As fronteiras do GIS

Conferências ao redor do mundo mostram os novos caminhos e as atuais tendências do desenvolvimento dos sistemas de informações geográficas.

Tive o privilégio de poder acompanhar duas conferências de alto nível em GIS no espaço de três semanas, uma no Brasil e outra nos Estados Unidos. Ao contrário do que alguém poderia imaginar, nossa distância em relação ao primeiro mundo no que diz respeito a pesquisa em geoprocessamento não é grande. Tanto é que dos 29 trabalhos aprovados na conferência americana seis eram brasileiros (sendo três de Belo Horizonte, um de Porto Alegre e um do Rio de Janeiro). Somando o conteúdo destes dois eventos, é possível traçar um panorama das principais linhas de interesse atuais para o desenvolvimento dos GIS, e por conseguinte deduzir algo do que está nos esperando no horizonte da próxima década.

A primeira das conferências foi a GeoInfo, que aconteceu na UNICAMP, nos dias 20 e 21 de outubro de 1.999. Uma característica importante desta conferência é o fato de abrigar trabalhos em andamento, experiências que têm bastante acúmulo de pesquisa mas que poderiam se beneficiar da interação com a comunidade presente ao evento antes de sua conclusão. A outra foi a ACM GIS 99, ou International Symposium on Advances in Geographic Information Systems, que ocorreu em 5 e 6 de novembro de 1999 em Kansas City, Estados Unidos.

A ACM GIS, promovida por uma renomada associação internacional de profissionais de informática, a ACM (Association for Computing Machinery), foi coordenada pela professora Cláudia Bauzer Medeiros, da UNICAMP. Ambas as conferências foram enriquecidas por palestras proferidas por profissionais de renome internacional. O professor Max Egenhofer, da University of Maine, um dos principais centros de pesquisa em geoprocessamento dos Estados Unidos, participou do GeoInfo e apresentou idéias para a concepção de eletrodomésticos geoespaciais, ou seja, dispositivos baseados em geotecnologias que poderão ser incorporados no dia-a-dia das pessoas. O ACM GIS contou com palestras de David Maguire (ESRI) e Siva Ravada (Oracle).

Ao final, é possível listar os principais temas discutidos nos dois eventos, sem uma ordem particular de importância ou relevância:

Gerenciamento espaço-temporal – existe um grande acúmulo de pesquisa sobre este tema, que procura incorporar aos GIS a possibilidade de lidar com objetos cujas características variam também no tempo. Os trabalhos envolvem aspectos como incorporação de aspectos temporais a modelos de dados e interfaces para consulta a bancos de dados espaço-temporais.

Consultas visuais – este é um tema cada vez mais freqüente na área de GIS, considerando a constatação geral de que as linguagens de consulta baseadas em comandos (por exemplo, SQL), mesmo quando complementadas por operadores geográficos, não são o recurso ideal para que um usuário leigo consiga extrair informações de um banco de dados geográfico. Existem iniciativas que propõem até mesmo a especificação de consultas a partir de rabiscos indicando as relações topológicas desejadas entre objetos.

Modelagem de dados geográficos – um tema muito rico e ainda com muito por fazer, apesar da existência de diversos trabalhos propondo modelos de dados específicos para aplicações geográficas. Nos eventos foram abordados temas como restrições de integridade espaciais, análise de padrões de modelagem, projeto de bancos de dados geográficos, múltiplas representações e uso de ontologias. Este último tema refere-se à incorporação, aos GIS, de hierarquias de conceitos correlacionados (que são as ontologias) de modo a permitir que as aplicações incorporem as noções que os usuários têm sobre seu ambiente de trabalho. Significativamente, os três trabalhos nesta área apresentados no ACM GIS são de brasileiros.

Cartografia baseada em GIS – uma área polêmica, em que existe muita confusão de conceitos entre a informática e a cartografia tradicional. Foram apresentados, envolvendo o uso de referências lineares (como, por exemplo, a localização de endereços ao longo de rodovias usando a quilometragem), rotulação automática, produção de mapas baseada em redes de gerenciamento de conhecimento, e cartografia animada.

