Este trabalho apresenta uma pesquisa histórica sobre a Comissão de levantamentos intitulada de Comissão da Carta Geral do Brasil, ocorrida no início do século XX, que deu origem a atual 1º Divisão de Levantamentos, situada em Porto Alegre – Rio Grande do Sul. Deu origem também ao Sistema Geodésico de mesmo nome. Faz-se também um relato das diversas atividades e formas de mapeamento utilizados em uma época em que não se pensava em tecnologia digital.

Objetivos

Realizar uma pesquisa histórica sobre o Sistema Geodésico Comissão da Carta Geral do Brasil relatando
as atividades desenvolvidas em trinta anos de existência.

Justificativa

Atualmente os processos de re-mapeamento ou atualização cartográfica geram vetores, normalmente
obtidos por Topografia convencional, Fotogrametria ou Levantamento Orbital, através de NAVSTAR/GPS.
Estes dados são obtidos no sistema WGS-1984 e convertidos para o Sistema Geodésico Brasileiro.
O mapeamento sistemático brasileiro foi realizado classicamente, através de levantamentos geodésicos e
astronômicos amarrados a sistemas que possuem parâmetros de transformação para o SIRGAS2000.

Como exemplo, podemos citar os sistemas SAD69 e Córrego Alegre.
Algumas regiões do Brasil, como o sudoeste do Paraná, o oeste de Santa Catarina, o norte de Minas
Gerais e o Estado do Rio Grande do Sul, possuem mapeamentos representados em projeções e Sistemas
Geodésicos diferentes dos utilizados pelo mapeamento sistemático Brasileiro. Isto se deu devido à falta de
sistemas geodésicos oficiais materializados na época de execução destes mapeamentos, tendo em vista
que, oficialmente, os sistemas só passaram a existir em torno da década de 60.

A capital do Rio Grande do Sul (Porto Alegre), bem como a maioria dos municípios da sua Região
Metropolitana, possuem seus mapas desenvolvidos na Projeção de Gauss-Krüger, amarrados ao Sistema
Geodésico da Comissão da Carta Geral do Brasil, o que causa grande preocupação e problemas de
compatibilização entre sistemas, uma vez que este sistema não possui data conhecidos. O datum
planimétrico que consta nos documentos cartográficos disponíveis é o Observatório da Comissão da Carta
Geral do Brasil, com localização e coordenadas desconhecidas. O datum altimétrico é o Marégrafo de
Torres.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que é o órgão responsável pelo sistema Geodésico
Brasileiro e a Diretoria do Serviço Geográfico (DSG) que é o antigo responsável pela cartografia
sistemática do Brasil, não apresentam parâmetros oficiais de conversão entre estes sistemas. Desta
forma, houve a necessidade de desenvolver procedimentos para obtenção de parâmetros de
transformação, para facilitar os processos de utilização das cartas da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
(PMPA).

Com este intuito, a 1º Divisão de Levantamentos divulgou, em 2002, não oficialmente, sete parâmetros de
transformação de coordenadas para serem utilizados entre os sistemas CCGB e SAD69. Estes parâmetros
foram obtidos através de um convênio com a PMPA para posterior conversão digital das plantas cadastrais
do município. Para a transformação dos parâmetros se utilizou o elipsóide de Hayford 1924, o que pode ter
ocasionado um grande problema, sendo que em 1903, quando as primeiras bases em CCGB foram
materializadas e medidas, este elipsóide não existia. Hayford só começou a ser utilizado a partir de 1909.
Buscou-se neste trabalho, através de pesquisa histórica, encontrar as respostas referentes as perguntas
em torno dos data horizontal e vertical, bem como o elipsóide utilizado anterior a Hayford 1924.

Parâmetros de Conversão da 1a Divisão de Levantamentos (1a DL)

Para a determinação dos parâmetros, foi realizado, no ano de 2001, o levantamento via GPS de dezesseis
vértices geodésicos, da rede de apoio materializada pela CCGB e pela PMPA. As coordenadas desses
pontos foram medidas em coordenadas referentes ao datum SAD-69. (DSG 2002).
Os 7 parâmetros calculados são os seguintes:

Tabela 01 – Parâmetros de Conversão entre CCGB e SAD69
Tabela 01 – Parâmetros de Conversão entre CCGB e SAD69
Fonte – DSG, 2002

A verificação da validade dos parâmetros foi realizada através da obtenção dos resíduos das coordenadas
planimétricas dos vértices, medidos através de GPS (em datum SAD-69), e das coordenadas dos vértices
materializados em CCGB. Analisando os resíduos, verificou-se que os parâmetros calculados estavam em
harmonia com o modelo matemático usado na transformação. Os maiores valores encontrados para os
resíduos, ficaram abaixo dos 0,4 metros.

