Adaptação para a Geografia de Mercado de estratégias de análise de dados típicas da Medicina oferece novos insights sobre a caracterização e gestão da Área de Influência (AI) de empreendimentos

Essência comum: Aliviados de suas circunstâncias materiais, fenômenos bastante díspares acabam exibindo a mesma estrutura quantitativa. Do ponto de vista puramente matemático, o tempo de vida de componentes eletrônicos em uma máquina, a duração de greves, os períodos de desemprego em ciclos econômicos e o tempo necessário para realizar certas tarefas são, todos, fenômenos comparáveis à sobrevivência de pacientes em uma clínica. "Respostas não-negativas com forte dispersão, freqüentemente censuradas à direita," diria o estatístico. E o epidemiologista concordaria balançando a cabeça.

Jargão à parte, a disciplina de Análise de Sobrevivência trata dos fatores que influenciam o "tempo" decorrido desde uma origem convenientemente definida, por exemplo o ingresso de um paciente no estudo, até a verificação de uma "falha", geralmente morte pela doença de interesse, primeira recidiva dos sintomas após o tratamento, ou primeira queda no desempenho físico abaixo de um padrão. Neste tipo de estudo, procura-se conhecer o prognóstico de sobrevida de um paciente, entender os fatores de risco associados à sua condição, desenvolver tratamentos mais eficazes e identificar as relações entre diversas variáveis de interesse como idade e hábitos alimentares, de um lado, e o tempo de sobrevivência, de outro. Uma complicação comum é a perda de contato com os pacientes antes do término do estudo (chamada de censura de dados), seja porque os pacientes mudem de cidade, abandonem o tratamento ou morram atropelados antes de ter o aguardado enfarte. O destino pode ser cruel, inclusive com os médicos.

Abstração radical: Chegou-me às mãos recentemente um interessante (embora circunstancialmente pouco conclusivo) artigo (KRMENCE e ESPARZA ,1999), em que os autores levam a abstração dos modelos de sobrevivência ainda mais longe: o "tempo" (na verdade, distância) é medido em metros desde a localização de empresas prestadoras de serviço ("origem") até a ocorrência de um cliente ("falha"). Várias características das empresas (por exemplo a agressividade de sua estratégia de marketing) e dos clientes (por exemplo, volume de suas compras) são coletadas e relacionadas à área de influência por meio do modelo de riscos proporcionais de Cox. Muito criativo.

Neste contexto, a "Função de Sobrevivência" (FS) caracteriza a área de influência indicando a proporção de clientes localizados para além das diversas distâncias medidas desde a empresa. Assim, quando a distância é zero, a proporção de clientes localizados a mais de 0m da empresa é 100%. Conforme a distância "d" aumenta, a proporção de clientes localizados a uma distância maior que "d" diminui; até que, depois de um valor máximo de distância, não há mais nenhum cliente ainda mais longe.

Se temos motivos teóricos ou práticos para postular que a FS tem uma forma conhecida, pode-se partir para a sua estimação paramétrica (isto é, dos parâmetros que especificam a função); caso não se deseje adotar pressupostos fortes, a função pode ser estimada empiricamente. Programas de estatística comuns, como o SPSS e o Splus, por exemplo, permitem o ajuste de modelos de sobrevivência, paramétricos e não-paramétricos, com facilidade. Por este motivo, a utilização dos modelos de sobrevivência é uma possibilidade extremamente interessante na análise de Ais.

Exemplos utilizando SPSS: A figura 1, abaixo, mostra um conjunto de dados gerados por simulação. Os eixos de latitude e longitude foram posicionados de tal forma que a empresa (não representada graficamente) resultou localizada no ponto (0,0). Cada círculo corresponde à localização de um cliente. O tamanho do círculo é proporcional ao ticket médio. Os tíckets considerados "grandes" (maiores que R$ 150,00) foram marcados em azul e os "pequenos", em vermelho. Note-se que os clientes com tickets grandes deslocam-se mais.

Figura 1 – Área de influência de Ponto Comercial (dados hipotéticos, gerados por simulação; a empresa encontra-se na origem dos eixos).

Na figura 2, temos a caracterização da área de influência por meio de sua correspondente Função de Sobrevivência. Nota-se como, à medida que a distância "d" cresce, a proporção de clientes que distam mais que "d" metros até a empresa diminui, de forma que praticamente não há mais nenhum cliente a mais de 3000 m de distância da empresa.
Uma das vantagens da utilização da Análise de Sobrevivência é poder decompor a área de influência por segmentos; outra, é permitir resumir e quantificar os efeitos de diversos fatores de interesse sobre a AI, como, por exemplo, a idade ou a renda dos clientes pessoas físicas.

Figura 2 – Função de Sobrevivência Relativa à Área de Influência de um Ponto Comercial (baseada nos dados do mapa da Figura 1).

Na figura 3, a título de ilustração, comparamos a AI da empresa sobre clientes com tickets médios grandes e pequenos. Nota-se, como já o fizéramos com base no mapa, que os clientes de ticket alto se deslocam mais, ou "sobrevivem a maiores distâncias", se quisermos adotar a metáfora médica. O modelo de riscos proporcionais, se cabível, permite calcular "quantas vezes" mais.

Figura 3 – Comparação da Al sobre Clientes d=com Tickets Altos e Baixos.

A leitura do artigo de KRMENCE e ESPARZA, apesar dos problemas quanto ao estudo realizado em si, foi inspiradora: um "estalo" que levantou muitas idéias sobre a aplicação de modelos de análise de sobrevivência no tratamento de questões relativas às áreas de influência, reaquecendo um tema que, embora muito característico do Geomarketing, parecia-me um tanto estagnado. Este novo ânimo é oportuno, principalmente agora que várias organizações varejistas passaram a acompanhar mais de perto o comportamento de seus consumidores. Uma técnica da medicina parece ter trazido uma sobrevida teórica na pesquisa de áreas de influência.

Leia Mais
Para os interessados nesta combinação de caracterização de AIs e análise de sobrevivência, sugiro a leitura dos artigos e livros a seguir.

Artigos
KRMEC, Andrew e ESPARZA, Adrian. Entrepeneurship and Extraregional Trade in Producer Services, Growth and Change, vol. 30 (Spring 1999), pp. 213-36.

PARENTE, Juracy e KATO, Heitor, Área de Influência: Um Estudo no Varejo de Supermercados, Resumo dos Trabalhos do 24º Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro:ANPAD, 2000. (www.anpad.org)

Livros
COX, David Roxbee e OKES, D. Analysis of Suvival Data, London: Chapman and Hall, 1984.

KLEINBAUM, David G. Survival Analysis: A Self-Learning Text. New York: Springer-Verlag, 1996.

Francisco Aranha é doutor em Administração de Empresas, é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV) e consultor em Marketing de Precisão. Email: faranha@fgvsp.br