Um debate sobre ética, privacidade e controle do uso da Geoinformação

O constante aumento da capacidade de processamento e armazenamento dos computadores tem colaborado, e muito, para a disseminação do geoprocessamento. As origens do geo estão nas necessidades de mapeamento automático, principalmente das forças armadas. Isto restringe um pouco o uso das últimas novidades mas, uma vez que a tecnologia tenha sido desenvolvida, é só uma questão de tempo para que ela se torne de domínio público.

Recentemente, na posse do novo presidente americano, nós tivemos um exemplo interessante do uso do Geoprocessamento para monitoração de eventos. Na realidade o geo foi apenas o pano de fundo para um sistema que integrava informações vindas de diversas fontes. A área geográfica de atuação foi em volta da Casa Branca. As informações eram coletadas e enviadas para um órgão centralizador, que no caso foi o NIMA (Nacional Imagery and Mapping Agency). As informações vinham dos agentes policiais e do FBI, e também de câmaras em prédios e helicópteros. Imagens sobre movimento de grande numero de pessoas, tráfego, e é claro, a localização exata do novo presidente eram enviadas on-line.

O fato mais interessante foi a escolha de um sistema de geoprocessamento como o suporte central desta operação. O que temos aqui é um sistema integrador de informações e o geo poderia estar como apenas como uma ferramenta auxiliar. No entanto, as informações são apresentadas sobre uma imagem da área de interesse. O operador pode descobrir interativamente o que está acontecendo em cada área.

Outras técnicas avançadas de computação podem ser usadas acopladas a este sistema. Por exemplo, as imagens digitais dos rostos das pessoas entrando na Casa Branca podem ser comparadas com um banco de dados de imagens de supostos terroristas. Imagens aéreas podem também ser comparadas a padrões que representem algum tipo de ameaça, como uma concentração excessiva de pessoas ou um congestionamento inesperado no tráfego.

Este tipo de aplicação do geo nos mostra algumas tendências das aplicações atuais. Uma é o uso de informações ao vivo, on-line, cada vez mais disponíveis e com usos que muitas vezes não conseguimos nem acreditar. Outra é o aumento da oferta e do uso de imagens digitais. Além disso, o GPS está cada vez mais popular. Podemos imaginar que cada carro no futuro terá um GPS embutido e também uma câmara digital. Estas imagens podem ser coletadas para o estudo de padrões de tráfego ou informações sobre imóveis em uma determinada área. Estas pessoas com o GPS e a câmara dariam estas informações em troca de receber também o mesmo serviço. Por exemplo, você é assinante do serviço e teria um desconto se também contribuísse com informações através de sua câmara e seu GPS. Alguém que esteja querendo comprar ou alugar um imóvel em determinada área gostaria de ver a vizinhança. Basta então se conectar a Internet e entrar na página deste serviço e escolher a área em que você está interessado e ver as imagens disponíveis da área, ao vivo ou gravadas.

Mas isto tudo gera um problema que também tem sido cada vez mais discutido não só por causa da Internet, mas também por causa do potencial "localizador" do GPS e também dos telefones celulares. Hoje, se você é assinante de um serviço de localização de veículos por GPS ou se você usa um celular, é muito fácil de você ser localizado. Não só localizado, mas acompanhado! Isto mesmo, você pode ser acompanhado passo a passo! Seus hábitos, locais que freqüenta, tudo isto são informações que diversas companhias estão dispostas a comprar para traçar seu perfil. Muitos pais gostariam de saber de cada passo de seus filhos adolescentes. Outras pessoas podem querer saber onde você está e talvez você também se interesse pela localização de outras pessoas. Por exemplo, você pode querer saber se aquele seu amigo que você iria buscar no aeroporto do Galeão ainda está preso por falta de teto em Curitiba.

