Após a revolução assistida nos últimos anos quanto à resolução espacial dos sensores, a tendência atual é a consolidação de sensores com altíssima resolução espectral

Um dos avanços mais significativos ocorridos na história recente do Sensoriamento Remoto foi o desenvolvimento de sensores hiperespectrais e, principalmente, de software para análise desse tipo de dados. Há até pouco tempo, um número reduzido de especialistas em sensoriamento remoto tinha acesso a imagens hiperespectrais. Ao mesmo tempo, as ferramentas computacionais necessárias para geração de informação e conhecimento a partir dessas imagens eram limitadas e complexas. Recentemente, entretanto, a análise de imagens hiperespectrais vem se tornando uma prática madura, com numerosos resultados de sucesso alcançados com essa tecnologia em aplicações como mapeamento da vegetação, caracterização de poluição urbana, avaliação de áreas degradadas, agricultura de precisão, mapeamento geológico e pedológico de detalhe e exploração mineral.

O sensoriamento remoto hiperespectral tem o potencial de prover detalhes sobre as propriedades físico-químicas dos materiais presentes na superfície imageada, incluindo composição química/bioquímica, grau de cristalinidade e morfologia desses materiais.

Curvas de reflectância espectral
Para facilitar o entendimento sobre imagens hiperespectrais, é fundamental reforçarmos alguns conceitos básicos de sensoriamento remoto espectral. Sensores portáteis não-imageadores (de campo ou laboratório), denominados espectrorradiômetros, realizam uma densa e contínua amostragem do espectro eletromagnético (com milhares de bandas espectrais contínuas, de largura nanométrica), abrangendo os comprimentos de onda do visível (VIS), do infravermelho próximo (NIR), do infravermelho de ondas curtas (SWIR) e do infravermelho termal (TIR) (Figura 1). Os espectrorradiômetros medem a reflectância dos materiais, ou seja, a porcentagem de luz que atinge uma superfície e é refletida pela mesma. O espectro de reflectância, ou curva de reflectância espectral, é um tipo de representação que relaciona a reflectância do material medido (em %) versus o comprimento de onda (em microns (mm) ou nanômetros (nm)). Alguns materiais refletem a luz incidente em determinados comprimentos de onda, enquanto outros absorvem a luz nos mesmos comprimentos. Muitos materiais exibem padrões de reflexão e absorção ao longo do espectro, os quais são diagnósticos de sua composição e grau de organização. Nesse sentido, os espectrorradiômetros são utilizados como instrumentos de análise da composição química dos materiais. Os espectros de reflectância da Figura 2, por exemplo, ilustram o comportamento de vários materiais presentes numa área urbana, para comparação. Uma análise do gráfico mostra como os comportamentos espectrais desses materiais podem ser similares e distintos ao longo do espectro eletromagnético – ou seja, cada material tem uma assinatura espectral característica, que serve para distingui-los e caracterizá-los.

Figura 2

Conceito
O processo de aquisição de imagens em centenas de bandas registradas e contíguas, deforma a possibilitar que para cada pixel das mesmas seja possível derivar uma curva de reflectância espectral completa, recebe as denominações de ‘espectroscopia de imageamento’ (imaging spectrometry) ou ‘sensoriamento remoto hiperespectral’ (hyperspectral remote sensing). O objetivo do sensoriamento remoto hiperespectral é medir, quantitativamente, a assinatura espectral dos componentes do sistema Terra a partir de espectros calibrados, adquiridos na forma de imagens, para uso em aplicações de sensoriamento remoto.

Figura 5

Pesquisas levadas a cabo recentemente mostraram que a composição da superfície terrestre pode ser identificada usando informação espectral gerada por sensores a bordo de aviões ou de satélites. A maioria dos materiais terrestres pode ser caracterizada por feições de absorção espectral com larguras entre 0,02mm (20nm) e 0,04mm (40nm). As bandas espectrais de sensores hiperespectrais são estreitas (geralmente com larguras entre 10nm e 20nm), contíguas (adjacentes e não se sobrepõem) e permitem a extração de espectros de reflectância a partir de cada pixel componente da imagem (Figura 3). Estes espectros extraídos podem ser comparados diretamente com espectros medidos no campo, em laboratório ou documentados em bibliotecas espectrais de referência. Na porção esquerda da Figura 3 é apresentado um cubo de dados espectrais de uma imagem AVIRIS, com 224 bandas, da área de Jasper Ridge (California, USA). Os eixos x e y do cubo representam dados espaciais (1024 x 614 pixels) de uma composição colorida (bandas 43, 17 e 10 em RGB). O eixo z representa dados espectrais de 224 bandas contíguas, desde 0,4mm (400nm) até 2,5mm (2500nm), em pseudocor. Outra particularidade entre os espectros derivados de imagens hiperespectrais e espectros medidos em laboratório são as ‘lacunas de informação’ nos comprimentos de onda centrados em 1.4mm e 1.9mm, que correspondem às regiões onde os componentes atmosféricos, principalmente água, absorvem completamente a radiação solar incidente.

