Já chegamos ao pico? Todo mundo vai pegar coronavírus? Quantas serão as mortes por Covid-19? Devemos ter medidas mais rígidas para impedir a circulação de pessoas? As proibições devem chegar ao ponto do lockdown? Isso tudo vai durar até quando?

Na tentativa de entender e responder tais questões, não apenas a comunidade científica e os gestores públicos se envolvem. A sociedade inteira debate. A todo momento são compartilhados artigos científicos, reportagens, gráficos, posts etc.

Nos últimos dois meses, um esforço sem precedentes se formou em busca de uma saída para a crise sanitária com impactos econômicos e sociais devastadores. Disponibilizar informação confiável e acessível é um dos desafios nesse contexto.

Num país com dimensões continentais como o Brasil, os dados devem ser organizados para trazer entendimento e soluções regionais, para que os gestores estaduais e municipais possam agir. Às tão difundidas curvas de evolução com os números da pandemia, é necessário agregar a dimensão geográfica: onde os casos e óbitos estão ocorrendo e quanto as pessoas estão se isolando ou circulando nas cidades.

Apresentar o impacto e as projeções da pandemia de Covid-19 nos municípios brasileiros é o que busca o portal Geocovid-19. O projeto é uma iniciativa interinstitucional, envolvendo organizações acadêmicas (UEFS, UFBA, UESC, UNEB, IFBA e UFG), empresas emergentes de base tecnológica (Geodatin e Solved) e organização do terceiro setor (MapBiomas).

O portal Geocovid-19 foi lançado inicialmente com os dados sobre a doença na Bahia, ainda no mês de março, quando o Ministério da Saúde reconheceu a transmissão comunitária do coronavírus no Brasil.

“Logo vimos que deveríamos chegar ao nível de agregação por município, pois havia uma carência de dados organizados nessa dimensão”

Washington Rocha, professor titular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e um dos articuladores do projeto

Ao esforço dos pesquisadores na Bahia juntaram-se grupos que também haviam publicado plataformas de monitoramento com camadas municipais em outros dois Estados: a equipe da Solved no Pará e os pesquisadores do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás. A integração dos trabalhos realizados na Bahia, no Pará e em Goiás foi possível com a mediação do MapBiomas, iniciativa também multi-institucional de mapeamento anual de uso e cobertura do solo no Brasil.

Projeções para a pandemia de Covid-19

Além de mostrar como evolui a pandemia em cada um dos 5.570 municípios brasileiros e nos 26 estados e no Distrito Federal, o portal Geocovid-19 apresenta projeções de casos para até 200 dias. O professor Washington Rocha explica que, num primeiro momento, foi utilizada uma modelagem exponencial. Posteriormente, uma modelagem neural, com o cruzamento de fatores geográficos, essenciais para o entendimento da dinâmica da epidemia:

“Os modelos matemáticos exponenciais funcionavam só até certo ponto porque eles não agregavam o efeito da espacialidade, a influência da vizinhança. Começamos a tentar modelar isso identificando uma rede de fluxo de pessoas entre municípios”

O fluxo intermunicipal foi encontrado em uma base do IBGE de 2016.

“Montamos um modelo epidemiológico combinado com uma base geoespacial, considerando o fluxo entre os municípios”

Assim, foi possível projetar cenários com e sem supressão de fluxo. Isto é, com e sem isolamento social. Ao modelo, são agregadas informações como decretos municipais de distanciamento e lockdown. E o portal também disponibiliza os índices de isolamento social por estado, fornecidos por uma parceria com a empresa inLoco.

Outra camada de dados do portal Geocovid-19 são as projeções das demandas nos números de leitos de enfermaria e de UTI.

Dimensão temporal nos mapas

Além disso, o professor Washington Rocha destaca a visão histórica, com a linha do tempo – para trás e para frente – aplicada sobre mapas. A experiência para desenvolver esse recurso na plataforma veio do MapBiomas. Muitos dos que atuam no Geocovid-19 são membros das equipes do MapBiomas.

“Fomos os primeiros a colocar mapas com uma escala de tempo, 30 dias para trás, conseguimos mostrar os mapas evoluindo dia a dia, projetados para até 200 dias. No MapBiomas, quando nós começamos a fazer os mapas de uso e cobertura da terra com bases anuais, fizemos essa restituição histórica para 30 anos. E trouxemos esse conceito de dimensão temporal para o portal, porque já percebemos que era algo importante”

Equipe multidisciplinar

Além de envolver profissionais e acadêmicos de diferentes instituições e lugares, no portal Geocovid-19 estão empenhadas equipes de diferentes formações. O professor Washington Rocha conta que o conhecimento de epidemiologia e saúde é embasado com a contribuição de quatro pesquisadores da UEFS na área. Além disso, a modelagem, que envolve um conhecimento matemático (esses modelos epidemiológicos são resolvidos por equações diferenciais), é realizada por quatro físicos estatísticos e dois cientistas de dados. Há também, geocientistas, geógrafos e programadores. No total, são cerca de 40 colaboradores voluntários.

Experiência para além da pandemia de Covid-19

O portal Geocovid-19 atende a uma demanda imediata e urgente. Gestores de saúde de diferentes esferas e regiões têm procurado a iniciativa com demandas de informações que ajudem no combate à pandemia. Porém, a experiência deixará frutos para além da atual crise.

“Vemos um potencial dessas tecnologias desenvolvidas para se transformar em uma plataforma para estudos de agravos da saúde de uma forma em geral”

Rocha cita doenças que frequentemente provocam surtos e são preocupações para a saúde pública no Brasil, como dengue, chikungunya e tuberculose

“Muitos desses agravos têm a dimensão espacial. Então, esse portal tem o potencial de evoluir para agregar outras doenças, ou fatores como comorbidades”

Para o professor Washington Rocha, a colaboração interinstitucional que possibilitou a criação em tempo recorde de um portal como o Geocovid-19 e sua manutenção mostra a importância dos investimentos na Ciência.

“O mundo todo tem percebido como a Ciência é importante. Ela não pode ser colocada em segundo plano”