A parte técnica por trás disto tudo não pára de avançar. Quanto ao GPS, o sistema tem sido cada vez mais miniaturizado. Além da triangulação através dos satélites do sistema, sinais de rádio na terra têm sido usados em conjunto dando uma precisão e raio de alcance que antes não estavam disponíveis. A precisão foi aumentada recentemente com a liberação do sinal mais preciso pelo governo dos Estados Unidos, o que estava disponível somente para aplicações militares americanas. Com o novo sinal, a precisão do GPS aumentou 10 vezes. As imagens de satélite estão disponíveis cada vez mais rapidamente e cada vez mais detalhadas. O tamanho do pixel pode ser tão pequeno quanto 1 metro. Ou seja, a menor medida percebida pelo satélite é um quadrado de um metro por um metro. Nos primeiros satélites este quadrado era de até 60 por 60 metros. Além disso, outros tipos de satélites, como os radares, que capturam outro tipo de informação resultante das respostas das ondas enviadas e refletidas pela terra. Outros tipos de sensores para satélites têm sido desenvolvidos e a quantidade de informações que está sendo obtida sobre a terra é impressionante.

Uma visão interessante sobre o futuro é que aquela nossa conhecida vizinha que ficava na janela o dia todo e sabia de tudo que se passava no lugar. Bem, ela não vai ficar mais lá na janela não. Ela provavelmente vai usar sua TV ligada na Internet ou um Palmtop. O Palmtop dela vai ser o último modelo, visor colorido, de alta resolução e ligado à Internet. O pano de fundo da tela dela não vai ser a área em volta da Casa Branca, mas a área em volta da casa dela. Se parou um carro novo em frente a casa da vizinha, a câmara digital no alto do teto da casa está programada para este padrão de atividades. A câmara captura o número da placa, disca para o do provável motorista. Confere se o nome já está no banco de dados de pessoas interessantes que ela criou, e se estiver, vai disparar um alarme. Aí ela pode resolver se vai olhar pela janela ou simplesmente colocar as imagens da rua na TV ou no Palmtop. Além disso ela poderá monitorar seus filhos, onde eles estão, fazendo o que, e com quem.

A tecnologia para isto já está disponível ou está sendo desenvolvida hoje nos laboratórios. O mercado de massa vai tornar o preço desta tecnologia cada vez mais barato e seu uso vai ser cada vez mais comum. As questões de privacidade
precisam ser discutidas porque a pressão vai ser cada vez maior. O aumento do uso de equipamentos digitais, seja a televisão, o telefone, a própria comunicação escrita através do correio eletrônico, isto tudo, facilita a coleta de informações por agentes não autorizados e o controle sobre nossas vidas. Este controle pode ser exercido com nosso consentimento em nosso próprio beneficio. Isto ocorre quando o GPS de nosso carro indica para o serviço de controle que o carro estragou às 1 da noite em um lugar ermo ou quando um programa filtro da Internet não permite que seu filho de 7 anos tenha acesso a páginas inadequadas para a idade dele. Mas ao mesmo tempo estas informações podem estar sendo usadas sem seu conhecimento e de forma inadequada quando algum programa na Internet monitora seus gostos pessoais ou alguém consegue acesso ao conteúdo de seu correio eletrônico.

Conforme vimos no início da coluna, a localização geográfica é uma das informações mais sensíveis e ao mesmo tempo uma das mais fáceis de ser obtida. Imagens aéreas podem ser obtidas com facilidade. Mini-GPS poderão ser usados sem seu conhecimento. O Geo, ou melhor, os sistemas de informação geográficas, as informações georeferenciadas estão no meio deste debate sobre a ética e o controle. Ao mesmo tempo é necessário ter consciência que estas informações podem ser também bastante úteis. E finalmente, a pressão para a obtenção e venda deste tipo de informação deve crescer cada vez mais. Assim como os recursos disponíveis para obtê-las.

"As questões de privacidade precisam ser discutidas. O aumento do uso de equipamentos digitais facilita a coleta de informações por agentes não autorizados e o controle sobre nossas vidas"

Frederico Fonseca é engenheiro mecânico, tecnólogo em Processamento de Dados e mestre em Administração Pública. Participa da equipe de geoprocessamento da Prodabel, responsável pela implantação do GIS da Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente cursa doutorado na Universidade do Maine. email: fred@spatial.maine.edu