GIS e Internet – nada mais atual do que tratar de aspectos tecnológicos que estão interferindo com a nossa capacidade de prover acesso a dados geográficos através da Internet. Nesse sentido, foram apresentados trabalhos relacionados à visualização tridimensional baseada na Web, uso de GPS através da Internet, e sobre o uso de recursos de generalização cartográfica para acelerar a visualização de mapas via Web. Alguns trabalhos lidaram com aspectos ligados ao acesso a bancos de dados geográficos heterogêneos e distribuídos em rede, conceitos fundamentais para a viabilização de GIS através da Internet.

Análise espacial – a novidade mais importante nesta área é a pesquisa em geoestatística, que já gerou produtos comerciais: o SPRING e o ARC/INFO versão 8 são os primeiros GIS dotados de módulos de geoestatística, possibilitando a execução de análises até agora inéditas.

Interoperabilidade e qualidade de dados – a preocupação com a qualidade dos dados é baseada nas dificuldades que surgem no compartilhamento de informação entre usuários, mesmo que estes usuários sejam membros de uma mesma organização. Assim, o tema está ligado às questões de interoperabilidade, ou seja, de recursos que permitam que GIS diferentes possam trocar informações livremente.
Além dos temas acima, ambos os eventos incluíram apresentações sobre aplicações importantes e inovadoras, em especial nas áreas de agricultura de precisão, sistemas espaciais de apoio à decisão e controle de poluição sonora em cidades. Considerando estes temas de trabalho dos pesquisadores, podemos esperar uma série de novidades em termos de novas funções e recursos para nossos GIS em alguns anos. Parece clara a tendência em direção à padronização, tanto em termos do uso de gerenciadores de bancos de dados quanto com relação à comunicação através de uma rede. Com efeito, um projeto de pesquisa sobre interoperabilidade foi anunciado ao final do GeoInfo, envolvendo o INPE, a UNICAMP, a PUC-RJ e a University of Maine, com financiamento conjunto do CNPq e da National Science Foundation (NSF), o CNPq deles.

Também são interessantes as iniciativas relativas a interfaces visuais para consulta, que diminuem as exigências para que uma pessoa se torne um usuário efetivo de GIS. Somando estes recursos às iniciativas de pesquisa sobre GIS na Internet, estamos próximos de um brutal aumento da capilaridade do uso de GIS na sociedade. Esta impressão é ainda reforçada pela existência de reais condições para que a Internet dê um salto em termos de desempenho, somada à já conhecida e irreversível expansão do uso da rede em todas as áreas do conhecimento humano.

Parecem estar ficando para trás algumas das amarras provocadas pela insistência em se usar GIS como sistemas de cartografia automatizada. Existe uma percepção, materializada em diversos dos trabalhos apresentados em ambas as conferências, que produtos cartográficos como mapas e cartas são, na realidade, uma forma de saída, ou seja, o resultado de um processo sofisticado e exigente de análise espacial baseada em um banco de dados geográfico.

Enfim, estamos longe de ver o fim dos avanços tecnológicos ligados a GIS. Estes avanços podem muito bem levar ao já anunciado "fim do GIS", ou seja, aquele momento em que não haverá mais a possibilidade de se tratar isoladamente de GIS, que terá se tornado parte intrínseca dos sistemas de informação. Considerando a velocidade das mudanças na era em que vivemos, e o fato de que a maioria das áreas de pesquisa atuais não contêm limites teóricos monumentais, podemos esperar a incorporação das inovações brevemente listadas aqui, e outras mais, aos GIS comerciais em um prazo relativamente curto. Quem viver (mais um pouco) verá.

Mais informações sobre as conferências:
www.dpi.inpe.br/geoinfo99 – Home page do GeoInfo 99
www.dcc.unicamp.br/acmgis99 – Home page do ACM GIS 99
www.tecgraf.puc-rio.br/geoinfo2000 – Home page do próximo GeoInfo, a ser realizado juntamente com o GeoBrasil 2000 (www.geobr.com.br), no Centro de Convenções do Anhembi, São Paulo, em junho próximo.

Clodoveu Davis é engenheiro civil, analista de sistemas, mestre em Ciência da Computação e Assessor de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte.
E-mail: cdavis@uol.com.br