Este espaço poderia ser utilizado para apresentar características técnicas, componentes, funcionalidades e outras informações relevantes sobre software livre para geo. Poderia também divulgar comparativos de desempenho, operações em relação aos produtos proprietários, citar centenas de endereços eletrônicos e nomes de programas. Optei por abordar um outro caminho, com duas direções opostas: os preconceitos que envolvem este tema e as soluções “de verdade” desenvolvidas com a tecnologia livre.

Não nasci no mundo livre. Pelo contrário. Atuo na área de cartografia digital/SIG desde os anos 80. Treinei e operei praticamente todos os programas de mercado. Portanto, toda a minha formação e conhecimento vêm do mundo proprietário.

Em determinado momento, no ano de 2003, o Governo do Estado do Paraná implantou a política de software livre nas instituições estaduais.

“O que é isso? Não existe. Não funciona. É coisa para nerds. Definitivamente, não é para geo.”
Estas eram – e são – as afirmações mais comuns. Mas, como pela própria formação, aliada ao fato de que todos que escolhemos a área de geoprocessamento, somos um pouco desbravadores por natureza e aceitamos desafios com facilidade, o software livre representou mais uma etapa nesta empreitada.

O começo realmente não é fácil. Os preconceitos nos impedem de pensarmos de uma nova forma, de mudarmos nossos paradigmas.

“Não há custo. É só baixar da internet. Pode não funcionar. Joga-se toda a plataforma proprietária existente. Incendeiam-se as bases de dados e arquivos produzidos. Começar tudo de novo! Não dá…”.

A realidade, porém, é bem diferente. Encontramos em plataforma livre programas disponíveis para as diversas etapas das atividades de geo/SIG. Entrada de dados? Tem. Edição? Projeções? Internet? Cliente-Servidor? Sistemas Gerenciadores de Banco de Dados Espaciais? Metadados Espaciais? Tratamento de Imagens? Padrões para interoperabilidade? Programas para GPS? Tem e tem. Todas as ferramentas com as quais sonhamos estão ao nosso alcance, sem custos e sem limitações. Podemos selecionar, criar e produzir tudo o que um dia pensamos que poderia ser realizado se, e somente se, tivéssemos um bom software.

“Bem, então temos software livre disponível e acessível para todas as etapas do geo?”

Sim. Porém as dúvidas continuam. “Mas não sabemos trabalhar com SO livre1. Além disso, temos milhares de feições em arquivos em formato proprietário, dados em SGBDE proprietário, funcionalidades desenvolvidas, equipes treinadas e trabalhando com software proprietário, além de programas adquiridos…”

É neste ponto que temos, talvez, o fato mais surpreendente. O software livre realmente é livre. Permite-nos trabalhar nos mais diversos ambientes: computadores livres e proprietários, simultaneamente: solução livre x dados em formatos proprietários; bancos de dados livres x bancos de dados proprietários. O mundo livre não nos engessa. Não nos escraviza. Possibilita-nos usufruir o que de melhor temos nos dois mundos e viver em harmonia. Criar e buscar melhores soluções. Desenvolver e disseminar a nossa área.

Precisamos é experimentar. Usar. Tentar. Arregaçar as mangas e deixar definitivamente para trás os pilotos de programas que se intitulam profissionais e mantém reféns em seus computadores dados e informações, aguardando os vultuosos investimentos para a área. Aliás, esses “investimentos”, defendidos por alguns, representam um dos fatores que mais atrapalharam nossa área nas últimas décadas e até hoje impedem a disseminação da tecnologia. Dirigentes ainda vêem o geo como caro, oneroso, complicado e demorado. É melhor deixar para lá. Enquanto isso, mundo afora, os “system for systems” avançam, Google Earth, EOS, GSDI…

Resolvidas estas questões do preconceito, vem a pergunta crucial: mas existem sistemas “de verdade” desenvolvidos com estes softwares?

Imagine um programa de governo que é desenvolvido nos 399 municípios paranaenses, com dados atualizados diariamente na fonte, agregando informações online de outras secretarias de Estado e de órgãos federais, integrado e monitorado por meio de uma aplicação geo. Pense em todos os imóveis que são requeridos diariamente no Instituto Ambiental do Paraná para receberem a licença ambiental, integrados em uma base única e a eles somados os dados do meio físico. E os barracões da avicultura paranaense, todos georeferenciados e com funcionalidades desenvolvidas para a detecção de possíveis focos da gripe aviária.

Sistema de Informações Ambientais - Instituto Ambiental do Paraná/SEMA
-> Sistema de Informações Ambientais – Instituto Ambiental do Paraná/SEMA

O que dizer então da Defesa Civil do Estado, que possui um sistema com todas as ocorrências de acidentes e alterações climáticas, dados de prevenção de incêndios florestais gerados diariamente no SIMEPAR e disponibilizados online.

Sistema de Informações da Defesa Civil - Casa Militar
-> Sistema de Informações da Defesa Civil – Casa Militar

Na Casa Civil, as questões políticas do Estado são monitoradas por meio de uma aplicação geo. O programa Paraná Biodiversidade, integrando e disponibilizando os dados gerados em uma só aplicação. Os pais, alunos e cidadãos localizando as escolas estaduais nos mapas do munícipios, vendo as fotos da escola, conhecendo o nome do diretor, o número de vagas. E o parque de hardware do Estado, que em breve a Celepar está inventariando e apresentando em uma base geográfica? E a sala de situação da Secretaria de Saúde, que está em fase de definição dos requisitos, bem como o Departamento Penitenciário do Estado?

Certamente todas essas aplicações, desenvolvidas pela Celepar- Informática do Paraná, são “de verdade”. Funcionam. Estão implementadas e sob constante uso pelas diversas secretarias de Estado e pelos cidadãos. Sistemas simples? Não. Múltiplas bases de dados e múltiplas plataformas de desenvolvimento. Dados geográficos produzidos por diferentes organizações em diversos formatos. Dados atualizados online. Imagens de satélites. E o software livre lá, firme e forte.

Evento Latinoware 2005 - Celepar/SEAE
-> Evento Latinoware 2005 – Celepar/SEA

E os resultados? Para nós desenvolvedores, excelentes. Para nossos clientes? Bem, é melhor perguntar diretamente a eles (www.celepar.pr.gov.br) e conferir o seu crescente grau de satisfação.

Aliás, para finalizar, o nome deste artigo deveria ser “Software Livre & Comercial”.

Cyntia Mara Costa
Engenheira cartógrafa e analista de sistemas de informações geográficas da Celepar – Informática do Paraná
cyntia@celepar.pr.gov.br