Laser scanners: uma aplicação do sensoriamento remoto na engenharia

O colunista Régis Bueno comenta uma nova tecnologia de sensoriamento remoto que permite monitorar obras de engenharia a baixo custo.

Lendo o primeiro caderno da Gazeta Mercantil de 16 de fevereiro, encontrei um assunto sobre geomática, como ocasionalmente tenho encontrado nos últimos anos. De autoria de Virgínia Silveira, apresentava a seguinte manchete: "Inpe mapeia transposição do rio São Francisco". O artigo discorre sobre o atual estágio do projeto de transposição do "Velho Chico", informando que o mapeamento da região foi iniciado no final do ano passado e neste mês de janeiro foram concluídos os trabalhos de tratamento de dados, originando 200 mapas. Os dados foram obtidos com as tecnologias de radar aerotransportado e imagens Landsat. Durante o último congresso de Cartografia, em Recife, tive a oportunidade de ver produtos semelhantes realizados pelo Inpe na mesma região. Os mapas apresentados são muito interessantes e mostram claramente o potencial desta tecnologia quando aplicada à levantamentos para obras de engenharia.

Na ocasião estava também presente um colega que apresentou-nos um demo do ALTM, um sistema de altimetria laser aerotransportado, provido de um sistema GPS cinemático, baseado em resolução de ambigüidades "on the fly", que posiciona os dados gerados pela varredura de milhares de pulsos por segundo do laser. Segundo o catálogo a precisão altimétrica era da ordem do decímetro. O resultado obtido gera um modelo digital do terreno e ainda possui uma câmara de vídeo que filma todo o trajeto percorrido e auxilia na interpretação dos dados.

Posteriormente em um exemplar da Geomatics Info Magazine dedicado a levantamento para a engenharia civil foram publicados alguns artigos e reportagens sobre estes sistemas de varredura a laser. Essa tecnologia é conhecida como LIDAR, Ligth Induced Detection and Ranging, e consiste em um sistema laser que determina uma nuvem de pontos com coordenadas relativas ao instrumento, os quais são aplicados para obtenção de Modelos Digitais de Terreno (em inglês, Digital Terrain Model – DTM) e modelagem tridimensional de objetos. Com a automação do processo e a era GPS, o LIDAR vem tornando-se uma das melhores técnicas para obtenção de dados geométricos, segundo o editorial da revista.

Murtagh e Cheesman apresentam um artigo que discorre sobre a elaboração do DTM em uma região da costa leste da Inglaterra. Nesse caso o objetivo do levantamento topográfico é voltado para a avaliação dos riscos potenciais de inundações em propriedades, causadas por ondas durante tempestades. Um estudo realizado para a indústria de seguros do Reino Unido. Os resultados obtidos por este processo, comparados com valores determinados por nivelamento com estação total, obtiveram discrepâncias médias da ordem de 15 cm. No gráfico apresentado nota-se uma certa tendência de valores do laser acima do nível do solo. Os autores enfatizam que a construção de DTM por este processo tem como pontos críticos a adequada edição dos dados gerados pela varredura, modelagem geoidal e a disposição das estações base GPS na área mapeada. A comparação de riscos de prejuízos, inferidos pelo novo DTM, com um outro propositadamente degradado, gerado com intervalos verticais de 1,5 metros, para simular aqueles normalmente obtidos por mapeamento oficial, sugerem que tal variação na resolução do modelo podem resultar em diferenças de até 22 por cento na predição de prejuízos.

Este tipo de levantamento, combinando diversas tecnologias com a aplicação do GPS, é um exemplo de como vem se tornando cada vez mais importante para a engenharia o conhecimento preciso do geóide. A diminuição do custo na aquisição de dados altimétricos, via geodésia espacial, depende do conhecimento da separação geoidal.

Outro ponto que chama a atenção para os sistemas de varredura laser é o nível de detalhamento que consegue obter dos objetos e a rapidez com que isso é feito. Um sistema terrestre portátil, desenvolvido nos EUA, disponível no mercado desde 98, faz uma varredura de 800 pontos por segundo, gerando uma nuvem de milhões de pontos com acurácia nominal de 6 mm. A superfície resultante teria 2 mm de exatidão. O scanner deve ser posicionado até 50 metros no entorno do objeto, à semelhança da fotogrametria à curta distância. Após o processamento gera um modelo 3D. O tratamento desta nuvem de pontos requer processos automatizados seguros e comunicação com programas CAD e GIS.

O projeto não previu a sua utilização somente em levantamentos "como construído" (as built). Seu uso estende-se à determinação de modelos tridimensionais de objetos com exatidão, rapidez e baixo custo, suficientes para substituir os atuais processos com estação total, com elevado grau de eficiência. Um objetivo perseguido pelo seu inventor desde a época em que comandava uma empresa que empregava 450 profissionais para a realização de levantamentos, e mesmo assim não conseguia fornecer todas as informações desejáveis aos projetistas e gerentes. Na palavra de seus criadores o sistema captura a realidade para que se possa realizar um acompanhamento detalhado e preciso de projetos de engenharia.

Um instrumental capaz de realizar um levantamento detalhado e preciso, consumindo pouco tempo para fazê-lo, elevaria substancialmente a capacidade de monitorar processos construtivos na engenharia. A sua aplicação cotidiana em uma obra pode permitir rápida e segura verificação do que está sendo realizado em relação ao que foi projetado. Esse acompanhamento freqüente possibilita a detecção de erros decorrentes do mau dimensionamento de componentes, da não observância de normas e especificações. Em entrevista o fabricante cita um estudo desenvolvido pelo Instituto da Indústria da Construção dos EUA, segundo o qual erros relativos ao mau dimensionamento de componentes representam um custo adicional entre 5 a 15 por cento de uma obra.

Um estudo deste tipo no Brasil, onde as características diferem das que encontramos nos EUA, será que apontaria algo semelhante? Por exemplo, lá é utilizado muito o aço perfilado e concreto pré moldado na construção civil. Por outro lado, mesmo no Brasil, na indústria petroquímica, por exemplo, são empregadas muitas tubulações e outras peças. De qualquer forma o desenvolvimento de uma tecnologia que permite a "captura da realidade" de uma obra de engenharia, com baixo custo operacional e adequada exatidão, seria um sério fator de redução de custos e aumento da segurança.

Régis Bueno é engenheiro agrimensor pela Escola de Engenharia de Agrimensura de Pirassununga, mestre em engenharia e doutorando pela Escola Politécnica da USP e professor da EPUSP, UNIP e UNISANTOS. Integra a Comissão de Normas para Serviços Topográficos da ABNT e trabalha como consultor. E-mail: rfbueno@ibm.net