Comissão da Carta Geral do Brasil

Histórico

Em 1889, com a criação do Estado maior do Exército, verificou-se a necessidade de organização da Carta
Geral, levando-se em consideração que nenhum projeto ou estudo de operações militares poderia ser
executado sem uma carta perfeita e detalhada do país.

De acordo com o § 2º do art. 4º do Regulamento do Estado–Maior do Exército, à 3ª seção competiria a
organização da Carta Geral da República. Então, Comissão da Carta Geral foi o nome dado à primeira
comissão de levantamentos executados no Brasil. No documento intitulado “3ª Seção do Estado Maior do
Exército sobre a Organização da Carta Geral da República”, datado de 2 de junho de 1900, escrito pelo
General de Brigada, Subchefe Luiz Mendes de Moraes são descritas as intenções em relação à Carta
Geral.

Em 24 de maio de 1932, o Major Armando Assis, Chefe Interino da Comissão, relatou os trabalhos da
CCGB para posterior apresentação ao Excelentíssimo Senhor General de Divisão Augusto Tasso Fragoso,
Chefe do Estado Maior do Exército. Deste relato foram resumidas e adaptadas as informações pertinentes
que serão apresentadas na seqüência.

Em 1901 foi publicado o projeto de criação do Serviço de Levantamento da Carta Geral. Este projeto foi
organizado de acordo com as idéias sobre cartografia predominantes nos meios científicos da época,
estabelecidos, com notável proficiência, os processos de levantamento, sistemas de projeção, escalas e
formatos das folhas para a Carta Geral do Brasil.

A organização começou com muitos problemas devido à situação econômica, a vastidão do território
brasileiro (em parte, coberto de imensas florestas), à fraca densidade populacional (irregularmente
distribuída), à falta de meios de transporte, à deficiência de vias de comunicação e à escassez dos
recursos postos à disposição de semelhante empreendimento. Mesmo assim, foi realizado um sério e
acurado estudo dos meios mais racionais e adequados para a realização prática do trabalho. O projeto
adotou a triangulação geodésica para o levantamento dos Estados do litoral e a determinação de
coordenadas geográficas dos pontos fundamentais, para a parte central despovoada.

A Comissão da Carta Geral do Brasil foi criada pela ordem do dia do Exército nº 268 de 31 de março de
1903. A 28 de junho do mesmo ano, o Coronel Francisco de Abreu Lima, nomeado seu primeiro chefe,
instalou a sede da Comissão em Porto Alegre. A 29 de janeiro de 1904, assumia a chefia da Comissão o
Coronel Feliciano Mendes de Morais, onde tiveram início os trabalhos normais da CCGB. Os trabalhos de
levantamento seriam iniciados pelo Rio Grande do Sul, dada a sua importância militar e situação
geográfica.

A Carta Geral foi organizada em três séries de operações distintas:
a) Operações geodésicas e astronômicas;
b) Operações topográficas;
c) Operações cartográficas.

Através da definição destas operações, os processos foram desdobrados em quatro etapas, que se
sucederiam na ordem segundo a qual deveriam ser racionalmente executados:

a) Operações geodésicas e astronômicas: onde se fariam determinações da figura geométrica da
Terra, destacando os métodos que mais eficazmente se adaptavam ao Brasil, o método geodésico
ou trigonométrico e o método astronômico. A seção deveria iniciar pela aplicação imediata do
método geodésico nos Estados do Rio grande do Sul e Rio de Janeiro e pelo método astronômico
nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso. Sendo que, executar-se-ia a triangulação
nas duas primeiras e se conduziria à concordância com a rede geodésica já estabelecida em
Minas e São Paulo. Nesta mesma época começou a reivindicação do Ministério da Guerra, para
que se criasse uma seção geográfica, para incorporação do futuro observatório. No início a figura
geométrica utilizada foi o elipsóide chamado de Engenheiros Geógrafos. Posteriormente, para o
transporte de coordenadas altimétricas, se utilizou o nivelamento geométrico de precisão. As
distâncias medidas foram reduzidas segundo o achatamento do elipsóide de Clarck;

