A cartografia do futuro e o futuro da cartografia

Novas formas de interagir com a informação geoespacial vêm sido previstas por livros e filmes de ficção científica há anos. Mapas holográficos, tridimensionais, posicionamento global em tempo real, interação com mapas via toque, são exemplos de visões de futuro que apareceram no campo da ficção e hoje estão disponíveis no mercado, ou ao menos há tecnologia disponível para tornar a ficção realidade. Em 1964, há quase 50 anos, no filme “007 contra Goldfinger”, o espião mais famoso do mundo já usava uma espécie de GPS para rastrear pessoas.

Entretanto, o que nos aguarda para os próximos anos? Quais são as visões da indústria, da academia, dos governos, sobre o papel dos mapas no futuro da nossa sociedade? Em alguns eventos realizados nos últimos meses, foi possível refletir, se inspirar e compartilhar visões com outros profissionais ao redor do mundo sobre o que podemos esperar para a área nos próximos anos.

Em Dresden, Alemanha, foi realizada em agosto a 26ª Conferência Cartográfica Internacional, reunindo profissionais de diversos países, principalmente da área acadêmica. Dentre as mais desafiadoras falas entre os keynotes esteve a explanação do representante da área de pesquisa e desenvolvimento da empresa Daimler, que expôs os esforços na indústria automotiva em direção à criação de automóveis que trafeguem sem motoristas. Num primeiro momento, a implantação se daria em ambientes internos, como estacionamentos de shoppings, para em seguida estarem disponíveis para autoestradas e, somente numa terceira etapa, estas invenções seriam capazes de trafegar em estradas secundárias e áreas urbanas. A grande questão, no que concerne à cartografia nestes projetos, é a exigência de uma base cartográfica muito mais detalhada e confiável do que as disponíveis atualmente. Por exemplo, a existência de semáforos e lombadas deveria estar representada com uma precisão de cerca de 5 a 20 centímetros, para permitir tempo de frenagem suficiente para o veículo se adaptar aos obstáculos. Outra provocação veio por parte da apresentação do professor Franz Leberl, que constata que, com a tecnologia atual, é possível a criação de um modelo global tridimensional com 10 centímetros de resolução, e que é apenas uma questão de tempo para esta visão se tornar realidade. As apresentações realizadas no congresso e os anais completos da conferência estão disponíveis nos links http://goo.gl/UnDYnu e http://goo.gl/8aWMGO, respectivamente.

Em setembro foi realizada em Nottingham, Inglaterra, a FOSS4G – conferência dedicada às tecnologias geoespaciais abertas, destacando uma nova forma de produzir inovação nesta área de uma forma colaborativa. Dentre estas iniciativas está a vertiginosa expansão de laboratórios educacionais baseados em tecnologias livres, iniciativa conjunta da Associação Cartográfica Internacional (ICA) e da Fundação Geospacial Open Source (OSGeo), que já conta com 45 laboratórios em diversos continentes e se propõe auxiliar na troca de experiências, criação de material de ensino, desenvolvimento de projetos de pesquisa conjuntos e investimento no ensino a distância. No Brasil, inúmeras universidades e instituições se mostram interessadas, sendo que a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) já contam com laboratórios estabelecidos. A lista de laboratórios existentes e maiores informações podem ser acessadas no site http://goo.gl/euOv9d e as apresentações da conferência estão disponíveis em http://goo.gl/CLD49D. O interesse global no tópico mostra que novas formas criativas de se disseminar globalmente o conhecimento e a tecnologia serão essenciais no futuro da cartografia.

Finalmente, também em setembro, reuniram-se em Brasília representantes dos governos federal, estadual e municipal, além de profissionais da indústria e academia, na 3ª Reunião do Fórum Intergovernamental de Gestores de Geoinformação (FIGG). Foi um primeiro esforço de estruturação da Política Nacional de Geoinformação, ainda a ser discutida amplamente com a comunidade de produtores e usuários, no qual foram levantadas algumas das principais preocupações a ser atendidas ao se criar um arcabouço legal atualizado que trate desde a coleta até a disponibilização da informação geoespacial. É interessante notar que conceitos como a cartografia colaborativa, a transparência e a acessibilidade já estão estabelecidos e considerados como questões chave na criação da política. Uma preocupação constante é com a qualidade de dados nesta nova realidade de múltiplos autores, com diversas dificuldades ao se estabelecer a confiabilidade no posicionamento e a oficialidade dos dados. Por outro lado, a nossa comunidade ainda chama a atenção para a falta de investimento constante que possibilite a existência de uma base de dados atualizada, confiável e em escala compatível com as necessidades regionais e temáticas para todo o país.

Sejam desafios tecnológicos, com demandas em termos de novos processos de coleta, visualização, compartilhamento de dados geoespaciais, como desafios políticos e institucionais, para delinear a forma que as instituições e o mercado vão continuar reagindo aos novos cenários, é importante salientar que a área se mostra hoje mais relevante do que nunca, exigindo, entretanto, flexibilidade por parte das pessoas e organizações para conseguir visualizar as novas demandas e adaptar-se a elas.

Silvana Camboim

Professora de Banco de Dados Geográficos e SIG no Departamento da Geomática da UFPR. Engenheira Cartógrafa e doutora em Ciências Geodésicas pela UFPR, com mestrado em Gestão Ambiental pela Universidade de Nottingham, Reino Unido, e MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV. Coordenadora do nó da UFPR da rede ICA/OSGeo Labs. Coordenadora do Grupo de Trabalho de Normas e Padrões do Cinde/Concar

silvanacamboim@gmail.com