O uso de satélites com o objetivo espefico de fornecer dados para estudar a atmosfera abre perspectivas para melhorar a capacidade de previsões de tempo.

Neste sentido, destaca-se a importância do sinergismo entre a geodésia e a meteorologia, no que diz respeito às técnicas de recuperação de perfis atmosféricos (temperatura, pressão e vapor d’água), a partir de dados de ocultação GPS.

Visando divulgar o tema, o texto apresenta os fundamentos envolvidos na ocultação, projetos em andamento neste sentido e as perspectivas do uso da ocultação GPS no Brasil.

Ocultação é o fenômeno pelo qual um corpo celeste deixa de ser visto em razão da sobreposição de um outro corpo celeste. A ocultação começou a ser usada há vários anos para estudar a atmosfera de planetas.

Inicialmente, em ocultações estelares, onde as estrelas eram observadas da Terra quando passavam por trás de um planeta. Atualmente vem sendo utilizada a Rádio Ocultação (RO) GPS, que pode ser visualizada na figura 1.


Figura 1: Ilustração conceitual da ocultação GPS

A ocultação do sinal GPS está relacionada com dois satélites ocultos pela Terra; no caso, um satélite GPS que emite o sinal, e um satélite de órbita baixa (LEO) que recebe o sinal. Essa comunicação sofre os efeitos da troposfera e da ionosfera, afetando a fase e a amplitude das ondas dos sinais envolvidos.

Nesse caso, a propagação do sinal se dá na forma de uma linha curva, entre o transmissor e o receptor. Isso faz com que os satélites, mesmo não estando visíveis entre eles, consigam enviar e receber sinais.

Assim, a rádio ocultação se comporta como um experimento óptico no qual a atmosfera atua como uma lente, alterando a velocidade da propagação e da trajetória do sinal que a atravessa. As principais finalidades do estudo da técnica de RO são analisar a refração dos sinais GPS; obter perfis atmosféricos a partir dos sinais GPS; avaliar o ângulo da curvatura do sinal GPS; e proporcionar parâmetros chaves do clima: temperatura, umidade, pressão e vapor d’água.

Projetos em andamento e futuros

Durante o estudo e desenvolvimento da técnica de rádio ocultação, foram e ainda estão sendo desenvolvidos vários projetos com objetivos específicos, sendo a maioria, para a realização de estudos da atmosfera, ionosfera, a forma da terra, entre outros.

A seguir, serão brevemente descritos alguns desses projetos.

GPS/MET

O GPS Meteorologia (Global Positioning System/Meteorology – GPS/MET) foi o primeiro programa a utilizar a técnica de rádio ocultação para a sondagem da atmosfera neutra e ionosfera. Lançado em um satélite LEO em 3 de Abril de 1995, coletou dados até fevereiro de 1997. O GPS/MET apresentou resultados com alta acurácia (~1km) e alta resolução vertical (~500m) com a técnica de RO e foi muito usado na quantificação do vapor da água na baixa, média e alta troposfera, meteorologia polar, gravidade de ondas na estratosfera e perfis da densidade de elétrons na ionosfera.

CHAMP

O Satélite LEO Alemão de baixa órbita, denominado CHAMP, foi lançado em 15 de Julho de 2000, em uma órbita quase circular, próxima à órbita polar (i=87°) com uma altitude inicial de 454 km. CHAMP é uma missão geocientífica para a determinação da gravidade e do campo magnético da terra e, para bases GPS de sondas atmosféricas. Esse satélite coleta diariamente até 250 perfis de temperaturas, distribuídos com uma resolução vertical aproximada de 0,5 km na troposfera e 1,5 km na estratosfera.

SAC-C

O SAC-C é o primeiro satélite de tele-observações da Argentina, tendo por objetivo a realização de estudos dos ecossistemas terrestres e marinhos, utilizando a técnica de RO para monitorar os conteúdos do vapor d’água e os perfis de temperatura da atmosfera, determinação da variabilidade da estrutura atmosférica, provendo observações de alta precisão do campo magnético terrestre, e realizar medidas da variação do campo gravitacional, bem como de fundamental importância no estudo dos movimentos das geleiras polares e suas circulações oceânicas.

GRACE

O Gravity Recovery And Climate Experiment (GRACE) faz parte do programa Solid Earth and Natural Hazards (SENH) da National Aero Space Agency (NASA), em parceria com o Deutche Forschungsanstalt für Luft und Raumfahrt, tendo como objetivo o fornecimento de observações melhoradas sobre o campo gravitacional terrestre. Com lançamento a partir de Plesetsk (Rússia), no dia 17 de março de 2002, o GRACE é capaz de produzir modelos do campo gravitacional terrestre em alta resolução, estudos da atmosfera, obtendo aproximadamente 200 – 250 ocultações diárias, proporcionando perfis de pressão, temperatura e umidade atmosférica. Mais informações com relação as demais aplicações do GRACE podem ser encontradas no endereço eletrônico.