b) Operações topográficas: foi a etapa mais difícil devido às dificuldades inerentes à aplicação das
operações topográficas em larga escala e à exigência de pessoal numeroso e idôneo. Foi
realizado um treinamento do pessoal que trabalhou na Comissão através de um curso especial de
topografia. Foram propostos para os trabalhos de levantamento: o processo expedito e o
taqueométrico. Adotaram a escala do tipo 1:100.000, com divisão da carta em uma série de folhas
nas dimensões de 0,65 X 0,60 m, cada folha compreendendo uma área de 30’ X 30’. Assim, a
carta geral conteria cerca de 3.000 folhas. A seção esperava concluir em quatro anos a carta do
Rio de Janeiro e, em 20 anos, a do Rio Grande do Sul, se dispusesse, para cada um desses
Estados, de uma turma de geodésia presidida por um oficial superior do Estado Maior, oficiais de
qualquer corpo ou arma, e uma turma de topografia composta por 64 oficiais.

c) Elaboração da carta topográfica ou fundamental: escolha da projeção (poliédrica) e construção da
carta;

d) Elaboração da carta geográfica: escolha de projeção (Projeção Zenital Equivalente sobre o
Horizonte – Lambert), adoção da escala de 1:100.000, num total de 20 folhas de 1m x 1m.
Nos primeiros anos, os trabalhos prosseguiram com elevado grau de produtividade e precisão científica.
Porém, mais tarde, a Comissão foi chamada a outros cometimentos de natureza diversa, podendo suas
atividades ser agrupadas em quatro períodos distintos. Um primeiro período que vai até 1910,
caracterizado por intensa e excelente produção geodésica, enquanto, paralelamente, se iniciava o
levantamento topográfico em torno de Porto Alegre. A seguir, interesses superiores exigiram que a
Comissão concentrasse todos os seus elementos num levantamento expedito que cobriu, no período entre
1910 e 1916, quase metade da área do Estado, sendo publicado em 53 folhas, na escala 1:100000, em
formato 30‘ X 30’. A tarefa subseqüente consistiu em levantamentos regulares, na escala 1:25000, em
torno das principais cidades, abrangendo, até 1923, área total superior a 4000 Km2. Finalmente, de 1923 a
1928, os principais elementos da Comissão tiveram de ser concentrados na região missioneira do Estado,
compreendida entre os rios Ijuí, Ibicuí e Uruguai, e a linha férrea de Santa Maria – Cruz Alta – Ijuí – Santo
Ângelo, onde executaram o levantamento taqueométrico regular, em escala 1:25000, de cerca de 20000
Km2.

A produtividade da Comissão da Carta foi destacada, em todos os seus empreendimentos, mas,
sobretudo, notável na triangulação geodésica, pela intensidade e excelência dos trabalhos realizados. A
rede de 1º ordem do RS, uma das mais extensas da América do Sul, cobre uma área de mais de 170 mil
Km2, aproximadamente, 2/3 da superfície do Estado, obedecendo aos mais rigorosos princípios de estilo e
precisão técnicos.

As convulsões internas sucessivas que, a partir de 1922, perturbaram a tranqüilidade do país, impediram
que os últimos anos de atividade da Comissão se processassem com normalidade. As soluções de
continuidade foram se acentuando até que, em 1930, praticamente, se encerraram todos os trabalhos.
Em 1932, o Serviço Geográfico Militar passou pelo Decreto 21.883, de 29 Set. de 1932, a designar-se
Serviço Geográfico do Exército e a Comissão da Carta Geral deu origem à atual 1ª Divisão de
Levantamento, com sede em Porto Alegre.” (DSG, 1984).

O Observatório da Comissão da Carta Geral do Brasil

O Observatório e suas dependências foram construídos sob a direção do Sr. Capitão Alberto Cardoso de
Aguiar. Foram cedidos pelo Observatório do Rio de Janeiro um círculo meridiano do fabricante alemão Carl
Bamberg e um cronógrafo elétrico de Peyer & Favarger, adquirido por compra na Europa. Foi tratado
então, o empréstimo de um terreno apropriado para materialização do observatório entre o novo Palácio do
Governo e o edifício do Congresso no centro de Porto Alegre.

