Fragmentação desordenada da zona rural e suas sérias consequências ambientais, sociais e econômicas

É extremamente preocupante a onda de loteamentos irregulares que estão se proliferando em propriedades na zona rural de diferentes cidades dos estados de Goiás, São Paulo e outros, onde esses imóveis têm passado por uma fragmentação ilegal de suas terras e tal ilegalidade – que fere diretamente a Lei 4.504/64 que dispõe sobre o Estatuto da Terra (ET) – abre caminhos largos para vários outros tipos de ilegalidades.

De fato algumas das cidades que têm sofrido este tipo distorcido de especulação imobiliária na zona rural vêm já sentindo o peso das consequências da “picotação” de terras rurais, e alguns dos instrumentos para se medir tais consequências são as patrulhas rurais, os conselhos tutelares e as secretarias da educação, de assistência social e do meio ambiente dessas mesmas cidades, além das delegacias onde normalmente se registram os boletins de ocorrência e dos meios de comunicação que divulgam crimes em geral.

O Ministério Público, o Incra – responsável pelo Cadastro dos Imóveis Rurais (CCIR) -, a Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), a Celg – empresa de distribuição de energia de Goás – e o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) também são importantes instrumentos em que, direta ou indiretamente, são registrados dados e fatos que comprovam o quanto a febre de venda ilegal de pedaços de terra em zona rural tem se tornado cada vez mais alarmante, sinalizando inúmeros problemas atuais e muitos outros por vir.

A história, tanto quanto a ciência, demonstra que o uso ilegal do solo – inclusive através de vendas e posses ilegais – abre precedentes para vários outros tipos de ilegalidades e, quando isto se dá no entorno de grandes centros urbanos, as consequências tendem a ser mais dramáticas e acabam propiciando um campo fértil e minado para rápidos processos de favelização. E nunca é demais lembrar que os processos de favelização têm custos altíssimos e crescentes para toda a sociedade.

Diversos são os exemplos de favelas que surgiram a partir de apropriação indevida do solo e consequente queda na qualidade de vida da população, e a Rocinha, maior favela do Brasil, é o exemplo mais vivo que hoje temos de uma área rural – era a Fazenda Quebra-Cangalha – que foi dividida em chácaras que, por sua vez, foram redivididas e redivididas e redivididas sem planejamento, por conta de uma miopia que não consegue enxergar além de demandas imediatas e nem sequer vislumbra alguma relação entre causa e efeito a médio e longo prazo.

A história e a ciência também mostram que as ampliações das saídas e entradas dos grandes centros urbanos tendem a se tornar portas escancaradas para muitos processos de favelização, com a duplicação de várias estradas simultaneamente – a tendência deve ser a mesma a não ser que várias forças contrárias a tal tendência entrem em co-operação como prevenção.

Bela Vista, Bonfinópolis, Caldazinha, Hidrolândia, Senador Canedo, Silvânia e Trindade são algumas das várias cidades de Goiás e, no estado de São Paulo, as cidades de Atibaia, Ibiuna, São Roque, Itu, entre outras, têm sido atacadas pela febre quase convulsiva dos “loteamentos de chácaras”.

A própria expressão “loteamento de chácaras” parece depor contra si mesma – já que loteamento é um processo mais associado a áreas urbanas que rurais – e aponta uma espécie de doença sócio-econômica-cultural que tem degradado o meio ambiente, afrontado as leis de diferentes formas e desafiado a administração pública.

O fato é que a Fração Mínima de Parcelamento (FMP), ainda chamada de “módulo rural”, é uma unidade de medida agrária e é a dimensão mínima de um imóvel rural caracterizado como propriedade familiar (nos termos do Artigo 4º da Lei 4.504/64).

A medida do módulo rural é expressa em hectares e é variável, sendo que nas regiões metropolitanas a extensão do módulo rural é geralmente bem menor do que nas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos. Dois hectares – ou vinte mil metros – é a medida do módulo rural nas cidades do entorno de Goiânia.

A indivisibilidade em divisão inferior à do módulo é prevista no artigo 65 do ET. Os cartórios de notas não podem lavrar escrituras de imóveis com áreas inferiores à do módulo e os cartórios de registros também não podem registrá-las. E, caso registrem, o ato é nulo de pleno direito, “sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos” (Leis 5.868/1972 e 10.267/2001).

Como a venda e aquisição de áreas na zona rural menores que a fração mínima de parcelamento (módulo rural) é ilegal, a aquisição de chácaras menores que 20 mil metros quadrados não pode ser registrada em cartórios e, portanto, os novos proprietários de tais chácaras são de fato pseudo-proprietários, isto é, têm a posse da terra, mas não a têm legalmente e isto não lhes dá autonomia em relação ao bem adquirido.

Roberto Tadeu Teixeira
Engenheiro Agrimensor – Incra-SP. Especialista em Georreferenciamento de Imóveis Rurais, formado pela Feap – Pirassununga. Professor do Curso de Pós Graduação em Georreferenciamento de Imóveis Rurais, disciplina de Normas e Legislação aplicada ao Georrreferenciamento de Imóveis das Universidades: Fundação Educacional de Fernandópolis (SP), União Educacional do Norte – Rio Branco (AC) e Universidade do Vale do Itajaí (SC). Instrutor do curso EAD Legislação e Georreferenciamento da Universidade Santiago e Cintra