et al (1983).

A resolução espacial relaciona-se com o tamanho da parcela correspondente no terreno, imageada por um elemento do sensor, conhecido tecnicamente como a resolução instantânea no nadir do satélite, ou IFOV (Instantaneus Field Of View). Segundo SCHOWENGERDT (1997) o IFOV é o ângulo imageador de um único elemento detector de um sistema sensor óptico. Sua medida é feita pelo comprimento em metros do lado da área imageada, normalmente um quadrado, a qual equivale a um pixel. A medida real é quase sempre aproximada para uma resolução nominal, como por exemplo a resolução real do sensor TM do satélite LandSat é de 26m, e a nominal é de 30m (SILVA, 1998).

Análise das relações entre resolução espacial e erro gráfico e suas aplicações

Sabe-se que é possível detectar objetos consideravelmente menores que a resolução espacial, se o contraste entre eles e o background  for suficientemente grande. Porém, embora tais objetos possam ser detectáveis, eles não necessariamente são reconhecíveis, exceto quando interpretados no contexto da imagem (SCHOWENGERDT,1997).

Isto é possível porque a capacidade de distinguir pontos adjacentes é, sem duvida, função também da habilidade do sensor em perceber discrepâncias radiométricas mínimas entre estes pontos. Entretanto, o impacto da qualidade radiométrica na qualidade geométrica ainda não é simples de se avaliar (KASSER,2002).

Segundo KASSER (2002), não é possível ver em uma imagem digital detalhes menores que o tamanho do pixel, mesmo porque a forma desse alvo não poderá ser discernida da forma do pixel. Logo, como a resolução espacial é a mínima separação entre dois objetos representados, distintos e separados, ela não é o tamanho do menor objeto possível de se ver (SABINS, 1987).

A freqüência máxima de uma cena, que pode ser representada através de uma imagem, é dada pela freqüência de Nyquist (WOLF, 2000), que equivale à metade da freqüência de amostragem. A freqüência de amostragem é dada pelo tamanho do pixel quando a PSF (Point Spread Function ou função de espalhamento do ponto) é menor do que o espaçamento entre linha e colunas.

Assim, somente alvos com tamanho de pelo menos dois pixels podem ser representados pela imagem em questão. Na banda pancromática para o Ikonos II, a freqüência de amostragem é de 1 ciclo por 1 metro (1m-1) e a freqüência de Nyquist é metade desta freqüência (0,5m-1), o que equivale a dois pixels ou 2 metros. No caso das imagens QuickBird, a freqüência de amostragem é de 1 ciclo por 0,61 metros (1,64m-1) e a freqüência de Nyquist é de 0,82m-1, equivalendo a dois pixels ou 1,22 metros.

Relacionando o erro gráfico com o número de pixels definido pela freqüência de Nyquist, é possível obter a escala máxima de representação dos produtos cartográficos, gerados com base nesta fonte de dados. Como o erro gráfico (Eg) é equivalente a duas vezes a resolução espacial (Re), temos:

Igualando (1) a (3), teremos:

onde,

Fe = Fator de escala;
Re = Resolução espacial.

Os resultados da aplicação da equação 4 no cálculo da escala máxima de representação dos produtos cartográficos, gerados à partir da imagem pancromática dos sensores Ikonos II e QuickBird, são demonstrados na tabela 4.

Tabela 4: Escala máxima dos produtos cartográficos gerados com imagens Ikonos II e QuickBird

Mesmo com todas as correções geométricas e radiométricas possíveis e necessárias, as imagens dos sensores Ikonos II e QuickBird não podem ser utilizadas para gerar bases cartográficas completas para o cadastro técnico municipal.

Já na regularização fundiária de imóveis rurais, a lei 10.267/ 2001 determina que esta deve ser realizada à partir do memorial descritivo, contento as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional, fixada pelo INCRA, de 0,5m. Logo, a regulamentação fundiária de imóveis rurais deve ser feita com representações na escala de 1:2.500 ou maiores que, segundo a tabela 3, não podem ser obtidas usando imagens Ikonos II ou QuickBird.

Mesmo com todos os avanços tecnológicos na área de sensoriamento remoto, ainda não é possível substituir os levantamentos topográficos e aerofotogramétricos pelas imagens de satélite de alta resolução, quando se exige que o produto cartográfico atenda à precisão das bases cartográficas cadastrais, segundo a NBR 14.166/98.

Referências bibliográficas

Associação Brasileira De Normas Técnicas. NBR 14166: Rede de Referência Cadastral Municipal – Procedimento. Rio de Janeiro. 1998.
Forshaw,M.R., A.Haskell, P.F. Miller, D.J. Stanley, and J.R.G.:, Spatial resolution of remotely sensed imagery- a review paper. In: International Journal Remote Sensing, Townshend, 1983, v. 4, p. 497-520.
Kasser, M., Y.: Egels, Digital Photogrammetry, Taylor & Francis, London and New York, 2002, pag. 76.
Sabins, F. F., Remote Sensing: Principles and Interpretation, W.H. Freeman and Company, New York, 1987, pag. 8-10
Schowengerdt, R.A.: Remote sensing: models and methods for image processing, Academic Press, San Diego – U.S.A.,1997, pag. 18-74
Wolf, P. R., DeWitt, B. A.: Elements of Photogrammetry with Applications in GIS, McGraw-Hill Science/Engineering/Math, p.624 (2000).

João Batista Tavares Júnior
Engenheiro Agrimensor, Mestrando em Ciências Geodésicas UFPR
joaotavaresjunior@yahoo.com.br

Mathias l. Mafort Ouverney
acadêmico de Engenharia de Agrimensura da UFRRJ
mathiasmafort@yahoo.com.br 

Marlene Salete Uberti
Professora e pesquisadora do Departamento de Engenharia da UFRRJ
msuberti@ufrrj.br 

Mauro Antônio Homem Antunes
Professor e pesquisador do Departamento de Engenharia da UFRRJ
mantunes@ufrrj.br