Polêmico e contraditório, este assunto tem causado sérios aborrecimentos aos profissionais credenciados para execução dos trabalhos técnicos exigidos pela Lei 10.267/2001.

A questão tem duas correntes. De um lado o Incra que apenas autoriza o uso de cartas topográficas com anuência prévia, prevista no Capítulo 4, item 4.1 da Norma técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais (nov.2003) e o uso das imagens de satélite, que não atendem atualmente os padrões de precisão e acurácia exigidos pela referida norma técnica. De outro está o geomensor, responsável técnico pelos trabalhos, que está ciente das dificuldades para o levantamento dos pequenos córregos e rios com vegetação densa.

As dimensões do território brasileiro nos mostram uma diversidade de relevo e vegetação onde procedimentos técnicos para o georreferenciamento de duas propriedades rurais, com as mesmas dimensões, podem ter dificuldades diversas, como por exemplo se compararmos as propriedades localizadas nas planícies e chapadas com os imóveis rurais existentes na mata atlântica.

Vejamos que na primeira situação predominam os terrenos planos e com pouca vegetação, bons para rastreio GPS, visadas diretas para teodolitos e estações, e poucos obstáculos. Já no segundo caso veremos um relevo dobrado coberto por uma espessa camada de vegetação, o que prejudica o rastreio e o caminhamento da poligonal.

As cartas oficiais do IBGE para o Estado do Paraná estão representadas na escala 1:50.000 para a maior parte do território, com algumas exceções: 1:25.000, ou na melhor das hipóteses 1:10.000 (caso da região metropolitana de Curitiba). Assim, a escala de representação geralmente nos surpreende quando estamos no campo. Porque?

Podemos verificar a existência de inúmeros acidentes naturais quando adentramos na serra do mar, por exemplo, que dependendo da escala ou da reambulação omitirá uma série de detalhes do relevo. Isso pode ocorrer por vários motivos: aerolevantamentos antigos, vegetação espessa, falhas naturais, estradas abandonadas que se confundem com rios, etc.

Também as reduções para 1:50.000 por vezes não permitem que diversas micro-bacias hidrográficas sejam representadas na carta topográfica, fazendo com que importantes nascentes e reservas legais de mata ciliar fiquem fora do levantamento. O Incra não deixa de ter razão por almejar um cadastro fiel.

Por outro lado existem divisas formadas por rios visíveis na carta topográfica, onde não se constata a existência de nenhum rio perene ou intermitente como tributário do eixo principal. Neste caso, a reserva legal do imóvel medido, por si só, dispensa qualquer litígio ou medição mais apurada com teodolito ou estação total. Para isso o geomensor deve ser responsável e fiel na representação do relevo encontrado, desde que o Incra tenha previamente aprovado a digitalização da carta topográfica oficial.

Temos também a questão das imagens de satélite que, devido ao avanço nos investimentos em novas tecnologias de plataformas e sensores orbitais, despejam no mercado um farto e pesado material de consulta visual. O que muitos não compreendem é o tamanho da discrepância métrica existente nessas imagens, onde geralmente o centro do foco mantém um determinado padrão, porém ao aferirmos as coordenadas verificamos que as bordas sempre apresentarão distorções.

O tema já virou febre entre os internautas, órgãos públicos e provedores particulares que disponibilizam imagens do mundo todo. Basta clicarmos no “zoom” e pronto, lá está nossa área. Desse modo, o usuário pensa que basta salvar o arquivo no formato jpg, abrir a imagem em algum software de desenho (paint, por exemplo) e passar o risco sobre a área que o mapa estará pronto. Será?

Com a mixagem no uso das ferramentas disponíveis hoje em dia até podemos produzir mapas "bonitos“. Porém, apesar do valor artistístico da obra, serão oficialmente inúteis porque na verificação de campo poderemos até localizar a propriedade, mas dificilmente conseguiremos implantar uma cerca de divisa.

Um dos maiores problemas das imagens está na altimetria. Existem modelos construídos em softwares GIS que permitem a geração da área em 3D, uma base vetorial (carta digital) sobreposta (overlay) sobre dados raster (imagem). Se não houver fidelidade métrica dos dados e tratamento adequado das imagens, teremos um produto maquiado e inadequado para procedimentos em levantamentos oficiais.

Quero dizer que toda essa tecnologia de softwares, imagens e/ou cartas digitalizadas são úteis para determinados projetos, mas nesse espaço estamos nos referindo à Lei 10.267/01, que está normatizada e não tolera erros, requerendo precisões centimétricas. Talvez no futuro tenhamos um melhor aproveitamento destes recursos para realizar esse tipo de trabalho.

Pessoalmente, para não dispensar todo este cardápio tecnológico, utilizo esses recursos para atividades de orçamento e planejamento, para futuros levantamentos dos imóveis rurais, e isto tem ajudado bastante. Porém, geralmente este material serve apenas para uso pessoal ou, quando muito, para apoio na construção do mapa de localização que deve estar contido na planta do imóvel, conforme determinação do Capítulo 5, item 5.2 da Norma técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais (nov.2003).

Finda-se um dos mistérios sobre os vales ocultos nas cartas topográficas com escala 1:50.000 e das distorções existentes nas imagens de satélite, e inicia-se a polêmica sobre a forma como trabalharmos em um estado ou noutro, onde teremos parâmetros diferentes para interpretação do mesmo tema.

São tendências opostas que buscam o mesmo caminho. Por hora, as trilhas para o processo de certificação dos imóveis rurais apresentam inúmeros ramais de conexão, mas logo estaremos todos no mesmo caminho e Oxalá possamos georreferenciar todo o Brasil no menor tempo possível, haja vista o número de imóveis a serem levantados em todo o território nacional.

Afinal, algo que pode ser preciso para um, às vezes parece que não é necessário ser feito por outro. Para que nós, profissionais credenciados, possamos trabalhar com certa tranqüilidade, dependemos apenas e tão somente do apoio e orientação do Incra, não subsistindo motivos para discussão. O que precisamos é apenas a oportunidade de trabalhar tranqüilos. Mas, para que evitemos conflitos desnecessários, vale lembrar de um velho ditado: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Julio César Nogueira da Luz
Montanhista e geógrafo credenciado pelo Incra
jcngeo@hotmail.com