Um dos ossos do ofício em agrimensura é o levantamento de cursos d’água ou regiões úmidas e pantanosas. São levantamentos necessários aos vários tipos de projetos de engenharia, pesquisas, estudos e cadastro de imóveis.

Esta atividade geralmente se desenvolve em um ambiente desfavorável, principalmente em se tratando de pequenos córregos ou áreas alagadas. Nestes locais, os equipamentos perdem estabilidade nas suas estações e, conseqüentemente, as medidas têm menor precisão; a produtividade fica comprometida devido ao ambiente; há maior risco de acidentes envolvendo tanto instrumental quanto pessoas; existe maior ocorrência de animais, que assustados ou incomodados por nossa presença podem reagir com medo e nos ferir, ferroar e alguns, até mesmo, nos tomar por alimento.

Por outro lado, nem tudo é desfavorável. Existem locais que podem proporcionar momentos prazerosos, tais como em rios maiores onde podem ser apreciadas belezas naturais, a hospitalidade e os “causos” dos ribeirinhos e, até mesmo, uma boa pescaria para os aficionados.

A maioria dos profissionais tem suas próprias histórias para contar. Também já enfrentei variadas situações, como trabalhos com lama até a cintura e ajuda com transporte de barcos pelas margens ou por cachoeiras. No quesito estabilidade instrumental em mangue, houve uma situação em que foi preciso cravar três estacas no solo para poder instalar o tripé e o teodolito para observar. A foto abaixo registra um momento tranqüilo no meio do rio à jusante de uma cachoeira, realizando coleta de dados para apoio do mapeamento. É apenas umas das imagens que caberiam aqui.

Posicionamento com GPS em rio
Posicionamento relativo por tecnologia GPS, rio Pacutinga – MT

Levantamentos nestes ambientes dificilmente podem ser evitados pelos profissionais e as dificuldades que se apresentam fazem esmorecer os menos preparados, pois aí aumentam os riscos e a logística necessária para o bom cumprimento das atividades, assim como os desconfortos.

Também é maior a quantidade de equipamentos e de pessoal. Observe que os riscos podem ser tanto de ordem pessoal quanto para os equipamentos. Some a tudo isso a necessidade de manter sempre boa a motivação da equipe. Portanto, o impacto na mão-de-obra e no custo é maior; faz-se necessária a respectiva compensação financeira e  agrega-se maior dificuldade na negociação com os clientes que, em sua grande maioria, provavelmente desconhecem estas necessidades.

Por vezes, os objetivos dos clientes requerem levantamentos mais generalizados e com menor precisão, que podem se desenvolver mais rápido e ter menor custo. Por outras, ocorre o inverso. Pode-se deparar também com a necessidade de levantamentos generalizados combinados com o requisito de maior precisão, uma batimetria ou, ao menos, a determinação de seções transversais.

As dificuldades e os desconfortos destes mapeamentos, associados à característica de que os cursos d’água podem variar significativamente sua posição e forma, recaindo em descrição efêmera e mascarar a percepção das razões que por eles demandam.

Levantamentos cadastrais

No caso do cadastro (georreferenciado ou não), por parte de alguns, observa-se o uso desta argumentação sobre a divagação de meandros, na tentativa de sempre evitar os levantamentos diretos ou generalizá-los em excesso, produzindo informações diversas da realidade de uma época.

Para levar a bom termo o levantamento cadastral, deve-se partir dos conceitos necessários para a adequada definição da linha que representa uma divisa ou limite de imóvel, principiando pela análise da descrição do título de propriedade e das leis pertinentes, passando pelo levantamento que agregará mais informações e novas análises, até se obter uma solução final e fidedigna.

Acesso à água

Está em pauta aqui proporcionar o cumprimento do princípio da especialidade e a respectiva segurança jurídica. É necessário munir o proprietário de meios para salvaguardar o seu direito de acesso à água, por exemplo. Se o levantamento descreve genérica e impropriamente o curso d’água, aqueles e outros aspectos estão comprometidos. A descrição da divisa seria duvidosa por princípio. Ao invés da certeza se traria a dúvida.

Igualmente, deve-se observar que estas regiões são protegidas; a vegetação não pode ser suprimida de forma indiscriminada. Por esta razão, os levantamentos das feições necessárias à definição da divisa devem considerar também as tecnologias que causem o menor impacto ambiental e que operem sob as devidas autorizações.

GNSS e poligonação eletrônica

A tecnologia de posicionamento por satélite (GNSS), em seu atual estágio, encontra dificuldades neste tipo de levantamento cadastral. A precisão das determinações é comprometida pela presença da vegetação densa. Realizar observações nestes ambientes pressupõe a supressão de maior área de vegetação.

O contrário ocorre com a poligonação eletrônica, que requer abertura de picadas estreitas (de aproximadamente um metro), removendo a vegetação fina e desviando das árvores em estágio mais avançado, acompanhando assim o desenvolvimento do curso d’água e causando impacto menor, pois a regeneração é mais rápida.

Régis Bueno
Engenheiro agrimensor, MSc e diretor da Geovector Engenharia Geomática
regisbueno@uol.com.br