Por José Luiz Boanova Filho *

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) apresentou no dia 02/09/2015, a proposta do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial nº 94 (RBAC-E nº 94), intitulado “Requisitos Gerais para Veículos Aéreos Não Tripulados e Aeromodelos”.

Este regulamento estabelecerá as condições para a operação das aeronaves remotamente pilotadas no país e a proposta ficará em Audiência Pública pelo período de 30 dias, entre 03/09 e 03/09/2015, a fim de receber contribuições dos interessados.

Com isso, finalmente começa a ser discutida também a regulamentação da exploração comercial de Veículos Aéreos Não Tripulados, os “VANT”, também conhecidos como “Drones”, atividade que já movimenta expressivos números e que é tão aguardada por usuários, clientes, prestadores de serviços, empresas, fornecedores e fabricantes.

O conceito adotado pela ANAC na regulamentação proposta é no sentido de viabilizar e facilitar a operação de VANT no país, preservando a segurança das pessoas e possibilitando o aperfeiçoamento da regulamentação de acordo com o aprendizado trazido pela experiência operacional.

As principais novidades deste regulamento estão divididas em regras de voo, registro e matrícula, projetos de aeronaves, aeronavegabilidade e contravenções, passando pela definição e diferenciação entre Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), Aeronaves Remotamente Pilotadas (RPA) e Aeromodelos, bem como pela classificação do RPA considerando o seu peso.

A proposta de regulamento estabelece a diferenciação entre o VANT e o Aeromodelo segundo a intenção do voo de seu “piloto remoto”, aquele que manipula os controles de voo da aeronave: se o voo tem a finalidade de “recreação” (esporte e lazer), a aeronave é um Aeromodelo; se a finalidade é diversa da “recreação”, como por exemplo, nas atividades comerciais, coorporativas, de segurança pública e de defesa civil, a aeronave é um VANT. Dessa forma, uma mesma aeronave pode ser um Aeromodelo e um VANT.

Já a RPA é definida como o VANT destinado à operação remotamente pilotada, ou seja, uma subclasse de VANT que se caracteriza pela capacidade que a aeronave possui de permitir a intervenção do piloto remoto em qualquer fase do voo, sendo essa aeronave o foco principal da nova regulamentação.

A classificação proposta estabelece três classes de RPA, de acordo com o seu Peso Máximo de Decolagem (PMD):
– Classe 1: o RPA com PMD maior que 150 kg;
– Classe 2: o RPA com PMD igual ou menor que 150 kg e maior que 25 kg; e
– Classe 3: o RPA com PMD igual ou menor que 25 kg.
Somente será permitido operar uma RPA civil no Brasil se o projeto deste RPA (incluindo seu sistema de enlace de comando e controle) for aprovado pela ANAC, que considerará a Classe do RPA e a natureza da operação (VLOS ou BVLOS).

Para as RPA da Classe 1, de maior porte, será exigido um processo de certificação semelhante aos exigidos das aeronaves tripuladas, com as devidas adequações.

Para as RPA de Classe 2, serão exigidos certos requisitos técnicos, sendo necessário a aprovação do projeto da aeronave apenas uma única vez.

Para as RPA de Classe 3 serão impostas regras simplificadas, com a apresentação de manual de voo, manual de manutenção e apresentação de relatório de análise de segurança que demonstre que a RPA é segura quando operando da maneira estabelecida no manual de voo.

As RPA de Classes 2 e 3 deverão guardar registros de todos os voos realizados; para as RPA de Classe 3 e Aeromodelos não há obrigatoriedade desses registros.
Com relação ao piloto remoto, a proposta estabelece que este seja diretamente responsável e tenha a autoridade final pela operação do VANT ou do Aeromodelo. Os pilotos remotos de RPA deverão ser maiores de 18 anos, enquanto que para os pilotos remotos de Aeromodelos não há idade mínima estipulada.

Os pilotos remotos deverão possuir licença e habilitação a serem determinadas pela ANAC caso queiram operar com RPA de Classe 3 acima de 120 metros (400 pés) de altura ou para operar um RPA de Classe 1 ou 2. Não serão exigidas licença e habilitação para pilotos remotos de RPA Classe 3 operando abaixo de 120 metros de altura e nem para a operação de Aeromodelos.

Como regras de voo, a proposta estabelece que:
– VANT e Aeromodelos não podem voar de forma autônoma, isto é, sem que o piloto remoto possa interferir no voo;
– VANT e Aeromodelos não podem transportar pessoas, animais e artigos perigosos;
– Os Aeromodelos somente podem voar em até 120 metros (400 pés) de altura e distantes no mínimo 30 metros horizontais de terceiros, ou seja, daqueles que não estão envolvidos ou que não consentiram com essa operação;
– As RPA somente podem voar, pousar e decolar a uma distância mínima de 30 metros horizontais de terceiros, exceto os que se destinam a operações de segurança pública e/ou defesa civil;
– A distância horizontal de 30 metros de terceiros não precisa ser observada caso haja uma barreira mecânica suficientemente forte para isolar e proteger as pessoas, na eventualidade de um acidente;
– Os voos de VANT da Classe 3 ou de Aeromodelos sobre áreas habitadas não poderá ultrapassar 60 metros (200 pés) de altura; e
– É proibida a operação internacional de VANT e de Aeromodelos, podendo a ANAC expressamente autorizar apenas os VANT para tal operação.