O observatório seria composto por uma pequena sala com trapeira, pilares, cronômetros e colimadores. As
coordenadas latitude e longitude foram determinadas no pilar da sala meridiana e referidas por meio de
uma correção, ao sinal colocado no terraço. O azimute determinado foi o do lado do Observatório –
Cavalhada.

Coordenadas geográficas do local para um ponto na torre oeste da Catedral do Bispado:

Tabela 01 – Parâmetros de Conversão entre CCGB e SAD69

A hora local era determinada não só por passagens meridianas ou culminações do sol e de estrelas
observadas com o círculo, mas também pelo emprego das alturas correspondentes e absolutas dos
mesmos astros tomadas por meio de sextantes e de teodolitos. Foi estudada a marcha dos cronômetros e
foram comparadas com a constante dos boletins que os acompanhavam, da casa do fabricante, o Sr. Paul
Nardin, da Suíça. Foi procedida também a determinação das constantes instrumentais – distância
equatorial dos fios, valor de uma volta do parafuso micrométrico, etc. A determinação de latitudes era
realizada pelo processo de Falcatt e de Harrebow, baseado na observação das distâncias zenitais
meridianas de duas estrelas diferentes.

Em 1905, foi medida uma base de leste, chamada de marco Nordeste. A latitude do marco da base foi
determinada por observações de estrelas circum-meridianas e a longitude, em relação a Porto Alegre, por
meio de troca de sinais telefônicos com o observatório e dos sinais telegráficos entre o observatório e o
extremo da base; para esse fim foram instalados aparelhos Morse de campanha em um e outro ponto,
tendo-se, no observatório, estabelecido uma instalação completa: cronômetro com ligações elétricas para
um cronógrafo e para um relais. O aparelho telegráfico era usado para transmitir diretamente a pancada de
meio segundo entre as estações da base e, por meio do relais e de bateria local, os sinais da base eram
registrados no cronógrafo do observatório, conjuntamente com as pancadas do cronômetro deste.

Por esse processo foi encontrada a diferença de 24” entre Porto Alegre e o marco Nordeste. O azimute da
linha medida foi determinado por elongações das estrelas da constelação do Triângulo. As coordenadas e
azimute da Base de Leste (marco Nordeste) estão abaixo assinalados:
Latitude: 30º20’52”
Longitude: 0h00m24s Oeste de Porto Alegre
Azimute: 35º48’31”, contado a partir do sul, passando por oeste, norte e leste.

Relatos dos manuscritos

Cabe lembrar que as adversidades na época destes levantamentos eram muitas, além das condições
adversas do clima e da ausência de informações geográficas precisas, que pudessem servir de base aos
levantamentos. Estes fatos são evidenciados nos manuscritos:

“…Neste percurso, além do caminhamento feito a bússola de mão e podômetro e do nivelamento de
aneróide, se faziam observações astronômicas para as determinações da hora, da latitude e quando
possível da longitude e dos azimutes do sinal do Morro de Sant’ana (Marco da triangulação brasileira),
único ponto de posição bem fixa. Com estes dados seriam feitas as correções do caminhamento o que
permitiriam apresentar em escala comumente e com suficiente aproximação os pontos escolhidos. Tal
ponto não pode ser seguido. Em primeiro lugar a região do Sul ….parte baixa estava toda alagada,
segundo informações , e os proprietários dos campos dali haviam aramados suas fazendas de modo a
impedir o transito pelas antigas estradas; em segundo lugar, dado o caso de continuar o mal tempo
persistiria a impossibilidade de observação astronômica e portanto iriam se acumulando os erros do
caminhamento. Se ao menos fossem conhecidas, ou por trabalhos impressos ou por outro qualquer meio,
as coordenadas geográficas de um ponto qualquer dessa parte da zona, nos aventuraríamos a insistir no
plano; mas tal conhecimento não existia. Resolvi então seguir de Viamão para o Norte, em direção da
Aldeia dos Anjos, cujas coordenadas geográficas haviam sido determinadas em anos anteriores pelo oficial
de marinha Jeanfret”.(Oliveira 1904).

Vivian da Silva Celestino
viviancart@yahoo.com.br

Luiz Felipe Velho
lfvelho@gmail.com

Prof. Dr. Ronaldo dos Santos da Rocha
ronaldo.rocha@ufrgs.br

Rita de Cássia Dias Barriles
ritabarriles@yahoo.com.br