Tabela 1: Principais sensores de imageamento orbitais e aerotransportados (atualizado de Shippert 2002)

Informações adicionais sobre dados do sensor Hyperion podem ser obtidas através dos seguintes endereços na Internet:

Sensores hiperespectrais
Sensores remotos multiespectrais tradicionais, tais como o ETM+/Landsat-7 e o TM/Landsat-5, produzem imagens de baixa resolução espectral, com bandas abrangendo centenas de nanômetros de largura (1000nm = 1mm). Os espectros de reflectância de cada pixel destas imagens carecem, em muitos casos, da informação espectral essencial pode ser também observado na Figura 5. uma clara assinatura dos materiais (caolim, para a identificação de seus materiais constituintes. A Figura 4 ilustra a forma como o sensor ETM+ ‘enxerga’ os alvos urbanos utilizados como exemplo nas medições de laboratório. O impacto entre o imageamento com diferentes resoluções espectrais Nesta figura, os dados hiperespectrais gerados pelo sensor AVIRIS, com 224 bandas, praticamente reproduzem a curva do caolim, medido em laboratório (Figura 2). Por outro lado, sensores multiespectrais, como o ETM+, o JERS-1 e o ASTER, não fornecem neste caso), por não possuírem resolução espectral suficiente para tal fim.

Atualmente, há várias dezenas de sensores desse tipo em funcionamento (Tabela 1), mas a maioria são aerotransportados. Entretanto, principalmente a partir de 2000, experiências e tentativas têm sido feitas no sentido de demonstrar a viabilidade do imageamento hiperespectral a bordo de satélites. Os resultados registrados até aqui são muito promissores. Em operação, existem dois sensores hiperespectrais do tipo orbital: o Compact High Resolution Imaging Spectrometer (CHRIS) (bandas VIS e NIR), a bordo do micro-satélite europeu PROBA, e o Hyperion Imaging Spectrometer, a bordo do satélite americano EO-1. Em meados de 2000, o sensor Fourier Transform Hyperspectral Imager (FTHSI) foi lançado a bordo do satélite MightySat-II, operou experimentalmente até meados de 2001, obteve sucesso em todos os seus objetivos e foi desativado dentro do período previsto da missão.

O sensor Hyperion é o mais completo sensor em operação para caracterização de materiais superficiais devido a sua cobertura espectral na faixa entre o vísível e o SWIR (0,4 a 2,5 mm). Entretanto, é preciso destacar que suas imagens possuem cobertura geográfica reduzida (7,5km de largura, ao longo da órbita da plataforma EO-1) e o mesmo é um sensor experimental da NASA, o que ainda dificulta especificação e acesso aos dados em áreas de interesse das empresas. Para o Brasil e o restante da América do Sul há uma extensa cobertura de dados Hyperion em arquivo, com ais de uma centena de cenas de alta qualidade e sem cobertura de nuvens, as quais podem ser adquiridas ao custo de USD250,00 por linha de imageamento, independente da extensão da linha (7,5km de largura x algumas dezenas de kms de extensão).

A ‘torcida’ agora, no que tange aos sensores hiperespectrais orbitais, é que com tantas demonstrações de sucesso, possamos tê-los funcionando, em algum momento num futuro próximo, em bases comerciais adequadas. Enquanto isso não é possível, nossos leitores devem ficar atentos e procurar adquirir mais familiaridade com os dados disponibilizados pelos sensores hiperespectrais orbitais e os aerotransportados em operação. Novidades, maiores detalhes e possibilidades de acesso a esses dados para os usuários da América do Sul, incluindo os sensores do SIVAM, serão assuntos tratados numa próxima coluna SensoR.

Carlos Roberto de Souza Filho
Chefe do Departamento de Geologia e Recursos Naturais (DGRN)
Coordenador do Laboratório de Processamento de Informações Georreferenciadas (LAPIG) do Instituto de Geociências da UNICAMP
beto@ige.unicamp.br