Com relação ao registro, todas as RPA devem ser “registradas” junto ao Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) e receberão um Certificado. As RPA que operarão somente até 120 metros de altura e dentro da visão do piloto remoto (VLOS) serão dispensadas do Registro no RAB e serão apenas “cadastradas” junto à ANAC, mediante a apresentação de informações sobre o operador e o equipamento. Aeromodelos não necessitarão de registro ou mesmo de cadastro.

A ANAC continuará a emitir o Cerificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE) para um RPA com as finalidades de pesquisa e desenvolvimento, demonstração de cumprimento com requisitos, treinamento de piloto remoto, exibição e pesquisa de mercado.

A proposta que deverá gerar mais discussões é a de que as RPA da Classe 3 e que se destinam tanto a operações experimentais como não experimentais, operando dentro da visão do piloto remoto (VLOS) e em até 120 metros de altura, não necessitarão de qualquer certificado emitido pela ANAC.

Assim, um RPA de 25 kg (!) poderá voar numa altura de 60 metros, em área habitada (“área urbana”) apenas com a necessidade de manter a distância horizontal de 30 metros de terceiros, sem que a aeronave possua um certificado, mas tão somente um cadastro junto à ANAC. Além disso, o piloto remoto desta aeronave não precisa comprovar para a ANAC nenhuma experiência ou prática nesta pilotagem, já que não lhe é exigida licença ou habilitação…

A proposta obriga que todos os VANT tenham apólice de seguro com cobertura de danos a terceiros, excetos para aquelas aeronaves operando por (ou para) órgãos de segurança pública e de defesa civil. Os Aeromodelos também não precisariam de qualquer seguro para voar. Este pode ser um outro ponto que deverá gerar discussões.

No caso de não cumprimento dos requisitos estabelecidos nesse regulamento, o infrator estará sujeito às sanções estabelecidas no Código Brasileiro de Aeronáutica e a ANAC poderá suspender temporariamente as operações, através de medida cautelar, quando o descumprimento aumentar significativamente o nível de risco da operação.
Além dessas sanções, a proposta sugere a aplicação da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n° 3.688, de 3/10/1941), no caso de operações de VANT e Aeromodelos fora das áreas permitidas (Art. 35) e também quando o piloto remoto estiver voando um RPA sem estar devidamente licenciado (Art. 33). Ambos os artigos preveem prisão simples de 15 dias a três meses e/ou multa.

Na proposta apresentada, a ANAC absteve-se de estabelecer qualquer regramento com relação aos equipamentos de radiocomunicação, bem como sobre o uso do espaço aéreo, apenas mandando observar as regulamentações da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e do Ministério da Defesa. Absteve-se ainda de abordar aspectos legais nas esferas civil, administrativa e penal que podem recair sobre o emprego do VANT, mandando observar as legislações já garantidoras da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

O novo RBAC estabelece a revogação da Portaria DAC n° 207/STE, de 07/04/1999, que instituiu as regras para a operação de aeromodelos no Brasil, mas não determina a revogação da Instrução Suplementar IS nº 21-002 Revisão A, de 05/10/2012, que orienta a emissão de Certificado de Autorização de Voo Experimental com base no Regulamento Brasileiro da Aviação Civil n° 21 (RBAC 21) para Veículos Aéreos Não Tripulados.

A nova regulamentação exigiu uma proposta de Emenda nº 01 ao Regulamento Brasileiro da Aviação Civil nº 67 (RBAC nº 67), que trata da emissão dos certificados de saúde dos tripulantes, os chamados “Certificados Médicos Aeronáuticos” ou “CMA”. Através dessa emenda, será criado o CMA de 5ª classe que, segundo a proposta do RBAC-E nº 94, passará a ser exigido apenas dos pilotos remotos de RPA das Classes 1 e 2, ficando assim isentos da necessidade de CMA os pilotos remotos de Classe 3 e de Aeromodelos.
A proposta do RBAC-E nº 94 e demais documentos estarão disponíveis para as contribuições no link abaixo, a partir de 03/09/2015:

www.anac.gov.br/transparencia/audienciasPublicas.asp

A ANAC realizará uma Sessão Presencial para os interessados no próximo dia 11/09, em local e hora a serem ainda divulgados.

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* Advogado, Engenheiro Mecânico e Tecnólogo em Aviação Civil; Pós-Graduado em Gestão da Aviação Civil pela UnB; Piloto Comercial de Helicóptero; Ex-Gerente do Projeto VANT da Polícia Federal; Consultor em Sistemas Não Tripulados.