EQUARS

Em termos de Brasil, a missão científica do EQUARS foi definida pelo comitê de projeto de satélite da divisão de Aeronomia do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), com o objetivo de monitorar, em escala global, a atmosfera equatorial, troposfera, estratosfera, mesosfera e a ionosfera. O objetivo maior é o estudo dos processos dinâmicos, elétricos, fotoquímicos e ionosféricos, na linha equatorial, na baixa, média e alta atmosfera, com ênfase especial em transporte de energia vertical, propagação de gravidade, ondas de marés em escalas planetárias, e a geração e desenvolvimento de bolhas de protoplasma na ionosfera. O lançamento está previsto para março de 2007 e, de acordo com os proponentes do projeto, há intenção é que o EQUARS faça parte do COSMIC.

COSMIC

Estimulado pelo sucesso do GPS/MET, a nova missão GPS com RO, conhecida como COSMIC (Constellation Observing System for Meteorology, Ionosphere, and Climate), é um projeto desenvolvido por Taiwan (República de Formosa) e os Estados Unidos. Sua constelação será composta por oito satélites LEO, com lançamentos inicialmente previstos para 2005, seis deles foram lançados em 16 de abril de 2006.

Na meteorologia, o conjunto de dados do COSMIC permitirá investigar a distribuição de vapor d’água global e traçar o fluxo atmosférico do vapor d’água que é tão crucial para análise e predição do tempo. A alta precisão esperada com o COSMIC na obtenção dos perfis atmosféricos, dará suporte para as investigações de frentes frias e outras estruturas climáticas, e melhorar a compreensão da troca de processos entre a tropopausa e a estratosfera.

Para a ionosfera, dados advindos do COSMIC propiciarão o desenvolvimento de modelos físicos para previsão espacial do tempo provendo medidas de densidade de elétrons, precisas e globais, bem como testar os modelos disponíveis. Cientistas poderão observar a resposta da ionosfera global ao impacto de uma tempestade solar, e seus efeitos provocados no mundo.

Novas revelações desses dados melhorarão a modelagem ionosférica e, assim, contribuirão para o desenvolvimento de técnicas de previsão do tempo. O COSMIC proporcionará uma base de dados referentes a vários satélites.

Está projetado para obter, aproximadamente, 3 mil ocultações diárias, distribuídas pelo mundo todo, conforme ilustra a figura 2. 


Figura 2: Representação da distribuição das amostras da sondagem atmosférica que o COSMIC proporcionará, durante 24 horas de coleta

Ocultação GPS e sua aplicação na meteorologia

Para a medição de parâmetros meteorológicos na atmosfera (temperatura, pressão e vapor d’água), utiliza-se as radiossondas, equipamentos que realizam essas medidas a partir da superfície até cerca de 30 km de altura.

Atualmente, sistemas de radiossondas são capazes de determinar o vento atmosférico, através do uso do Sistema de Posicionamento Global (GPS), que determina a velocidade diferencial entre a radiossonda e o sistema no solo, computando-se a diferença de freqüência entre o sinal GPS recebido pela sonda e o recebido pela estação do solo.

Portanto, medidas de temperatura, pressão (que pode também ser determinada indiretamente), umidade e vento são as variáveis meteorológicas de interesse e medidas por radiossondas.

Neste sentido, o GPS passou a ser usado para estudos meteorológicos, sendo que o sinal GPS sofre atraso ao se propagar na atmosfera neutra (troposfera). Esse atraso é de certa forma proporcional à quantidade de água presente na troposfera.

Desta forma, é possível converter esse atraso em vapor d’água integrado, ou água precipitável, uma informação de extrema importância para a previsão de tempo. Com o uso de satélites específicos, podem-se obter perfis de áreas inacessíveis, uma vez que não é necessária a ocupação do respectivo ponto na superfície terrestre, como ocorre quando se usa radiossondas.

Assim, torna-se de fundamental importância a conciliação da meteorologia com as técnicas atuais do GPS.

Perspectivas das contribuições dessa técnica no Brasil

A técnica de rádio ocultação permite a aquisição de perfis atmosféricos de áreas remotas. No Brasil, em função de sua ampla extensão territorial e da presença de locais de difícil acesso, o uso de satélites parece ser uma alternativa promissora.

Com a constelação COSMIC, também será possível o monitoramento da ionosfera, proporcionando mapas ionosféricos tridimensionais. É de fundamental importância o conhecimento da influência da ionosfera nas atividades de posicionamento, uma vez que no Brasil existe grande influência desta nas observáveis GPS, deteriorando a precisão e acurácia do posicionamento geodésico.

Destaca-se então, a necessidade do avanço de atividades científicas nessa área, buscando o conhecimento da técnica de RO. No Brasil, com o lançamento do satélite EQUARS, o qual poderá fazer parte do COSMIC, poder-se-á gerar perfis, tanto da atmosfera, como da ionosfera.

O resultado deverá gerar ótima perspectiva para a meteorologia, climatologia e a geodésia em especial.

Marcelo Leandro Holzschuh
Engenheiro cartógrafo
mlholz@ig.com.br 

João Francisco Galera Monico
Engenheiro cartógrafo
galera@prudente.unesp.br