Informação geográfica pode e deve se tornar material escolar e despertar interesse das crianças pelo geoprocessamento

Estamos caminhando, aqui em Belo Horizonte, para o nono ano consecutivo de uso de GIS para a área de educação. A aplicação, já bastante conhecida pelo país afora, chama-se Cadastro Escolar Georreferenciado, e consiste em localizar no espaço da cidade o local de moradia de cada aluno que solicita vaga na primeira série do ensino fundamental ao sistema público de ensino da cidade, seja municipal ou estadual. Isso é feito utilizando a base de endereços georreferen-ciados da cidade, mantida pela Prodabel em cooperação com concessionárias e órgãos públicos, tais como a Cemig, a Copasa-MG, os Correios e a Polícia Militar. Conhecendo as coordenadas do local de moradia, e tendo-se previamente delimitado a área que será atendida por cada escola pública de ensino fundamental, é feita a distribuição dos alunos usando basicamente uma função do tipo "ponto em polígono". Esse processo funciona com bastante agilidade, desde o momento em que os pais registram o pedido de vaga em uma agência dos Correios, até o momento em que a escola para matrícula é informada a eles por carta.

Essa aplicação reflete bem o uso de GIS na administração escolar, porém passa longe das possibilidades de uso educacional. E essas possibilidades são imensas. Com certeza, grande parte dos leitores que têm filhos em idade escolar poderão identificar-se com a experiência pessoal que passo a narrar. Dois anos atrás, meu filho mais velho cursava a 3ª série do ensino fundamental em uma escola privada. O currículo dessa faixa etária prevê, dentro das atividades de geografia, dar ao aluno noções de geografia urbana, abordando aspectos sobre sua cidade e seu bairro. Para isso, a escola distribuiu entre os alunos alguns mapas da cidade, situando pontos de destaque. Embora a escola seja muito boa e exigente (foi recentemente classificada em primeiro lugar na cidade por uma pesquisa realizada pela Revista VEJA), a qualidade dos mapas era sofrível. Procurei a escola e ofereci às professoras alternativas melhoradas, mas foi tarde demais: o material estava todo pronto. Assim, apenas meu filho pôde ter acesso ao material melhorado para estudar.

Antes de criticar a escola pela qualidade do material, foi preciso reconhecer que as alternativas não estavam disponíveis com tanta facilidade assim. Um interessado nesse tipo de material precisa, essencialmente, descobrir o "mapa da mina" para conseguir solicitá-lo à Prefeitura, através da Prodabel – um tipo de serviço público que não é muito divulgado, já que o grande volume de serviços prestados pela Prefeitura está concentrado em áreas como tributação, licenciamento, saúde, limpeza urbana, e diversos outros.

A solução para esse tipo de problema passa, necessariamente, pelo uso da Internet. Um esforço de reestruturação do Portal da Prefeitura de Belo Horizonte na Internet, realizado no final de 2001, abriu um sub-portal específico para a obtenção gratuita de mapas prontos da cidade, a maioria em formato PDF. Três meses depois do lançamento do novo portal, a página de mapas era já a terceira mais acessada, perdendo apenas para duas páginas de esclarecimento e orientação sobre a epidemia de dengue.

Este ano, meu filho mais velho envolveu-se em um projeto da 5ª série, no mesmo colégio, denominado "Conhecendo Belo Horizonte", em que grupos de alunos abordavam aspectos ligados à vida da cidade do ponto de vista de cada disciplina: matemática (estatísticas sobre a cidade), português, história, ciências, etc. Em geografia, para minha satisfação, foram fornecidos aos alunos cópias do mapa de relevo, da divisão de regionais e até mesmo parte de uma imagem LANDSAT – todos extraídos do novo portal.

Minha conclusão dessa história é que, quando a informação geográfica está disponível com facilidade (leia-se na Internet), eventuais interessados serão capazes de localizar essa informação e usá-la de forma criativa. Tenho certeza que quando minha filha mais nova chegar à 3ª série e for estudar o espaço urbano, a qualidade do material será ainda melhor.

Observem que esse tipo de iniciativa não está restrita ao sistema particular de ensino, pelo contrário. Todos os anos, a Prodabel é procurada por alunos de algumas escolas municipais da periferia da cidade em busca de cópias heliográficas ou plotagens da região no entorno da escola, que depois é explorada por eles em campo. Com a ampliação do projeto de conexão das escolas municipais à Rede Municipal de Informática, e conseqüentemente à Internet, os alunos poderão ter acesso direto aos mapas publicados no site, e também poderão navegar no mapa da cidade usando ferramentas interativas baseadas na Web.

O interesse em melhorar a qualidade do material educacional tem gerado projetos interessantes pelo Brasil afora. A UFMG, através do Departamento de Cartografia, já utilizou GIS e imagens orbitais para produzir atlas de algumas cidades do interior de Minas. O site do IBGE Teen também traz recursos cartográficos interessantes para pesquisa escolar. Sites como o do Portal da Viagem são também bastante úteis para estudantes, que podem navegar sobre a malha rodoviária de estados e regiões inteiras.

Com um pouco mais de criatividade, pode-se imaginar o uso de recursos de GIS para a produção de material escolar digital. Não como atlas eletrônicos, mas usando recursos de animação e interatividade hoje disponíveis. Imaginem ter um mapa de uma cidade acoplado a um controle (como uma barra de scroll do Windows) que permitisse visualizar aspectos da vida da cidade em épocas passadas, dando ao estudante a possibilidade de perceber, visualmente, o ritmo e as direções de crescimento da cidade ao longo das décadas. Imaginem uma animação do mapa do Brasil que vai se transformando, do Tratado de Tordesilhas e das Capitanias Hereditárias, até chegar à atual divisão federativa. Imaginem um mapa da Região Sudeste que possa apoiar a narrativa dos eventos da Revolução de 1932 em um ambiente multimídia. Mapas animados mostrando a variação climática de uma região ao longo do ano, mapas interativos apresentando a redução da área de mata atlântica desde o descobrimento, enfim, todo tipo de fenômeno natural, antropológico, sociológico e econômico que tenha componente espacial (e possivelmente temporal) pode ser mais facilmente transmitido aos estudantes usando recursos que hoje temos em mãos.

Muitas das coisas com as quais estou sonhando podem até já estar disponíveis por aí, e muita gente pode estar sonhando o mesmo que eu. Mas o importante é constatar que, cada vez mais, percebe-se que é possível contaminar as crianças com o "vírus" do geoprocessa-mento desde cedo.

Clodoveu Davis é engenheiro civil, doutor em Ciência da Computação e Assessor de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte. E-mail: cdavis@uol.com.br