Nos últimos anos observa-se um crescente aumento de notícias e comentários a respeito da modernização do GPS, da implementação do Galileo, dos satélites EGNOS e da continuidade do Glonass. Verifica-se também a difusão de mais uma sigla, GNSS, que, na verdade, não é tão nova assim. Mesmo fora dos meios acadêmicos, há registros de longa data sobre o uso das quatro letras que definem os sistemas globais de navegação por satélite.

Notícias divulgadas com maior freqüência são prenúncios de novas mudanças com respeito ao posicionamento geodésico por satélite. Demonstram não somente a disponibilidade de novas ferramentas aos profissionais de agrimensura e cartografia, mas mostram também a necessidade de sólida formação científica e tecnológica e constante atualização do conhecimento para fazer jus às novas responsabilidades.

A configuração final do GNSS ainda está no futuro, mas algumas dessas novas tecnologias estão menos distantes no horizonte. Duas encontram-se disponíveis há bastante tempo. Uma delas é o GPS e a outra, o Glonass.

O GPS é um sistema de posicionamento por satélites, de longo tempo (22 anos), já conhecido e usado. Entretanto, o mesmo não ocorre com o sistema russo. O Glonass ficou relegado ao segundo plano por muito tempo, embora existam receptores capazes de adquirir os sinais dos dois sistemas há mais de cinco anos.

Por que não o Glonass?

Acredito que o fato que mais desencorajava seu uso fosse a falta de credibilidade na continuidade da constelação russa, além de alguns aspectos técnicos. Recentes mudanças promoveram a continuidade do sistema, entre eles um recente acordo de cooperação com o governo norte-americano.

O primeiro satélite foi lançado em 12/10/1982 e desde então mais de oitenta foram postos em órbita. Os russos chegaram a completar a constelação em janeiro de 1996, mas problemas econômicos os obrigaram a reduzir o orçamento, causando impacto na manutenção da constelação e reduzindo o número de veículos para sete.

No decorrer dos últimos anos, o Glonass vem passando por um período de reativação e modernização com o lançamento da segunda geração de satélites. Estão entrando em operação os satélites Glonass-M (701 e 712 na tabela 1), que também fornecerão sinais civis L2, proporcionarão melhorias nos seus dados de navegação (do próprio satélite) e possuem vida útil de sete anos, além de outras vantagens sobre a primeira geração.

Apesar de não criptografar o código P, há previsão de fazê-lo em um futuro próximo; o novo sinal civil vem de encontro a esta restrição, possuindo características semelhantes à L2C do GPS. O programa de modernização tem prioridade e previsão para conclusão em 2011.

A terceira geração (K) também já está programada, com início entre 2007 e 2008, e deve proporcionar sinal civil também em L3, além de ter maior vida útil: 10 anos. O sistema russo tem hoje, pois, uma nova política, alinhando-o ao GNSS, e prossegue com o lançamento de novos satélites, como pode ser verificado na tabela 1 que demonstra seu atual status em 13 satélites operacionais. 


Tabela 1: Disponibilidade de satélites Glonass em 31 de maio de 2006. www.glonass-ianc.rsa.ru 

O objetivo original da constelação russa é similar ao do GPS, ou seja, há predominância para atendimento das necessidades militares. Conforme o Documento de Controle de Interface (ICD) versão 5.0 de 2002 o propósito do sistema é providenciar ilimitado posicionamento tridimensional, velocidade e tempo á aplicações aéreas, marítimas ou para qualquer outro tipo de usuários na terra ou no espaço próximo.

O sistema é composto por 3 segmentos. O segmento espacial é formado por 24 satélites distribuídos em 3 planos orbitais; cada plano pode conter 8 satélites. Os veículos gravitam a uma altitude de 19.100 km. As estações de controle são distribuídas ao longo do território russo.

O usuário necessita observar simultaneamente 4 satélites para obter o posicionamento 3D. O sistema geodésico de referência empregado é o PZ-90 (parâmetros: a = 6378136 m, f = 1:298,257839303), o site www.glonass-ianc.rsa.ru , informa que os parâmetros de transformação desse sistema para o sistema WGS 84 ainda não estão definitivamente determinados.

A tabela 2, obtida de Zinoviev (2005) apresenta alguns parâmetros em uso e que, segundo o autor, têm se apresentado adequados para as “necessidades práticas”. 


Tabela 2: Parâmetros de transformação para conversão do sistema geodésico PZ-90 para o datum WGS-84

Diferentemente do que no GPS, cada satélite é identificado por sua própria freqüência através da técnica FCDMA (frequence code division multiple access) nas sub bandas de L1 e L2, que possuem 1.6 GHz e 1.2 GHz, respectivamente.

