O posicionamento por tecnologia de satélite sofre restrições devido ao comportamento da atmosfera. Em função da dinâmica dessas camadas é necessário adotar certos procedimentos no planejamento das observações, de forma a reduzir os efeitos que elas podem causar no posicionamento, principalmente nas regiões próximas ao equador.

Nesses levantamentos geodésicos faz-se uso freqüente de sinais, ou seja, de ondas eletromagnéticas que percorrem regiões da atmosfera, com diferentes naturezas, durante a trajetória entre os satélites e as antenas dos receptores.

Para muitas aplicações de ordem prática, essas regiões da atmosfera podem ser descritas como se formassem uma estrutura de volumes esféricos concêntricos, que encerram diferentes propriedades físicas e químicas. Neste contexto, são possíveis classificações em camadas, ajustando-as na maioria dos casos às características principais de interesse.

Uma delas é a subdivisão em troposfera e ionosfera. A primeira formaria uma camada envolvendo o planeta desde a superfície até uma altitude aproximada de 50 km; a segunda estaria compreendida em uma faixa de 50 até 1.000 km de altitude.

As características desses diferentes meios, por onde percorrem os sinais vindos do espaço, provocam alterações na potência, na direção e na velocidade de propagação dos sinais que por elas atravessam. Esses efeitos são indesejáveis nas aplicações geodésicas, em que se preferiria manter inalteradas as características físicas dos sinais.

Diante da impossibilidade disso se concretizar, resta a necessidade de medir ou modelar o impacto das influências atmosféricas sobre as distâncias medidas entre os satélites e o receptor, considerando-o no processo de ajustamento das observações dos sinais.

Troposfera

O impacto provocado pela troposfera, em grande parte dos casos, pode ser atenuado pelos modelos existentes e que acompanham os programas de processamento. Faz-se necessário tomar precauções, como por exemplo descartar as observações de satélites abaixo de 15º, ou em certos casos elevar este ângulo. Em outros casos, pode ser necessário seguir um padrão mais rigoroso, quando então se fazem medidas de temperatura e pressão durante as observações, utilizando aparelhos precisos.

Ionosfera

A ionosfera apresenta maior dificuldade de modelagem, pois no seu interior a radiação ionizante, gerada principalmente pelas emissões ultravioleta e raios-x do sol, é a causa da existência de elétrons em quantidade suficiente para afetar a propagação de ondas eletromagnéticas. Nesse meio, a velocidade de propagação depende da freqüência da onda, fazendo com que as portadoras e os códigos experimentem diferentes velocidades de propagação.

A distribuição espacial dessas partículas é predominantemente uma função de dois processos: o fotoquímico e o de transporte. O primeiro depende do processo de insolação, influindo na produção e na taxa de decomposição de partículas ionizadas. Já o segundo é devido às correntes de elétrons formadas pelo campo geomagnético, causa da movimentação das camadas ionizadas.

Os dois processos criam camadas de gases ionizados em diferentes altitudes e posições. A variação da insolação faz mudar o comportamento das camadas ao longo do dia. Também provocam efeitos diversos o campo geomagnético e a posição da Terra em sua órbita, tendo comportamentos aleatórios e também periódicos.

O estado da ionosfera pode ser descrito pela densidade de elétrons ne, com unidade de número de elétrons por metro cúbico ou por centímetro cúbico. O efeito da ionosfera sobre o sinal, ao longo do caminho que o mesmo percorre, é caracterizado pelo conteúdo eletrônico total (TEC). Uma unidade TEC = 1. 1016 el./m2 = 1 TECU.

O TEC pode variar entre 1016 e 1019 elétrons por m2 ao longo do caminho da onda. Nesta faixa, o efeito nas distâncias medidas com uma freqüência pode atingir a ordem de dezenas de metros. Se for usada dupla freqüência, os efeitos podem ser reduzidos para dimensões de alguns centímetros.

A densidade de elétrons é altamente variável e depende, principalmente, de fatores como:

• localização geográfica;
• hora do dia;
• estação do ano;
• e atividade solar.

A ionosfera apresenta um caso particular na região sul-americana. Além das emissões solares associadas a fenômenos como explosões solares, “buracos” da coroa solar e manchas solares – que têm influência em ciclos de 11, 22 e 80 anos – aquela região sofre continuamente os efeitos devidos à proximidade com o equador geomagnético (linha pontilhada na figura 1).

mapa global de valores de TEC
-> Figura 1: mapa global de valores de TEC

A região, compreendida em uma faixa ao longo de ±30º daquela linha, está ainda sujeita aos efeitos de cintilações, causa da rápida variação em amplitude e fase dos sinais. Na figura 1 é mostrado um mapa, baseado em um modelo global, para as 17 horas (Brasília) do dia 356 do ano de 2006, que aponta valores de 35 TECU, abrangendo uma grande porção do Brasil. Este fato não é raro, podendo, freqüentemente, serem verificados valores maiores.

Portanto, em resumo e enfatizando o potencial perturbador e aleatório representado para os sinais dos satélites, observa-se que os efeitos da refração ionosférica não podem ser modelados adequadamente, para que se obtenha uma previsão eficiente dos efeitos sobre os sinais durante o processamento.

Contudo, pelo conhecimento da densidade eletrônica, pode-se calcular uma correção aproximada para a o atraso na propagação do sinal. Diferentes modelos para estimativa de ne foram desenvolvidos, alguns deles muito sofisticados. No posicionamento por tecnologia GPS emprega-se usualmente o modelo de Klobuchar, que possui a capacidade de corrigir até 50% dos efeitos ionosféricos. Entretanto, correções mais eficientes são processadas quando da observação simultânea de sinais em duas freqüências distintas, o que conduz o usuário à necessidade de ter em mão equipamentos desse tipo, cujo custo é bem maior.

Estas breves linhas pretenderam demonstrar como nossa região é castigada por efeitos. Observando o mapa (figura 1) no restante do globo, em especial no hemisfério norte, vemos que os impactos são bem menores. É recomendável que os usuários de receptores com uma freqüência se atenham às normas que restringem as dimensões das linhas de base, porque quanto maior ela for, maior o efeito da ionosfera sobre a determinação das coordenadas.

A princípio, os receptores não devem estar distantes entre si mais do que 50 km, pois os efeitos seriam semelhantes e tenderiam a se cancelar nas duas estações. Porém, isso pode não se confirmar em parte das vezes, fato que conduz a recomendações para reduzir esse espaçamento.

Tome os devidos cuidados durante o projeto do seu posicionamento e certifique-se dos resultados através do ajustamento da rede formada pelo seu levantamento.

Referências para consulta

LANGLEY, R. Propagation of the GPS signal. In: TEUNISSEN, P.; DE JONGE, P.; KLEUSBERG, A. (Ed.) GPS for Geodesy. 2 ed., Berlin-Heidelberg-New York, Springer-Verlag 1998, p. 111- 149.
SEEBER, G. Satellite Geodesy: foundations, methods, and applications. New York, Walter de Gruyter, 2003.

Régis Bueno
Engenheiro agrimensor, Msc
Diretor da Geovector Engenharia Geomática
regisbueno@uol.com.br