O uso do GPS no modo relativo de fase para a obtenção das coordenadas dos vértices de propriedades rurais foi regulamentado pela portaria 954, referida à na Lei 10.267 de 31 de outubro de 2001, preconizando uma exatidão de 50 cm nas coordenadas UTM. Para isso, os receptores L1 estão limitados em lances até 20 km, acima do que se requer o uso dos receptores L1/L2, menos difundidos no Brasil.

Em muitos casos, a certificação das coordenadas é feita com base na precisão dos relatórios de pós-processamento, que não informam a exatidão exigida. Esta pesquisa foi motivada pela possibilidade de se usar os resultados de receptores L1 em lances maiores, mediante uma análise da contribuição das fontes de perturbações na propagação dos sinais, que causariam desvios acima da tolerância. Após esta análise, testou-se um programa de decisão que, devidamente alimentado com um banco de dados controlados, consegue avaliar uma nova observação, qualificando a sua exatidão.

Pesquisa
Coordenadas de pontos no terreno podem ser obtidas por meio do GPS no modo relativo, o que envolve o uso de um par de receptores, estando um deles com a sua antena devidamente instalada em um ponto de coordenadas conhecidas a priori.

Alimentando um programa específico com os dados coletados nos dois receptores se determinam as componentes cartesianas geocêntricas dx, dy e dz do vetor que une os pontos. Como a quantidade de dados coletados pelos receptores é muito superior ao necessário para se obter a solução, os programas usam o método de ajustamento paramétrico dos mínimos quadrados (MMQ), que fornece uma indicação da qualidade estatística da solução e uma visão gráfica dos resíduos do ajustamento. O principal problema desta solução é que a sua precisão não representa a exatidão das coordenadas produzidas.

Por este motivo, procurou-se pesquisar a origem do espalhamento das soluções de um conjunto significativo de dados, coletados em dois locais fixos. A literatura indica que as principais fontes de perturbação são a refração ionosférica, influenciada pela atividade solar, a refração troposférica, influenciada pelas atividades meteorológicas, e as reflexões nos locais próximos às antenas.

Dados
Para verificar a exatidão, foram usados dados das seguintes estações de monitoramentocontínuo, que estabelecem um vetor com 82,7 km de extensão:

• Estação STTU, na Escola da Engenharia de São Carlos, onde funciona o um receptor GPS Leica SR9400, de uma freqüência.
• Estação CIAGRI, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, com um receptor GPS, Trimble ProXL, também de uma freqüência.

Embora as suas coordenadas não sejam homologadas pelo IBGE, isto não invalida a pesquisa, pois resulta apenas uma diferença constante.

Foram selecionadas 3.392 horas de dados de dois dias de coleta ininterrupta a cada mês, contemplando o adiantamento diário da constelação e os dias em que se registraram atividades solares expressivas. Os dados permitiram a organização de 1.696 sessões, com uma hora de duração.

Cada sessão foi processada com o programa Trimble Geomatics Office, versão 1.0, usando os dados de fase L1 de satélites com elevação superior a 15º de elevação, obtendo-se o vetor STTU-CIAGRI, a partir dos quais se obteve as repetidas coordenadas da estação CIAGRI. A análise das causas do espalhamento foi realizada comparando-se a diferença entre as coordenadas obtidas e as coordenadas tomadas como referência. Para isso aplicaram-se três formas distintas de tratamento:

Processamento 1:
Uso dos dados na forma como foram coletados, inclusive sob atividade solar expressiva, sem qualquer correção ou filtragem. Obtiveram-se 196 soluções “fixas”, que teoricamente devem apresentar menor espalhamento, e 1.500 soluções “float”. Estes resultados serviram de referência na comparação com os resultados obtidos nos outros dois tipos de cálculo.

Processamento 2:
A refração da ionosfera não é igual nos extremos de uma linha-base com dezenas de quilômetros, podendo causar medidas de fase distintas para o mesmo satélite. No processamento relativo esta diferença é minimizada, mas não é totalmente eliminada, sendo uma das causas das soluções “float” Neste processamento foi introduzida a correção da refração ionosférica, usando o modelo transmitido de Klobuchar e os coeficientes transmitidos de ionosfera, esperando-se uma considerável mudança na proporção das duas soluções.

Processamento 3:
Similarmente, foi introduzida a correção devida à refração troposférica usando o modelo de Hopfield, com os dados meteorológicos registrados no instante da observação, esperando-se outra proporção entre as soluções obtidas.

Esta etapa produziu 5.088 conjuntos de coordenadas do ponto CIAGRI, que povoaram o banco de dados e foram usados para interpretar a sua qualidade, além de modelar o comportamento do GPS no período da pesquisa.

Resultados
Pelo motivo de cada vetor ter sido processado mais de uma vez, o elemento de comparação teve que ser único, para servir como um referencial na confrontação daquilo que se pretendia comparar: a exatidão da posição do ponto medido. Por isto, foram usadas as coordenadas UTM, no sistema WGS-84, de cada solução. Os três processamentos produziram 5.088 resultados, agrupados de acordo com o tipo de solução obtida e condição de atividade solar, conforme mostra a Tabela 1.

