Por Rodrigo Leandro

Uma das aplicações mais populares de GNSS hoje é o posicionamento cinemático em tempo real (Real Time Kinematic – RTK) de alta precisão. Apesar de não estar explícito na nomenclatura do método, quando nos referimos a esse tipo de posicionamento, usualmente estamos falando de posicionamento relativo, ou seja, usando dois receptores, onde a antena de um receptor GNSS ocupa um ponto de coordenadas conhecidas (a base, ou referência), enquanto outro receptor é usado para ocupar um ou mais pontos com coordenadas desconhecidas (o rover).

No método RTK, a base envia suas medições de fase da portadora e de pseudodistância para o rover, geralmente via rádio, e combinando as observações dos dois receptores é possível determinar coordenadas com um alto grau de confiabilidade para os pontos ocupados pelo rover. Isso é possível porque os erros que afetam as observações da base são muito similares aos que afetam as observações do rover e, portanto, com a combinação das medidas das duas estações, esses erros são eliminados (algumas vezes não totalmente, mas há sempre uma razoável redução trazida pela combinação).

Um dos principais efeitos que são eliminados é o causado pela atmosfera, que varia de pouco mais que dois a até vários metros, para um satélite na direção zenital da antena. Para que os efeitos da atmosfera sejam de fato eliminados na combinação das observações, é necessário que esses efeitos sejam os mesmos para os dois receptores. Isso quer dizer que estamos supondo que o estado da atmosfera é o mesmo para as duas estações. Isso é ilustrado na figura 1, onde podemos ver a suposição de estabilidade da atividade atmosférica, pelo fato da linha verde pontilhada ser totalmente horizontal. No exemplo da figura 1, essa suposição é verdadeira.

Estabilidade da atividade atmosférica
Figura 1: Suposição de estabilidade da atividade atmosférica

Na vida real, isso não é sempre assim, e dependendo da distância entre base e rover essa suposição pode deixar de ser verdadeira. A figura 2 mostra um exemplo em que o efeito (por exemplo, da atmosfera) muda conforme é alterada a distância entre base e rover (linha pontilhada verde, representando a realidade). Quando assumimos que o efeito na base e no rover são os mesmos (linha pontilhada azul), cometemos um erro, que é a diferença entre as linhas pontilhadas verde (realidade) e azul (suposição) na posição do rover, como mostrado na figura. A fim de manter esse erro dentro de padrões aceitáveis, é necessário que o rover seja usado próximo à base (geralmente até em torno de duas dezenas de quilômetros).

Mudança conforme a distância
Figura 2: Mudança conforme a distância

Uma alternativa, usada para driblar a necessidade de levantamentos a pequenas distâncias da base, é usar mais de uma estação de referência, o que é chamado de RTK em rede (Network RTK). A partir do uso de várias estações de referência é possível modelar a variação de um determinado efeito dentro da região da rede. Um exemplo simples é mostrado na figura 3, onde temos o mesmo caso anterior, porém agora com duas bases.

Efeito com duas bases
Figura 3: Efeito com duas bases

A adição da segunda base torna possível modelar a variação do efeito entre as duas estações de referência, e conseqüentemente é possível fazer uma estimativa dos efeitos diferenciais entre cada base e o rover, considerando que as coordenadas aproximadas do rover são conhecidas. Sendo assim, é possível corrigir as observações de uma das bases (geralmente a mais próxima ao rover) usando esses efeitos diferenciais.

Os efeitos que sobram nas observações corrigidas passam a ser muito similares aos efeitos experimentados pelo rover (como se o receptor base estivesse ao lado do receptor rover). Como, de fato, não existe nenhuma base ao lado do rover, usa-se o nome estação de referência virtual (Virtual Reference Station – VRS) para referir-se a essas observações corrigidas para uma posição próxima ao rover.

Existem outros métodos para trabalhar com RTK em rede, mas uma vantagem do método VRS é que o processamento de dados é idêntico ao realizado num caso de RTK convencional (duas estações, base e rover), e portanto nenhuma modificação de software ou hardware é necessária para o uso de RTK convencional ou em rede.

Geralmente são necessárias no mínimo três estações de referência para usar a tecnologia VRS. A comunicação entre as estações de referência e o centro de processamento de dados (onde ocorre a modelagem de efeitos e a geração dos dados VRS) usualmente é feita via internet, e entre esse centro e o rover (para recepção das coordenadas aproximadas do rover e envio dos dados VRS) se dá usualmente por rádio ou telefonia celular.

A figura 4 mostra um esquema da operação usando VRS. Com essa tecnologia é possível fazer levantamentos com estações de referência espaçadas com várias dezenas de quilômetros (geralmente até pouco menos que 100 quilômetros), com performances comparáveis às obtidas com RTK convencional em linhas de base curtas.

VRS
Figura 4: Esquema de operação usando VRS

Rodrigo Leandro é engenheiro MSc (USP) e candidato a PhD em geodésia espacial (University of New Brunswick). Atua como engenheiro de pesquisa e desenvolvimento em GNSS (Trimble)
rodrigo_leandro@trimble.com