Entretanto, alguns satélites podem transmitir a mesma identificação, porém colocados em pontos antípodas de mesma órbita de forma que seus sinais não irradiam simultaneamente sobre a mesma região.

Com a diversificação dos sistemas de posicionamento e a evolução do conceito GNSS, verifica-se uma corrida da indústria de equipamentos pela oferta ao mercado de receptores com características variadas. Alguns podem adquirir sinais GPS e Glonass, outros também do Galileo. Ao menos em fase experimental, há também aqueles que se beneficiam do EGNOS.

Minimamente o usuário pode contar hoje com equipamentos que operam com o sistema norte americano e russo. Uma clara vantagem é a maior disponibilidade de satélites. Isto, por si, já é interessante, visto que possibilita o posicionamento em locais mais restritos e a resolução mais rápida das ambigüidades.

São estes dois fatores contribuintes para melhorar a produtividade na aquisição dos dados em campo, ou seja, na fase de observações.

Contudo, destaca-se que o posicionamento preciso por satélites não se esgota somente nas observações de campo. Para exemplificar o benefício proporcionado durante as observações demonstra-se com o gráfico da figura 1 para a região de São Paulo, no dia 10/06/2006, entre 6h00 e 18h00.


Figura 1: Gráfico de disponibilidade de satélites e fator DOP para o GPS e Glonass

• A área hachurada em verde claro demonstra o período em que ocorre uma quantidade menor do que 7 satélites;
• As linhas lilás e a marrom demonstram a quantidade de satélites GPS e Glonass, respectivamente;
• E a linha magenta demonstra a curva de GDOP.

Verifica-se que se considerado somente o Glonass a atual constelação é insuficiente, mas a combinação dos dois sistemas traz maior benefício.

Estas características de disponibilidade e geometria demonstram, sob estes dois aspectos, o maior período disponível e a capacidade para se posicionar com métodos rápidos, bem como . um ganho em relação a locais com maior restrição à visibilidade, como por exemplo o ambiente urbano ou sob determinados tipos de vegetação.

As vantagens proporcionadas pelo GNSS nesta atual fase da constelação russa é apenas o começo de uma nova era. Ainda é um pouco cedo para se certificar a respeito do que poderá advir da adição da modernização do GPS por volta de 2008 e da compleição do Galileo em 2010.

Por essa época haverá uma constelação com mais de cinqüenta veículos espaciais divulgando vários tipos de sinais.Antes dessas datas, a julgar pelos atuais movimentos das indústrias, ter-se-á sucessivas alterações no segmento.

Em termos de aplicações, pode-se fazer um exercício apenas. Muito provavelmente teremos um incremento em precisão, mas é possível que a maior quantidade de satélites favoreça mais a produtividade e novos serviços como a certificação de transações e documentos.

Tal como hoje vemos acontecer com o GPS, novos campos de atuação se abrirão para a agrimensura e cartografia.

Pode-se imaginar que a concorrência entre as empresas nos proporcionará uma variedade maior ainda de receptores, que serão relativamente mais baratos, após algum tempo.

Neste momento muitas dúvidas se apresentam:
Como deverá o usuário se comportar diante de tamanhas mudanças?
Qual será a melhor hora de sair do domínio da atual e entrar na nova tecnologia?
Que impactos as alterações trarão aos proprietários dos atuais receptores GPS?
Quais campos de atuação se abrirão para as nossas profissões?

Fiquemos atentos!

Bibliografia

Javad; A. Galileo, Glonass and GPS. GPS World, February 3, 2006.
Zinoviev; A. E. Using Glonass in Combined GNSS Receivers: Current Status. ION GNSS 18th International Technical Meeting of the Satellite Division, 13-16 September 2005, Long Beach, CA
www.glonass-ianc.rsa.ru 

Curiosidades

Saiba o que significam as siglas mais comuns quando o assunto são os sistemas globais de navegação por satélite, ou GNSS:

GNSS: Global Navigation Satellite System. Termo genérico para sistemas globais de navegação por satélite
GPS: Global Positioning System. Sistema americano
Glonass: Sistema russo
Galileo: Sistema europeu
GIOVE: Galileo In Orbity Validation Element. Primeiro satélite da constelação do Galileo
EGNOS: European Geostationary Navigation Overlay System. Sistema europeu para melhoramento dos sinais GPS e Glonass
WAAS: Wide Area Augmentation System. Sistema americano que melhora a precisão e a integridade do sinal GPS

Régis Bueno
Engenheiro agrimensor, colunista da revista InfoGPS|GNSS na seção Agrimensura
regisbueno@uol.com.br