Soluções obtidas
-> Tabela 1 – Soluções obtidas

O comportamento individual de cada vetor submetido aos três tipos de cálculo demonstrou que as condições de ionosfera e de troposfera não são condicionantes para se chegar à fixação das ambigüidades inteiras. Isto ficou demonstrado pelos 179 vetores com soluções fixas, obtidas sem a introdução de parâmetros de correção. Além disso, o esforço em se considerar efeitos da ionosfera e da troposfera não modificou o status das soluções, a ponto de convertê-las de “float” em fixas. O comportamento do sistema GPS, expresso pelo agrupamento das soluções obtidas pode ser visualizado na Figura 1.

Desvio das coordenadas UTM em relação ao valor esperado
Desvio das coordenadas UTM em relação ao valor esperado
Desvio das coordenadas UTM em relação ao valor esperado
Desvio das coordenadas UTM em relação ao valor esperado
-> Figura 1 – Desvio das coordenadas UTM em relação ao valor esperado

Dos conjuntos com solução “float” se estabeleceu o banco de dados conhecidos, tomados como referência, e a correlação entre a precisão da solução e a exatidão, mostrada na Figura 2.

Correlação entre precisão da solução e a exatidão na solução “float”
-> Figura 2 – Correlação entre precisão da solução e a exatidão na solução “float”

A figura mostra que a precisão da solução não informa diretamente a exatidão da medida, mas está com ela relacionada, como mostra a linha de tendência em vermelho.

Estrutura da Árvore de DecisãoÁrvore de Decisão
Para modelar o comportamento do GPS e estabelecer a correlação entre a precisão da solução e a exatidão das coordenadas foi empregada a Estatística Inferencial Computacional, através da técnica de aprendizado de máquina conhecida como Árvore de Decisão (AD).

Uma AD é indicada para explicar de forma clara muitos problemas de grande complexidade e de difícil conceituação, como é o caso da exatidão de medições feitas com o GPS. É uma estrutura de dados constituída recursivamente por nós de decisão, que contêm um teste sobre algum atributo, e folhas, que correspondem a classes, conforme mostra a Figura 3.

Sendo uma medição GPS constituída de diferentes atributos que podem ser modelados, como observável utilizada, taxa de gravação, tempo de coleta, perturbação ionosférica e troposférica e atividades solares, ela é passível de ser analisada por uma AD. A Árvore aprende a partir do treinamento computacional, desenvolvido sobre o banco de dados conhecidos, para estabelecer as regras de inferência e produzir as folhas que a compõem, se capacitando para analisar novas medições.

L1 em bases acima de 20 km
Confirma-se que a solução relativa L1 “fixa” é válida em bases bem acima de 20 km, podendo ser aceita na certificação de imóveis rurais.

O posicionamento de pontos em linhas base com esta dimensão, usando exclusivamente a fase da portadora L1, deve exigir a solução com fixação de ambigüidade inteira, para a maior segurança do resultado.

O uso dos modelos de refração ionosférica e troposférica no processamento relativo usando apenas a portadora L1 não resulta em melhora sensível na exatidão das coordenadas.

O tratamento dispensado aos dados mostrou que as perturbações provocadas pela ionosfera e pela troposfera, em vetores de dimensões até 80 km, não são determinantes para a fixação da ambigüidade inteira da solução.

O uso da Árvore de Decisão para classificar a exatidão contida numa determinada solução de posicionamento GPS se mostrou viável, pela sua facilidade de uso no treinamento de um grande número de medições, compostas por múltiplos parâmetros de avaliação.

No caso particular do Incra, a AD poderia ser implementada como um método auxiliar na certificação automatizada das coordenadas dos pontos de divisa de um imóvel, assegurando a sua exatidão.

Referências para consulta

HOFMANN-WELLENHOF, B.; LICHTNEGGER, H.; COLLINS, G.: Global Positioning System, Theory and Practice, Editora Springer-Verlag Wien, Austria 2001

LEICK, A.: Geometric Geodesy, 3D-Geodesy, Conformal Mapping, Department of Surveying Engineering, University of Maine 1980

LEICK, A.: GPS-Satellite Surveying, Editora John Wiley & Sons, Inc., Hoboken, New Jersey 2004

SEEBER, G.: Satellite Geodesy, Editora Walter de Gruyter & Co. Berlim. 2003

WAENY, J.: Controle Total da Qualidade em Metrologia, Makron Books Editora Ltda., São Paulo 1992

Departamento de Transportes da USP – São Carlos

Prof. Dr. Mauro Menzori
menzori@sc.usp.br
Prof. Assoc. Paulo Cesar Lima Segantine
seganta@sc.usp.br
Prof. Dr. Ricardo Ernesto Schaal
schaal@sc.usp.br