Como os movimentos da crosta terrestre modificam as coordenadas geográficas

É fácil imaginar que coordenadas, que definem a posição espacial de pontos, feições, linhas, não se alterem com o tempo. Esta é a percepção que temos do mundo que nos cerca. A nossa casa, ou o prédio onde moramos não se move. As ruas, os postes, as árvores, estão sempre no mesmo local. Somos então levados a concluir que vivemos em um mundo estacionário. Como poderiam as coordenadas variarem, a não ser que existam forças externas que provoquem algum tipo de movimento? A nossa percepção da realidade nos leva a imaginar alguma situações onde isso ocorre. Por exemplo, é fácil imaginar que as coordenadas de objetos em movimento se alteram: uma embarcação, uma aeronave, um automóvel, irão ter diferentes coordenadas ao longo da trajetória percorrida. Isso é evidente.

Vamos então voltar para o nosso mundo "estacionário", no qual, baseando-se na nossa percepção da realidade, coordenadas não variam com o tempo. A não ser que algum tipo de fenômeno tenha ocorrido, provocado ou não pela ação humana, acarretando algum tipo de movimento naquele ponto "estacionário". Podemos citar exemplos dos mais diversos. Extração de água subterrânea pode provocar um movimento vertical do terreno, provocando alteração na altitude. Movimento vertical do terreno também pode ocorrer como consequência da carga provocada pelo enchimento de uma barragem, ou por carga excessiva Provocada por edificações. Movimentos horizontais podem ocorrer devido a deslizamentos, movimentos de terra provocados por diferentes origens. Terremotos seriam outro tipo de exemplo, porém sem muita intensidade no Brasil.

As causas de movimentos, que provocam variação nas coordenadas de um mesmo ponto com o tempo , mencionadas acima, são aparentes, no sentido de que estes movimentos podem, muita das vezes, serem detectados e explicados com mais facilidade, por serem mais visíveis, ou por afetarem de forma desigual uma região limitada.

"As placas tectônicas não são estacionárias. Elas possuem um movimento relativo"

Existe uma outra forma de movimento, contudo, que provoca uma variação das coordenadas, em escala global, que passa desapercebido pelos nossos olhos, o usualmente chamado movimento das placas tectônicas. A crosta terrestre é divida em placas, que compreendem grandes porções oceânicas e continentais.

O Brasil se encontra contido em uma placa conhecida por placa sul-americana. Esta placa tem seu limite este na cordilheira submarina no fundo do Oceano Atlântico situada a meio caminho entre a América do Sul e a África e limite oeste no encontro da placa sul-america com suas vizinhas do Pacífico, encontro este que origina a cordilheira dos Andes. A exemplo dos limites leste e oeste, os limites norte e sul também se situam além do território brasileiro. Fenômenos como abalos sísmicos e vulcões ocorrem no limite entre as placas. Assim sendo, o Brasil se situa na parte mais estável da placa sul-americana.

As placas tectônicas não são estacionárias. Elas possuem um movimento relativo. Modelos geofísicos estimam que a placa sul-americana se desloca a uma velocidade aproximada de dois centímetros por ano dentro de um sistema de coordenadas global. O fato de que o Brasil se encontra na porção estável da crosta nos leva a concluir que os pontos na superfície se movimentam com a mesma velocidade. Nós não podemos ver e nem sentir este movimento. Mas ele existe, e pode ser detectado pelas técnicas de posicionamento espacial, cuja precisão é maior do que o deslocamento da placa.

A consequência disto é que, sim, todas as coordenadas, dentro de um sistema de coordenadas global, se alteram com o tempo. Em termos práticos isso significa o seguinte. Considere as estações da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC) Estas estações GPS encontram-se em operação contínua, fornecendo observações GPS diárias. Suas coordenadas, contudo, foram determinadas em um sistema de coordenadas global, associadas a uma determinada época de referência t0. Para se utilizar alguma das estações da RBMC como ponto de referência para um levantamento realizado em uma outra época t (onde t > t0), as coordenadas da estação da RBMC devem ser atualizadas para a época t, levando-se em consideração o intervalo de tempo entre t0 e t. As coordenadas atualizadas devem ser utilizadas como referência para o levantamento. As coordenadas resultantes do processamento podem ser expressas na época t, ou, melhor, serem reduzidas de volta para a época de referência t.

Este procedimento só deve ser aplicado dentro de sistema de coordenadas global, e geocêntrico. Como em um futuro próximo, o Brasil deverá adotar um sistema de coordenadas global, e geocêntrico, este procedimento deve ser utilizado nas operações de mais alta precisão com o GPS (Navegação e DGPS não precisam se preocupar com este procedimento. Tão pouco, levantamentos topográficos, ou que se utilizem de coordenadas locais).

De modo que, sim, coordenadas variam com o tempo. E, a partir do momento que nos conscientizamos disso, e sabemos que existem meios de conviver com esta variação, ela deixa de ser um problema, passando simplesmente a ser mais uma faceta do mundo dinâmico onde vivemos.

Marcelo Carvalho dos Santos é Ph.D. em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick, Canadá, onde é professor adjunto e membro do Laboratório de Pesquisa Geodésica. E-mail: msantos@unv.ca